De catador de latinhas a professor de surf e skate em Lauro de Freitas

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catador de latinhas vence no esporte em lauro de freitas

É sobre as ondas, do mar e do asfalto, que Romário de Jesus Gomes, 36 anos, está reescrevendo a sua história. De catador de latinhas à professor de skate em Lauro de Freitas, sua relação com o esporte hoje é um exemplo para crianças de comunidades carentes.

Natural de Cachoeira, cidade histórica do Recôncavo Baiano, a família chega em Lauro de Freitas no início dos anos 90, atraídos por uma oportunidade de trabalho. O pai era caseiro em um sítio, onde toda família morava; a mãe lhe transmitiu os primeiros ensinamentos sobre a vida e o valor do trabalho; e assim Romário passou sua infância tranquila.

Mas alguns anos depois tudo mudou. Sem emprego, a família se muda para a comunidade da Lagoa da Base. “Eu estava com 12 anos. A vida no sítio era boa, mas um pouco isolada, então em certa parte foi libertador, pois comecei a ter acesso a coisas que antes não tinha, interagir com mais pessoas”, conta Romário.

Mas junto vieram os perigos, o amadurecimento precoce e a necessidade de começar a trabalhar para ajudar com as despesas de casa. Ofício: catador de latinhas.

“Íamos minha mãe, meu irmão e eu, catar latinhas no Carnaval de Salvador. Presenciava de tudo, inclusive as brigas, e já aconteceu também de me perder no meio da multidão”, lembra. Só não largou os estudos pois a mãe não deixou. Apesar das dificuldades, ela estava de olho em cada passo do filho. “Eu era criança. Até dava tempo de brincar, mas já tinha responsabilidades, tanto de trabalhar como de estudar”.

Cerca de quatro anos depois uma nova mudança na vida da família. Para agarrar a oportunidade de comprar um terreno na Vila Praiana, onde seria construída a casa própria, foi necessário se desfazer de todos os móveis que já tinham e recomeçar, do zero. Na época, já com 16 anos, Romário passou a catar latinhas e vender água de coco nas praias de Lauro de Freitas.

Não foram poucas as vezes que parou admirando o mar. Um dia ele encontrou um bodyboard no lixo. Levou para casa, lavou e passou a observar com mais atenção as pessoas pegando onda. “Na época eu não sabia nem nadar, mas sentia que precisava viver aquela experiência. E não deu em outra: no primeiro contato com a onda me apaixonei”.

Mas a natação nem foi seu maior desafio. Teve que lidar também com o preconceito do pai, que tinha medo que ele se envolvesse com drogas. “Lembro que meu pai cortou o meu primeiro bodyboard em três pedaços para que eu nem pudesse arrumar. Mas a paixão era mais forte. Consegui outro bodyboard e comecei a ir para a praia escondido para surfar, por vezes até fugindo da aula”.

Não demorou e Romário começou a se destacar. Através das competições, seu pai percebeu o potencial e a importância do esporte, dando um crédito de confiança ao filho. Mas para avançar nas competições decidiu mudar de categoria, saindo do bodyboard para o surf. Não sabia ele do novo capítulo que estava por começar, o do skate.

O professor Romário

“O surf é diferente do bodyboard. Eu precisava aprender a ficar em pé na prancha e melhorar minha postura. E para isso fui aprender a surfar no asfalto”, conta. Neste ponto, Romário já tinha mais clareza de seus sonhos e o que era necessário para trilhar esse caminho. Não era mais catador de latinhas, conseguiu o primeiro trabalho com carteira assinada e entendeu que pelo esporte precisa permanecer ativo nos estudos. “Conciliar estudos, trabalho regular e o sonho de viver do esporte não foi fácil. Mas nunca me coloquei no lugar de vítima, pois minha mãe me ensinou a lutar desde muito cedo. É isso que tento ensinar hoje para os meus alunos”.

A prática do skate deu tão certo que em 2023 Romário recebeu o convite para ser professor no projeto Esportes Olímpicos para Todos, realizado pela De Peito Aberto (DPA), organização social criada com o objetivo de contribuir para o esporte, educação, saúde e cultura para pessoas em situação de vulnerabilidade social e econômica ao redor de todo o país. Ao todo 100 crianças, de 6 a 17 anos, são beneficiadas no projeto. Com duração de um ano, o principal requisito é estar matriculado e frequentando regularmente a escola pública. As aulas acontecem às terças e quintas, no Ginásio Municipal de Lauro de Freitas, pela manhã e tarde, no contra turno escolar e todos equipamentos para a aula de skate são fornecidos pelo projeto.

Com a proximidade das Olimpíadas e as recentes conquistas brasileiras no esporte, Romário acredita que seja um bom momento para o skate e já percebe em seus alunos muita garra e potencial, e espera que, assim como ele, essas crianças também consigam viver através do esporte. “O esporte entra na minha vida de uma forma libertadora, na transição onde entendo meu lugar no mundo como cidadão. Hoje eu sobrevivo do esporte, sou treinador de skate pela organização De Peito Aberto e tenho uma escola de surf. Além disso, comecei esse ano mais um desafio: entrei na faculdade onde estou cursando bacharelado em Educação Física”, conta feliz. “Tento sempre ensinar para meus alunos que não é o lugar onde você mora que vai definir quem você é, são as suas escolhas”, conclui.

O projeto Esportes Olímpicos para Todos é realizado pela organização De Peito Aberto através do Patrício do Mercado Livre e Lei do Incentivo ao Esporte, Ministério do Esporte, Governo Federal e apoio da prefeitura municipal de Lauro de Freitas.

aulas de skate em lauro de freitas

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