Fé e tradição nas Trezenas de Santo Antônio

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Quem mora no Nordeste brasileiro já sabe: o mês de junho é sinônimo de fartura, alegria, fé e tradição. E esses sentimentos são passados de geração para geração, seja através do gosto pela dança, quer seja pelos sabores das comidas, com o preparo de pratos deliciosos, seja pulando fogueira em homenagem a São João ou rezando as trezenas de Santo Antônio.
 
É assim que o empresário Roberto Mascarenhas, 72 anos, morador de Vilas do Atlântico há quase 40 anos, celebra o mês de junho. Quando menino, acompanhava a reza a Santo Antônio na casa da avó materna, em Conceição de Feira (126 km de Salvador). “Minha avó materna sempre foi devota de Santo Antônio e mantinha a tradição de rezar a trezena. Me encantei pela tradição neste contexto familiar, quando ainda era adolescente, e depois de adulto passei a fazer anualmente aqui em minha casa, com a minha família”, conta.
FOTO: Devoto de Santo Antonio, Roberto Mascarenhas espera viver ainda muitos anos para continuar realizando as trezenas
 
Das trezenas na juventude, no interior, Roberto lembra que cada noite ficava sob responsabilidade de uma família, que arrumava o altar da capela com flores de papel crepom. No encerramento da reza, sempre tinha uma confraternização, com muita comida típica. “Aqui fazemos um pouco diferente. O primeiro dia é aqui em casa, e segue pelos próximos 11 dias pela casa de amigos aqui de Vilas do Atlântico, grande parte deles integrantes do Rotary Clube Lauro de Freitas, assim como eu. Cada família se oferece, escolhe qual será o seu dia e minha esposa Magda, completa a organização. Então uma imagem de Santo Antônio é levada em um andor de madeira, de casa em casa, e retorna aqui para a nossa residência no dia 13, quando fazemos um grande evento, que inclusive já faz parte do calendário de atividades do Rotary Club Lauro de Freitas. Depois da reza tem várias comidas típicas, licor e há alguns anos contratamos som. Famílias convidadas trazem mais pratos, uma canjica, outro pãozinho, e servimos em uma mesa bem bonita. Santo Antônio gosta disto. Confesso que passo o ano na expectativa por esse dia”.
 
A esposa, Magda, é sua grande parceira na realização das trezenas
 
O sentimento de Roberto por Santo Antônio é tão forte, que por muito tempo as pessoas chegaram a pensar que seu nome fosse Antônio e o aniversário no dia 13 de junho, mas não é! “Até gostaria que meu nome fosse Antônio, mas fica só no coração”.
 
Fica no coração e também na coleção de imagens. Roberto possui mais de 300 imagens do santo, entre esculturas dos mais variados tamanhos, quadros e azulejos. “Comecei com uma, duas, três… organizava em cima de uma mesa, e percebi que o espaço estava ficando pequeno. Encontrei uma cristaleira, que uso como meu oratório. De repente, os amigos que viajavam, ou queriam me dar um presente, chegavam com uma imagem ou qualquer coisa que você possa imaginar, ligado a Santo Antônio. Hoje já são mais de 300 imagens, e já preciso ampliar meu oratório. Uma vez por ano, retiro peça por peça, limpo com pincel e organizo novamente”.
 
São imagens dos mais diversos tamanhos e materiais, de tecido à porcelana, barro e madeira. E apesar de algumas terem vindo de longe, a exemplo de uma que veio de Portugal, Roberto tem muito carinho e atenção com uma em especial, de pequeno porte, que se esconde entre as demais, mas carrega toda a emoção e apego sentimental. Trata-se uma imagem centenária, que herdou de sua avó.
 
