Brechós são aliados na busca pelo consumo consciente

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As roupas sempre tiveram um papel de destaque na sociedade e é incrível como, através delas, conseguimos contar toda a história de um povo. O mais legal é que mais uma vez elas são protagonistas de um movimento, que busca mudar justamente o conceito de como nós a consumimos.
 
Consumo consciente, consumo verde, moda sustentável. Provavelmente você já foi impactado por algum desses termos, mesmo que, talvez, ainda não saiba o que de fato eles significam, e não pratique em seu dia a dia. Pesquisa realizada pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas, e pelo Serviço de Proteção ao Crédito – Brasil, com entrevistados de todas as capitais do país, aponta que apenas 31% podem ser considerados consumidores conscientes.
 
A especialista em moda, Dávila Kess, 33 (graduada em Moda e Estilo pela Universidade Paranaense, com pós-graduação em Moda, Produto e Comunicação e em Processos e Produtos Criativos), destaca que existe uma confluência de vários fatores forçando que a sociedade repense comportamos de consumo. “A sociedade está passando por uma mudança na forma de consumo, de uma forma geral. Lembro que na minha infância era muito comum usar uma roupa que já tinha sido usada por um irmão ou primo. Mas o fast fashion derruba isso, com essa facilidade de acesso a comprar novas roupas. Só que a capacidade produtiva do Planeta, não está mais dando conta desse consumo. Além disso passamos por crises econômicas, o que faz com que cada um, dentro daquilo que carrega como crença, comece a priorizar questões como preço e qualidade”, destaca.
FOTO: Dávila Kess acredita nos vários caminhos para a busca pelo consumo consciente, de Brechós à Outlets
 
No que tange aos recursos naturais, vale destacar o papel da indústria têxtil como geradora de poluentes. O relatório A New Textiles Economy, desenvolvido pela Fundação Ellen MacArthur em 2017, aponta que são gastos 93 bilhões de metros cúbicos de água por ano na produção de têxteis; a indústria da moda gera 1,2 bilhão de toneladas de emissões de gases que causam efeito estufa anualmente; meio milhão de toneladas de microfibra é jogada todos os anos nos oceanos, o equivalente a 50 bilhões de garrafas plásticas menos de 1% de todo o material é reciclado e dá origem a novas peças, o que contribui ainda mais para o aumento da poluição.
 
Mas apesar desses números ainda estamos andando a passos de formiguinhas. “Os jovens estão mais abertos a essa nova tendência e necessidade de consumo consciente, mas isso tudo é novo e ainda está sendo trabalhado na sociedade, ainda não é algo massificado e estamos muito distantes de adotar atitudes conscientes, que vão desde a separação de lixo até a economia de água. Além disso, infelizmente, boa parte das empresas que trabalham esse conceito estão fazendo por questões de marketing, para vender mais. Então o consumidor precisa estar atento para escolher aquilo que for mais coerente para a sua verdade, e um bom começo é pesquisar sobre a origem do produto e se a empresa possui selo verde”, frisa Dávila.
 
A Internet assume um papel fundamental neste processo. Uma alternativa para conhecer a origem de produtos e o perfil das empresas é através do site modalimpa.com.br ou pelo aplicativo Moda Livre. E é pela Internet também, mais precisamente as redes sociais, que os brechós, que antes eram sinônimo de coisa velha e naftalina, ganham relevância, proporcionando muitas vezes o primeiro contato das pessoas com um consumo mais consciente.
 
“Antigamente as pessoas pensavam que roupa de Brechó era de gente que tinha falecido, e que trazia uma energia ruim. Mas é importante que essa imagem fique no passado, porque a saída que eu vejo para a sociedade é a busca por um consumo ressignificado e com responsabilidade. E neste contexto vamos descobrir que a roupa de brechó na verdade carrega histórias maravilhosas, é uma roupa que possui um design emocional, você não vai achar outra peça igual. Então é um artigo raro que você está encontrando em uma prateleira. Além de tudo isso, ainda é um negócio muito inteligente do ponto de vista financeiro”, conclui Dávila. A economia pode chegar a 80% se comparada uma compra em brechó com as compras tradicionais.
 
É UM NICHO DE MERCADO, É BUSINESS E TENDÊNCIA GLOBAL
Tendência nos grandes centros comerciais, já é possível encontrar em Vilas do Atlântico as boutiques brechós. A Amei Brechó, por exemplo, existe há dois anos e atende um público que não dispensa a oportunidade de estar na moda, usar produtos de grife, pagando um preço justo.
 
“A ideia da loja nasceu com Daniela Abreu, que sempre viajou muito e já curtia os brechós, mas sentia falta disso em Vilas do Atlântico. “Sempre amei a proposta, passei a ser consumidora e também fornecedora. Por razões pessoais Daniela foi morar no exterior e me ofereceu a loja, que estava começando a se consolidar junto ao público local e também de Salvador. Eu queria algo que fosse mais que consumo pelo consumo, que tivesse também a oferta de serviço, e visualizei isso no brechó, então assumi a loja tem um ano”, conta a empresária Nayara Floresta, que toca o brechó com o apoio da administradora Adriana Falcão.
 
A maior parte dos produtos vendidos na Amei, são fornecidos pelas próprias clientes, que tem uma peça em casa que usou uma vez ou nunca usou, por vários motivos, e quer vender. “Fazemos uma triagem, a peça precisa estar limpa e sem avarias. Nossa proposta é ser esse facilitador de dois públicos: quem quer uma roupa de grife, quer estar na moda, pagando bem; e quem tem roupas em casa, em bom estado e quer vender”, frisa.
 
