Julho chega e com ele o aniversário da nossa cidade. No dia 31, Lauro de Freitas completa 63 anos de emancipação política. Um marco que para muitos parece recente, mas que carrega em sua história capítulos de luta, resistência e, infelizmente, de tristezas em termos de memória e identidade.
Meu saudoso avô, Jaime Nery, foi uma dessas testemunhas vivas da nossa história. Sapateiro de profissão, homem simples, mas de grande respeito entre os moradores de Santo Amaro de Ipitanga, nome original de nossa cidade. Ele foi nomeado Juiz de Paz por indicação dos oficiais da Base Aérea de Salvador, que na época tinha uma forte influência administrativa sobre o território (na condição de Juiz de Paz, Jaime Nery deu posse aos primeiros vereadores do município). Isso aconteceu porque, antes da emancipação, Santo Amaro de Ipitanga era considerado uma área periférica e de gestão indireta, com grande participação dos militares nas decisões comunitárias e administrativas.
A luta pela emancipação
Na década de 1950, a população de Santo Amaro de Ipitanga era pequena. Estima-se que éramos cerca de 3.500 habitantes. O distrito vivia à margem da gestão da capital, não tínhamos infraestrutura básica, as ruas eram de barro, as casas em sua maioria de taipa, faltava água encanada, energia elétrica, escolas e postos de saúde.
Nesse contexto nasceu o movimento pela emancipação política. Salvador não queria abrir mão do território, mas a pressão popular, liderada por figuras políticas locais, com o apoio de militares e lideranças comunitárias, foi crescendo. O caminho político encontrado para conseguir a separação da capital foi um golpe de inteligência: adotar o nome de Lauro de Freitas.
Lauro Farani Pedreira de Freitas, engenheiro e político baiano, havia falecido tragicamente em um acidente aéreo em 6 de setembro de 1950. Era um nome de grande respeito na política estadual, chegando a ser candidato a governador da Bahia. A homenagem foi estratégica e com a força política que o nome carregava, Salvador não teve como barrar a emancipação.
Mas nem tudo foi festa. Muitos moradores antigos, como meu avô, ficaram ressentidos. O nome tradicional, carregado de história e identidade, Santo Amaro de Ipitanga, foi trocado sem consulta pública, sem ouvir a população local em um processo político de cima para baixo.
Perdas territoriais e o descaso com a memória
Além da mudança de nome, houve perdas territoriais importantes. Um exemplo simbólico: o aeroporto, que chegou a se chamar Aeroporto Santo Amaro de Ipitanga, hoje está integralmente em Salvador, após sucessivos ajustes de limites entre os municípios. De um território que era bem maior, Lauro de Freitas hoje possui apenas pouco mais de 57 km².
E o desleixo com a memória não é coisa do passado apenas. Em 2022, a antiga sede da Câmara Municipal de Lauro de Freitas, um prédio público construído nos anos 1980, foi demolida. O motivo? Segundo a gestão da época, seria construída uma nova e moderna Câmara no mesmo local. E até agora, três anos passados, nada de projeto público, nada de nova construção. A cidade está sem uma sede legislativa adequada. Os vereadores estão abrigados de forma improvisada em um anexo alugado.
A situação é ainda mais controversa quando lembramos que, em 2023, a Prefeitura contratou um empréstimo de R$ 25 milhões. Segundo documentos oficiais, o recurso seria para atender a construção da nova orla de Ipitanga (atualmente em andamento), e também para a construção da nova Câmara de Vereadores e do futuro museu municipal. Infelizmente, até o momento, não se tem notícias concretas de quando essa nova sede legislativa sairá do papel, tampouco o museu. Se é que serão viabilizados.
Desafio de preservar a história
O caso da antiga Câmara é apenas um exemplo de como Lauro de Freitas tem tratado sua história e patrimônio material. Perder prédios públicos históricos sem um debate amplo é mais uma página triste que se soma ao longo processo de apagamento da memória coletiva. Criar, manter e incentivar espaços culturais é hoje uma urgência. Não apenas para expor fotos antigas ou guardar documentos, mas para garantir à nova geração o direito de conhecer suas raízes.
Um museu municipal, bem planejado e com equipe técnica especializada, é essencial. Assim como precisamos de bibliotecas, arquivos públicos acessíveis, centros de memória, editais permanentes de incentivo à cultura e ações concretas de valorização da identidade ipitanguense. Não é apenas sobre passado, é sobre pertencimento. Que neste aniversário de 63 anos possamos cobrar mais respeito com a nossa história. Porque um povo sem memória é um povo sem rumo.
Márcio Wesley é jornalista com MBA em Comunicação e Semiótica, licenciado em História e Artes



