Com uma rotina agitada e a falta de rede de apoio, muitos pais acabam recorrendo aos desenhos ou jogos interativos no telefone como forma de distrair suas crianças. Mas, um novo estudo, publicado em setembro na revista científica JAMA Pediatrics, alerta que crianças com maior tempo de exposição às telas em seu primeiro ano de vida sofrem atraso no desenvolvimento da comunicação e da resolução de problemas entre dois a quatro anos.
Pesquisadores da Universidade de Tohoku, no Japão, analisaram sete mil bebês, entre 2013 e 2017, com consumo diário de entretenimento através da TV, DVDs, videogames e jogos de internet, incluindo tanto celulares quanto tablets.
Foram analisados os aspectos de comunicação, coordenação motora, habilidades pessoais e sociais, além da capacidade de resolução de problemas.
Os pesquisadores concluíram que houve um atraso na forma de se comunicar, assim como de resolver problemas, para as crianças entre 2 a 4 anos que tiveram muito tempo de exposição à tela no primeiro ano de vida.
“O ideal é que a introdução ao uso de telas seja feita o mais tardiamente possível, mas como sabemos que essa realidade é quase inviável para as famílias, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) recomenda que os pais evitem a exposição de crianças menores de 2 anos às telas, mesmo que passivamente”, frisa a psicóloga Maiara Amaro, especialista em Saúde da Família e da Mulher.

A jornalista Cinara Pereira, 40, mãe de Otto Araújo (1 ano e 9 meses), tentou ao máximo seguir essa orientação.
“Sempre li sobre os efeitos negativos que as telas produzem no cérebro das crianças, como viciam e as deixam hipnotizadas. Tentei muito evitar, mas, infelizmente, não consegui”, contou.
Ela seguiu o plano até Otto completar 1 ano e nesse período valorizou ao máximo o tempo juntos, participando das brincadeiras, passeios ao ar livre e estimulando o gosto pelos livros. “É muito importante esse tempo juntos, você acaba interagindo mais com a criança, brincando, lendo livros! Otto, por exemplo, ama livros e sempre pede para lermos para ele e assim criamos vínculos e memórias”, frisou.
Sem rede de apoio no dia a dia, Cinara foi vencida pela rotina. Após a introdução alimentar e a necessidade de passar mais tempo na cozinha para preparar as refeições de Otto, os vídeos animados se tornam uma saída. “Deixo ele assistir vídeos quando preciso cozinhar, ou nos arrumarmos com horário apertado, ou ainda, para ele ir na cadeirinha do carro, por exemplo. Por um tempo, acabei usando também na hora das refeições, já que ele rejeitava muito os alimentos. Hoje já consegui tirar esse hábito e tento sempre minimizar a frequência e o tempo. Otto já fala e pede muito, o tempo todo, mas vou negando e oferecendo outras opções”.

A melhor forma de ensinar é pelo exemplo

A psicóloga Maiara Amaro destaca que nos últimos anos o desenvolvimento de pesquisas têm demonstrado a urgência desse tema para a sociedade e a amplitude dos riscos envolvidos, especialmente por gerar impactos no desenvolvimento de transtornos de saúde mental e problemas comportamentais.
A psicóloga acrescenta que o ponto chave do debate não é a tecnologia, mas o uso inadequado, sendo que os danos são diretamente proporcionais ao tempo de exposição às telas, impactando, inclusive, na vida adulta. “As telas, quando utilizadas com limites bem definidos, apresentam benefícios inclusive educacionais, para pesquisas escolares ou estudos complementares, por exemplo. Afinal, não podemos deixar de reconhecer os avanços que a tecnologia proporciona. Portanto, tempo e objetivos definidos serão importantes, sem dúvida”.
Para encontrar o equilíbrio, a profissional sugere que os pais estabeleçam acordos, explicando aos filhos sobre o tempo permitido e a frequência, por exemplo: usar eletrônicos para demandas escolares por no máximo duas horas por dia, para crianças a partir de 8 anos, e de forma mais livre e recreativa aos finais de semana, estabelecido de acordo com a rotina da família.
“É importante destacar que a mediação de um adulto é imprescindível, por isso, evitem que as crianças utilizem dispositivos eletrônicos sozinhas ou trancadas em seus quartos. Se interessem pelo que seus filhos assistem, jogam e curtem. As famílias devem acompanhar e fiscalizar, para que a autoridade parental seja exercida de forma respeitosa e equilibrada”.
Mas antes de estabelecer esse acordo, Maiara propõe uma reflexão: “Parem para pensar quanto tempo vocês (adultos/pais/responsáveis) também não perdem no uso de eletrônicos? A melhor forma de ensinar, ainda é pelo exemplo”.
“Revisar o próprio uso, vai abrir caminhos para ideias de novos passeios em família, viagens, brincadeiras, contato com a natureza, entre outros. E nessa perspectiva, tenho mais uma sugestão: definam o ‘dia da família’. Após este passo, listem juntos as opções de lugares, coisas para fazer, esportes, hobbies e o que vier. O que vai importar, mesmo, é o tempo de qualidade juntos. Garanto que os resultados vão surpreender”, concluiu.
“Redução de habilidades sociais, atraso no desenvolvimento da linguagem, problemas emocionais, distúrbios do sono/alimentares, atraso cognitivo, distúrbios de aprendizado, desregulação emocional, transtornos de humor, comportamentais e questões psicomotoras, como crianças muito sedentárias e com habilidades motoras reduzidas, são alguns das consequências pelo uso excessivo do celular por crianças e adolescentes”