Cachorros! Será que existe algum ser, desses supostamente irracionais, tão humano quanto eles? Sempre que vejo um, além da vontade de sentar no chão e brincar, fico pensando nas inúmeras lições que esses seres de quatro patas são capazes de nos ensinar. Quer ver?
Uma situação clássica ocorre quando eles recebem uma bronca e são acusados de um “delito” qualquer. Em poucos minutos, já estão contentes e abanando o rabo novamente. Ali, naquele momento, o recado parece ser cristalino: a vida é deveras efêmera e o tempo passa assim, ó, voando demais para nós torrarmos com sentimentos ligados à raiva e ao rancor.
Outra lição que pode ser aprendida é a paciência. Certo dia, vi um vídeo em uma rede social em que um amigo de quatro patas tentava se aproximar de uma criança. A negociação foi um pouco longa. De início o menino o rejeitava e não queria conversa. Mas, depois de persistir e demonstrar um enorme jogo de cintura (olha outro recado deles aí), lá estavam os dois, brincando.
Como não deixar de falar também dos ensinamentos sobre companheirismo e sensibilidade. Aliás, quando Deus colocou a palavra “cão” dentro de CompAnheirO sabia o que estava fazendo. Para eles não é necessário dizer “estou estressado” ou “minha cabeça dói”. Ao contrário de alguns seres humanos que conheci, os peludinhos são dotados de uma sensibilidade tamanha que logo percebem quando há algo errado. E ficam ao seu lado. Plantados! Até que melhore e levante da cama.
Tão corriqueira quanto a situação mencionada é quando você volta do trabalho e, só em colocar a chave na porta, já ouve os sapateados e latidos, ansiosos para lhe receber de volta. Lembro que eu quase sempre apertava a minha cachorra. Talvez seja por isso que ela quase nunca ia me receber. Ou porque grande parte do dia a fiel peluda ficava de plantão na cozinha: a bicha era boa de garfo. Ou melhor, de tigela. Dava até gosto.
Voltando, nos dias em que eu estava mais tenso, ela percebia e deixava, sem reclamar, que eu a pegasse no colo. Mesmo que fosse por alguns segundos. Compreensão e solidariedade! Outros recados deixados por eles.
Entretanto, de todos os ensinamentos já mencionados, o mais importante fica para o fim. Ah, o fim! Como é duro ver um ser que adorava comer e que, de uma hora pra outra, passou a virar a cara para a comida. Como é barulhento o silêncio e a ausência das pegadas, internadas. Como é muito foda não ter ninguém pulando na sua frente, correndo para a janela e latindo quando a campainha toca ou quando o caminhão do gás passa.
Sabe de uma coisa? A última lição deles é que com tantas atitudes assim, verdadeiras e generosas, as pegadas, as bolinhas espalhadas e os abraços gostosos, daqueles de deixar a roupa cheia de pelos, até cessam, mas o legado… Aah, não. O legado nunca é esquecido.
O melhor que se tem a fazer, por agradecimento a tudo isso, é simplesmente permitir a partida para o infinito e além. Seja esse fim com a injeção do descanso (bendito eufemismo para um nome horrendo) ou mesmo de causas naturais.
Ficam as lembranças das cenas engraçadas, fotos e várias risadas de canto de boca, meio sem vida, é verdade, mas – ao mesmo tempo – felizes pelos momentos vividos.
Tudo isso ensinado por alguém incapaz de dizer uma palavra. Uma só palavra! E nem precisava!
Guilherme Renso é escritor e jornalista