O processo de produção da cerâmica artesanal acompanha a história das civilizações. Ao longo dos séculos, diversas culturas empregaram diferentes técnicas de modelagem e materiais para a fabricação de utilitários, objetos decorativos ou figuras de devoção. Mas uma tecnologia é comum para todos: a queima.
“Sem a queima, a argila é apenas argila. É o processo de queima que dá a existência à cerâmica, garantindo durabilidade”, explica a ceramista Mircia Verena, que mantém em seu ateliê, em Lauro de Freitas, três fornos elétricos em intensa atividade, dando vidas às peças de cerâmica feitas por ela própria ou por seu alunos. São de 12 a 16 horas de queima, começando em 37°C, até atingir 980°C, quando a peça chega no ponto de ‘biscoito’. Após esse processo recebe a pigmentação e volta para o forno, atingindo 1.300°C, o que dá brilho, cor e resistência à peça.
Apesar dos avanços da tecnologia e de ter diminuído muito a variação, o resultado final da queima da argila ainda é uma caixinha de surpresas. “Tem fatores que não conseguimos controlar, como a reação da argila com a pigmentação, até as oscilações de energia durante o processo de queima”.
A cerâmica carrega em sua essência uma afetividade. Por sua durabilidade, atravessa gerações. Em todos os momentos, sempre terá alguém cuidando do seu legado de histórias e memórias. Além disso, o processo artesanal e os efeitos resultados da queima são únicos, de modo que não é possível fazer peças idênticas, gerando assim maior valor agregado.
“A cerâmica tem algo especial, proporciona um resgate com memória afetiva, carregada de emoção, como quando recordamos das panelinhas de barro nas brincadeiras de criança. Então sempre me emociono quando falo sobre a minha arte, pois não é sobre o artista e sim sobre as peças, sobre a cerâmica. E muitas das pessoas que chegam para os cursos estão em busca desta emoção”.
Emoção e memórias afetivas
Formada na Escola de Belas Artes da UFBA, um dos grandes medos de Mircia ao concluir a graduação era não conseguir viver de arte. “Para quem vou mandar currículo, eu pensava, rs! Percebi que lecionar era uma opção, mas não queria aquele formato engessado de sala de aula”.
Antes de se conectar com a cerâmica, a artesã fez diferentes experiências com outros materiais, a exemplo do papel machê, papel reciclado, folhas e fibras orgânicas, mosaicos e pintura acrílica. “Foi em uma aula avulsa da especialização que tive a primeira experiência com a cerâmica. De imediato me veio à memória que a cerâmica não era algo novo em minha vida, minha mãe fazia cerâmica no MAM (Museu de Arte Moderna da Bahia) e no Instituto Mauá, e em casa por hobby. Só que até então eu não conseguia associar essa produção a uma profissão”.
Essa percepção aconteceu em 2013, quando a artesã conseguiu fazer uma imersão em sua arte, durante cerca de 18 meses, período em que lançou uma coleção autoral, que ganhou destaque na Casa Cor, maior e mais completa mostra de arquitetura, design de interiores e paisagismo das Américas. Desde então, Mircia expõe suas peças regularmente na mostra.
Hoje, mãe de Benjamin e Luiza, 8 e 6 anos, respectivamente, que cresceram dentro do ateliê, Mircia se dedica a ensinar a arte da cerâmica e também produz peças sob encomenda, em sua maioria para restaurantes da Linha Verde e Salvador. Ela participa de feiras de artesanato, ambiente onde aproveita para entender as tendências e as peças mais buscadas pelos clientes.
“Entre as tendências atuais estão o resgate dos tons naturais da argila, do marfim ao terracota, e as texturas, que permitem desenhos nas peças sem necessidade do uso de pigmentação”.
Os trabalhos de Mircia podem ser encontrados também em dois ambientes de ateliê com showroom em Salvador: na Alameda das Espatódeas, e outro que será inaugurado no final deste mês, em Patamares.
Com a mão na massa
Mas é a busca por aulas de cerâmica que vem movimentando o ateliê de Mircia Verena nos últimos dois anos. Prova disso são os mais de 10 alunos regulares por mês, além das turmas avulsas de workshop. “As peças de cerâmica têm ganhado muito destaque, tanto na decoração como na mesa posta, pela beleza e resistência. E esse encanto aumenta ainda mais quando a pessoa percebe que ela mesma pode produzir as suas peças”, explicou a artesã.
Equipado com oito tornos mecânicos e três fornos elétricos, a estrutura do ateliê, que comporta ainda um mini showroom, está montada em um sítio no Jardim Castelão, ambiente que reforça a conexão com o natural, que é uma das propostas metodológicas das aulas da artesã. “Existe uma tendência do resgate do trabalho manual, do minimalismo e da essência. E quando trago o minimalismo, me refiro ao fato de você não precisar de um computador ou wi-fi, para produzir suas peças. É apenas você e a argila”.
Parte dos alunos que procuram o ateliê, já têm um conhecimento básico em cerâmica, mas não é um pré-requisito. Cada aluno vai conhecer o processo, desde a escolha da argila aos tipos de modelagem, pigmentação e queima. O investimento para o curso inclui todo o material utilizado e cada aluno leva para casa as peças que produz durante as aulas. “Não monto turmas fixas. Cada pessoa tem um ritmo de aprendizado diferente e estabelece a sua jornada dentro do ateliê”.
Em sua maioria, os alunos já chegam com uma demanda em mente, por exemplo, a produção de lembrancinhas para chá de bebê, brindes de empresas e até o enxoval para a casa. “Durante o período de pandemia, que foi quando decidi abrir o ateliê para os primeiros alunos, recebi uma demanda grande de pessoas em busca de uma transição de carreiras. Então, apesar de estarmos em um ateliê de arte, de existir uma estética poética, sempre oriento os alunos a pensar primeiro na funcionalidade das peças e no processo de criação incluir a sua identidade”.
Para as aulas mensais, uma vez por semana em um dos turnos, matutino ou vespertino, o investimento é de R$600,00. Existe também a possibilidade de aulas mensais no formato de imersão, onde o aluno vai para o ateliê uma vez por semana, em período integral, com investimento de R$900,00. Já as turmas de workshops se reúnem em um único dia, por R$350,00 por aluno.