Roberto com a família. À sua direita, a filha Juliana, quem provavelmente dará seguimento à tradição da família
 
“Nasci com esse dom. Tem pessoas que nascem com o dom para a música, eu nasci com o dom de ser católico. Pertenço a irmandade Santo Antônio Além do Carmo, só não consigo frequentar pela distância. E sinto que minha fé em Santo Antônio cresce a cada dia. Todas as conquistas da família, até hoje agradeço a Santo Antônio. No meu filho mais velho coloquei o nome Antônio, mas ele tinha problemas de diabete crônica e já faleceu. Agradeço a Santo Antônio pelo meu casamento. A minha sogra era muito devota e minha esposa Magda hoje está ao meu lado e faz a trezena comigo. Só tenho a agradecer. São mais de três décadas de união, trabalhamos juntos e sei que não é fácil, mas mesmo assim o nosso casamento segue feliz, com nossos filhos e agora os netos. Santo Antônio sempre trouxe paz e união para nossa família”.
 
Sobre a tradição da trezena, Roberto acredita que terá continuidade em sua família através de uma das filhas, Juliana. “Meus filhos participam aqui comigo, Juliana faz inclusive um dia na casa dela, e acho que é quem no futuro deve cuidar de tudo isso. Mas espero viver muitos e muitos anos ainda para aproveitar mais as minhas trezenas”, conclui.
 
REZA CENTENÁRIA
Rezar o Santo Antônio também faz parte da cultura e movimenta a comunidade do bairro de Portão há mais de 100 anos. Quem conta parte dessa história é Zozina dos Reis Cruz, 75 anos, nascida e criada no bairro, que viu a tradição quase se perder, mas hoje se alegra com a chegada de mais uma festa ao santo.
FOTO: Dona Zó, devota de Santo Antônio.
 
“Na minha época de moçinha tinha um senhor, de nome Francisco, que tomava conta da Igreja, e tinha um grupo de pessoas que rezava a trezena. Quando esse senhor faleceu, quem assumiu a Igreja foi uma senhora, de nome Augusta, que foi professora de muitas crianças em Portão, inclusive de mim. Naquela época se cantava o hino nacional nas escolas e ela me disse que eu cantava bem, e assim me chamou e outras meninas para cantar na Igreja”, lembra.
 
Na casa de Dona Zó, como é conhecida, não existia a tradição de se rezar a trezena. As avós ela não conheceu, e sua mãe, cuidava da roça, e somente conseguia ir à missa, quando tinha.
 
“Quando já estava com meus 15 para 16 anos, já tirava a reza de Santo Antônio. Era assim: ficava na frente dona Augusta e mais quatro pessoas, eu era uma delas. Então nós cantávamos, e só depois era que as pessoas respondiam”, conta. Cabe destacar que naquela época, mais de 50 anos atrás, não existiam recursos para distribuição dos livretos, até porque eles eram, em sua maioria, manuscritos.
 
A igreja era bem diferente da que existe hoje. Na verdade era uma capela pequena, branca com detalhes azuis, e três altares: um à esquerda, dedicado à São Bernardo, outro à direita, dedicado à Nossa Senhora da Conceição, e ao centro, o altar-mor, em colunas, para Santo Antônio. Na frente, não era murado, tinha um pé de amêndoas, o cruzeiro e a escadaria.
 
Professora Augusta precisou ir embora para o Rio de Janeiro, dona Zó não soube precisar exatamente quando. Nesta época, quem atendia a comunidade era padre João. As trezenas deram lugar ao tríduo, apenas três dias de reza. A missa de Santo Antônio não era mais no dia 13, a não ser que a data coincidisse com o dia de missa. Até porque, missa mesmo era só de ano em ano, em junho, para Santo Antônio, em agosto, para São Bernardo e em alguns anos, em dezembro, para Nossa Senhora Conceição.
 
Mas a comunidade queria as trezenas, e um grupo de rapazes, cerca de seis ou oito, assumiu a responsabilidade pela Igreja, compraram um casarão que tinha ao lado e fundaram a Sociedade dos festejos de Santo Antônio. “Me lembro bem de Carlinhos, Toinho, Almiro, Aldemar, Germano, Arlindo, o meu esposo, e outros mais, que já faleceram”, conta.
 
É feito então o resgate da trezena, com 13 dias de muita festa. “Cada dia era de uma pessoa, que ficava responsável por decorar a igreja. Então tinha de tudo: flores de papel, flor de quintal, sorriso de maria, bananeira do mato. Depois da reza tinha sempre a quermesse, quando era realizado um leilão, assim, uma galinha assada, um bolo, uma travessa de lelê. Quem mercava era Otoniel, já tem uns anos que ele faleceu. Aí ele falava: ‘Na praça está, na praça se arrematará. Um brinde oferecido ao Groroso Santo Antônio’”, conta aos risos.
 

