Desde maio acompanhamos as discussões em torno da chamada “PEC das Praias”, uma proposta de Emenda à Constituição que transfere terrenos de marinha, localizados em áreas urbanas da União, para estados e municípios ou até proprietários privados. O tema gera polêmica, contradições e já ultrapassou as fronteiras do poder legislativo, ganhando destaque nacional pelos debates acalorados entre personalidades nas redes sociais.
Para além da legitimidade da proposta, os questionamentos principais versam sobre a especulação imobiliária, quem de fato estaria se beneficiando, impactos ao meio ambiente, livre acesso às praias, rios e lagoas.
Segundo dados da Secretaria de Patrimônio da União, do governo federal, responsável por essas áreas, são ao todo 584,7 mil terrenos de marinha no Brasil. As áreas pertencem atualmente à União, que recebe uma taxa de quem as ocupa, como uma espécie de aluguel. No ano passado, os terrenos de marinha renderam aos cofres públicos cerca de R$ 1,1 bilhão, mas segundo o Ministério da Gestão e Inovação (MGI) poderia ser até cinco vezes maior, se consideradas as construções que não foram oficializadas.
Apenas 0,5% dos terrenos são ocupados diretamente pela administração pública, seja ela federal, estadual ou municipal. 566 mil terrenos são cedidos a pessoas ou empresas. Amazonas é o estado com maior área desses terrenos, 6.793.565 m², seguido pelo Pará, com 5.225.131 m² e a Bahia, com 3.876.455 m².
Salvador possui 18.135 terrenos cedidos a terceiros e outros 58 ocupados pela administração pública. A maior concentração do estado está em Mata de São João, com 3.133 terrenos, e Camaçari, com 1.906, ambos cedidos a terceiros. Em Vera Cruz são 1.619 cedidos a terceiros e em Ilhéus, dos 1.034 terrenos, 11 são ocupados pela administração pública.
Lauro de Freitas, mesmo possuindo apenas seis quilômetros de orla, divididos nas praias de Buraquinho, Ipitanga e Vilas do Atlântico, são 866 terrenos de marinha, todos cedidos a terceiros. As construções à beira-mar, são em sua maioria casas e condomínios, não existindo qualquer tipo de impeditivo para o livre acesso da população às praias do município.
Para o engenheiro Fernando Alcoforado (foto), doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional, por mais que no texto da PEC não haja qualquer menção explícita à privatização das praias brasileiras, essa é uma das consequências resultantes da PEC. “Quando deixa de ser terreno de marinha e passa a ser uma propriedade, como outra qualquer, como propõe a PEC, não há obrigação nenhuma com a servidão de acesso ao mar. Na prática, a PEC das Praias significa fechar o acesso à praia. Mesmo sem a PEC das Praias, há várias praias privatizadas ilegalmente no Brasil como em Angra dos Reis (RJ), já inacessíveis para a população, porque têm residências, resorts e condomínios que bloqueiam o acesso à praia”, explica.
Quanto à questão ambiental, Alcoforado corrobora com o entendimento de organizações ambientalistas, que alertam sobre o comprometimento da biodiversidade do litoral brasileiro. “Se essas áreas, responsáveis pela absorção de carbono, forem vendidas a empreendimentos privados, a tendência é aumentar a degradação ambiental. E isso vai fragilizar ainda mais comunidades tradicionais que dependem do ecossistema marinho para sobreviver, como as populações caiçaras, quilombolas, ribeirinhas e povos indígenas”, finalizou.
SAIBA MAIS
-O que são terrenos de marinha alvos da PEC: São áreas da União ao longo do litoral e das margens de rios e lagos que sofrem a influência de marés. A faixa de 33 metros é contada a partir de uma linha imaginária fixada em 1831.
-48 mil km lineares é a estimativa de terrenos de marinha no Brasil
-15 mil km lineares é a estimativa das áreas demarcadas pela União
-565 mil imóveis em terrenos de marinha estão cadastrados na SPU
-2,9 milhões de imóveis é a estimativa em todo o país a partir de dados do Censo de 2022