Nayara Flores e Adriana Falcão tocam juntas a Amei Brechó em Vilas do Atlântico
 
Hoje o principal público da loja é formado por mulheres, de 25 a 35 anos, que querem estar na moda, sem gastar mais que o justo. “De uma forma geral, os brechós se tornaram uma tendência mundial, com três públicos bem fortes: o público da ideologia, que defende o Nayara Flores e Adriana Falcão tocam juntas a Amei Brechó em Vilas do Atlântico consumo consciente; o público da necessidade, fruto da crise econômica; e o público de garimpo, que passa na loja mais de uma vez por semana”, destaca.
 
Mas apesar da popularização do tema, Nayara percebe que ainda existe uma resistência, fruto até de uma cultura de preconceito, de que quem usa uma roupa de brechó é uma pessoa carente. “Percebemos também uma estranheza do público mais conservador. ‘Nossa, aqui é um brechó? Mas parece uma boutique’. Então precisamos explicar que sim, somos uma boutique, com produtos de brechó”, conta.
 
Olhando de forma ampla para o mercado, Nayara destaca que existem muitas oportunidades que ainda podem ser exploradas seguindo a tendência do consumo consciente, até porque o público de brechó já entende que não se trata de ‘mercado de pulgas’, onde se leva tudo de graça. “Você vai garimpar peças de qualidade, muitas vezes de grife. E isso é um negócio e precisa se pagar. Tem muitas oportunidades para serem exploradas, que já vejo consolidadas em outros lugares, como em São Paulo, Curitiba ou Belo Horizonte. Por exemplo, temos muita dificuldade de encontrar um lugar onde podemos nos desfazer de móveis; ‘quero trocar o rack da minha sala. Vou botar isso onde?’. Então vão ter grupos de WhatsApp, talvez um evento de garagem, mas algo muito insignificante. Uma loja nesse segmento seria ideal, atende um público de uma mente aberta, disposta a identificar oportunidades”, frisa.
 
“O consumo consciente, compartilhado, mexe com o meio ambiente e com a economia. Com o passar dos tempos não será mais uma tendência, mas sim um mote; os impactos ambientais do consumo desenfreado são visíveis, e logo não teremos mais de onde tirar recursos. Então isso aqui é real. Precisamos sair da lógica do ter bens para consumir os serviços, e isso vale para móveis, roupas, transportes, enfim”, conclui a empresária.
 
Consumo, Consciência e Solidariedade
As feiras e bazares são boas formas de estimular o consumo consciente, pois conseguem associar a aquisição de um produto com o ato de ajuda ao próximo. É assim, por exemplo, com os brechós e feiras de livros, realizados pelo Núcleo de Senhoras do Rotary Club Lauro de Freitas. O brechó mais recente aconteceu de 8 a 11 de maio, e segundo Mariana Ramos Martins, coordenadora da ação social, essas atividades são as principais fontes de arrecadação de fundos, que são destinados a ações sociais. “No caso do brechó, recolhemos doações ao longo do ano, selecionamos peças novas, temos parcerias com algumas empresas que contribuem com a doação de pontas de estoque, e também peças semi novas, com excelente qualidade e marcas conhecidas. Nos preparamos para o brechó: a equipe ajuda o cliente, busca entender o perfil da pessoa, ajuda no garimpo das peças e todos saem bem satisfeito. É um trabalho que fazemos por amor”, conta.
 
Parte das peças do brechó do Rotary são pontas de estoque doadas por empresas.
 

O brechó é realizado duas vezes por ano – em maio e novembro –, e o resultado tem sido muito positivo. “Conseguimos, nos últimos anos, ajudar na reforma da escola Rotary, no Quingoma, construir um parquinho para as crianças, ajudar na aquisição do mobiliário, como carteiras e mesas, e o objetivo dessa edição de maio é a aquisição de uniformes e chinelos para as crianças”, frisa Mariana.
 
A próxima ação social do Núcleo será a Feira do Livro, que acontece dias 4, 5 e 6 deste mês, na Unime. “Na feira do livro destaco dois pontos bem positivos: o primeira é fazer aquele livro circular, dando oportunidade para que outras pessoas o leiam – nem todos podem comprar um livro por R$60 ou R$70, mas pode comprar por R$5 na Feira do Livro do Rotary Club Lauro de Freitas. O outro ponto positgivo é a certeza de estar ajudando muitas pessoas e saber para onde e como aquele dinheiro será empregado”, conclui.
 
Uma das edições da Feira do Livro em 2018
 
Acidente em Bangladesh revela lado obscuro da indústria de roupas
Em 2013 aconteceu em Dhaka, capital de Bangladesh, o maior acidente da história da indústria têxtil. O edifício Rana Plaza, que abrigava uma fábrica onde eram produzidas roupas para grandes marcas de fast fashions ocidentais, desabou, deixando mais de mil mortos e dois mil feridos. Vale destacar que as leis trabalhistas em Bangladesh não são tão rígidas, possibilitando rotinas de trabalho exaustivas com remuneração insignificante.
 
Esse acidente faz surgir em Londres o movimento Fashion Revolution que busca a reflexão social sobre os caminhos que o produto percorre até chegar na mão do consumidor. A proposta é que cada usuário se questione ‘Quem fez as minhas roupas’, na busca por entender como aquela peça foi feita, por quem e quais condições de trabalho.
 
E a participação ativa dos consumidores têm estimulado empresas a tratar o assunto de forma mais transparente.
 
Para mais informações sobre o movimento Fashion Revolution, acesse www. fashionrevolution.org ou siga no Instagram/ fash_rev_brasil.
 
Sobre o acidente em Blangadesh, a história é retratada no documentário francês “The True Cost“, que aborda de forma ampla os impactos da indústria da moda na sociedade.

 

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