“Eu pedia sempre para o meu dia, ser dia 12. Era a noite dos namorados, tinha baile. Vinham as mocinhas, os rapazes, era um sucesso (rsrsrs). E no dia 13, depois da reza tinha a procissão. Um andor muito bonito, mas também muito pesado. Era de madeira, e na decoração colocava bateria de carro, ligava umas lâmpadas e o andor ficava todo iluminado. Então a procissão só poderia acontecer de noite, para as luzes aparecerem”.
FOTO: Imagem centenária: única que restou da primeira Capela de Santo Antônio de Portão
 
Com o passar dos anos e a dificuldade muitas vezes em ter a presença de um padre atuante na comunidade, fez com que as trezenas fossem perdendo força, até que em alguns anos fosse inviável a sua realização.
 
Agora a comunidade de Portão passa por uma nova etapa. Há três anos se tornou Paróquia, sendo responsável por setecomunidades. O primeiro pároco, padre Rogério Marcos da Silva, 43 anos, fez questão de se aproximar da comunidade e uma das suas metas foi o resgate das trezenas. Para este ano, a festa conta com as presenças de convidados especiais a cada noite, como o Coral Keiller Rego e os padres Diego Jesus Santos e Lázaro Muniz, além do esperado baile dos namorados, que acontecerá no sábado, dia 8. 
 
NEM DE PÁDUA NEM DE LISBOA. SANTO ANTÔNIO É DE PORTÃO
Conquistar o título de Paróquia, garantiu à comunidade de Portão o elemento que faltava para o resgate de tradições, não apenas celebradas pelos católicos, mas abraçadas por todos. Grande parte desse resgate, como as paroquianas fazem questão de destacar, é resultado do trabalho de padre Rogério. “Quando chego em uma paróquia não tenho pretensão de trazer devoções. Gosto de saber o que a comunidade já teve, o que ela tem, e o que gostaria de ter. As trezenas, por exemplo, não estavam mais acontecendo com as rezas, mas sim com missas. Então o primeiro passo era conseguir que a comunidade me emprestasse os livretos, os caderninhos escritos à mão. Muitos desses cadernos com português arcaico, ou com uma escrita muito própria, fruto de como as pessoas entendiam aquilo que escutavam”, conta o padre, de olho em dona Zó, dona de alguns destes cadernos.
 
Mas não foi fácil conquistar a confiança da comunidade. “Convidei paroquianas da paróquia de Santo Amaro, no Recôncavo, que trouxeram seus livretos, e fizemos a primeira trezena. Ao final, escutava uma pessoa aqui, outra ali, reclamando que havia faltado alguma reza. Bom, expliquei que precisava então dos caderninhos que elas tinham guardado para eu saber como elas queriam a trezena. Foi uma conquista de dois anos”. conta aos risos.
 
A fase da desconfiança já passou, e agora o clima é de grande felicidade com as ações que já foram coladas em prática. “A paróquia é hoje formada por sete comunidades, o que representa uma área de aproximadamente 50 mil habitantes. Somos uma paróquia bem missionária, estamos vinculados a um organismo internacional, que é a Cáritas, com vários projetos em andamento e profissionais nos ajudando, como psicólogos, terapeutas e advogados. A comunidade se une e conseguimos resolver situações pontuais. Falamos na missa o que está acontecendo e cada um dá o que pode e a situação é resolvida”, destaca o padre.
 
“Portão é um bairro que tem uma particularidade bem interiorana: as famílias se conhecem, existem pessoas centenárias vivas, nascidas no bairro, como dona Alzira e seu Martins. Há uma sintonia muito amistosa entre as pessoas, independente de suas religiões, e uma luta constante pela melhoria do bairro. É bom ser de Portão. E brinco que aqui Santo Antônio não é de Lisboa e nem de Pádua. Aqui Santo Antônio é de Portão”, conclui sorrindo.

Padre Rogério, ao lado da imagem que ganhou quando de sua viagem à Lisboa. Nela contém um pedaço da batina de Santo Antônio

 
PARÓQUIA SANTO ANTÔNIO DE PORTÃO
Festa do Padroeiro Santo Antônio, de 1º a 13 de junho de 2019
TEMA: “Somos a Igreja de Cristo em Missão”.
Diariamente: 1º a 12/06, missa às 7h. Trezena às 19h. Quermesse após a trezena
1º DIA: 1º/6, SÁBADO Convidado: Frei José Jorge Rocha, professor de Teologia (UCSAL). Homenageados: Igreja da Piedade, Solteiros da Paróquia, Grupo Preparatório do Casamento Comunitário e Membros da Associação Beneficente dos Festejos de Santo Antônio.
2º DIA: 2/6, DOMINGO Após a missa das 7h, carreata pelas ruas do bairro. Convidado: Coral Keiller Rego. Homenageados: Coral Vozes de Santo Antônio e Músicos da Paróquia
3º DIA: – 3/6, SEGUNDA-FEIRA Convidado: Padre Miguel Dias de Souza. Homenageados: Paróquia Cristo Libertador Rei do Universo (Vila Canária), Consagradas de Nossa Senhora, Apostolado da Oração e Terço dos Homens
4º DIA: 4/6, TERÇA-FEIRA Convidado: Franciscanos (Ordem dos Frades Menores). Homenageados: Convento São Francisco (Ordem dos Frades Menores), Voluntários da Paróquia e Cáritas Paroquial Santo Antônio de Portão
5º DIA: 5/6, QUARTA-FEIRA Convidado: Padre Fernando Pedrosa Leal. Homenageados: Paróquia São José Operário (Pernambués), Pastoral Catequética, Movimento Mães Unidas, Pastoral da Criança e Servas Medianeiras
6º DIA: 6/6, QUINTA-FEIRA Convidado: Padre Lázaro Muniz. Homenageados: Paróquia Santa Cruz (Eng. Velho da Federação) / Irmandade do Rosário dos Pretos e Comissão de Festas da Paróquia
7º DIA: 7/6, SEXTA-FEIRA Convidado: Cônego Edson Menezes da Silva (Reitor). Homenageados: Basílica Santuário Senhor Jesus do Bonfim, Renovação Carismática Católica e Oficina de Oração
8º DIA: 8/6, SÁBADO Convidado: Diácono Sérgio Assis Borges. Homenageados: Casais (Renovação dos votos matrimoniais). Baile Dançante após a trezena
9º DIA: 9/6, DOMINGO Convidado: Frei Urbano Alonso. Homenageados: Convento do Carmo, Ministros Extraordinários da Sagrada Comunhão e Pastoral do Dízimo
10º DIA: 10/6, SEGUNDA-FEIRA Convidado: Padre Jonathan Dias da Silva. Homenageados: Paróquia São Francisco de Assis (Saramandaia) e Grupos de Evangelização
11º DIA: 11/6, TERÇA-FEIRA Convidado: Padre Joelson Alves de Andrade. Homenageados: Paróquia Espírito Santo (Tancredo Neves), Comunidade Sagrado Coração de Jesus e Comunidade Nossa Senhora da Imaculada Conceição (Villa do Bosque)
12º DIA: 12/6, QUARTA-FEIRA Convidado: Padre Rutinaldo dos Santos Gonzaga. Homenageados: Seminário Central São João Maria Vianey, Comunidade Nossa Senhora do Bom Parto, Comunidade São Felipe e São Tiago, Comunidade São José e Comunidade São Francisco (Quingoma)
13º DIA: 13/6, QUINTA-FEIRA Festa Solene. Convidado: Padre Diego Jesus Santos. Homenageados: Paróquia Nossa Senhora do Carmo (Sete de Abril), Grupo de Jovens EMUNAH e Jovens Sarados
 
IGREJA ABERTA DURANTE TODO O DIA
6h – Alvorada; 6h:30, Oração do ofício de Santo Antônio; 10h, Missa com os enfermos, ministrada pelo Padre Thiago Kern; 19h, Procissão (saindo da Igreja do Sagrado Coração de Jesus – Queira Deus) e 20h, Missa Solene.

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