A arte de saber envelhecer

0
311
como envelhecer com saude
FOTO: Depositphotos

O tema “envelhecer com qualidade”, é um assunto comumente abordado em artigos de revistas, matérias de jornais e programas de televisão. Quase sempre, a abordagem traz dicas de especialistas sobre como combater os impactos do envelhecimento na saúde física e nas funções cognitivas. Basta uma rápida pesquisa na internet com as palavras-chave “como envelhecer com qualidade”, para se obter uma lista de hábitos que levariam a um envelhecimento saudável. Diferentes páginas listam, em suma, as mesmas “dicas dos especialistas”: atividade física, boa alimentação, dormir bem, evitar consumo de álcool, tabaco e drogas, socializar e praticar exercícios cognitivos.

Mas comumente um aspecto crucial da velhice não ganha tanto espaço: a mentalidade.

A velhice traz questionamentos filosóficos que são profundos e inescapáveis. Saber lidar com essas questões é tão importante para envelhecer com qualidade, quanto cuidar do corpo e da mente (no sentido cognitivo). Nessa fase da vida, as pessoas são obrigadas a encarar o decaimento inexorável da própria capacidade física. Atividades que antes eram desempenhadas com grande facilidade e prazer, com o passar dos anos são de difícil ou impossível execução. A mente, também, não é mais ‘afiada’ como antes. A memória, com frequência, falha. A velocidade de raciocínio, cai drasticamente.

O prestígio social cai na proporção do avanço da idade. Os idosos não são bem recebidos, ou sequer respeitados, em muitos lugares. São raros os convites para festas e encontros na mesma quantidade que havia no passado. Acumulam-se as profundas reflexões sobre as escolhas feitas ao longo da vida, os arrependimentos profissionais e pessoais, os amores nunca vividos, as oportunidades não aproveitadas.

Nesse caso, o arrependimento tem um peso indescritível, pois a velhice traz a inescapável certeza que não há mais tempo para consertar o que foi quebrado, desfazer os erros, tentar novamente. O que passou, passou. E na frente, o fim da linha da vida.

Os jovens vivem como se a morte fosse algo distante, que não tem lugar no seu cotidiano. A morte só se faz presente em suas vidas, quando um evento drástico e inesperado ceifa precocemente a vida de um amigo da mesma faixa etária. E nesses casos, choca profundamente. A pessoa idosa, por outro lado, tem na morte um companheiro presente, que o acompanha todos os dias. O idoso pensa na própria morte como um evento a cada dia mais próximo. Cada dia, pode ser o último. E se não é o próprio fim que chega, é o dos amigos.

O jovem pouco conhece do quanto é dolorido ir ao enterro de um amigo (exceto, em casos inesperados). O velho, sente a dor da perda de muitos amigos. E cada fim traz uma reflexão, um questionamento: quando chegará a sua vez?

Essas questões, tão inevitáveis quanto envelhecer e morrer, são parte de um envelhecimento saudável. Mais precisamente, saber lidar com essas reflexões filosóficas é a arte de envelhecer bem. Quem não consegue encontrar uma resposta pessoal e satisfatória para cada uma dessas consequências da velhice, pode desenvolver um quadro de depressão profunda, que afetará substancialmente a qualidade de vida.

Mesmo com saúde física (corpo e cérebro), a velhice pode ser de baixa qualidade, se a mente não estiver saudável. A filosofia, afinal, é o nosso manual pessoal de vida, em todas as fases dela. E se é importante na juventude, quando todos os fatores físicos e sociais nos são favoráveis, é ainda mais necessária na velhice.

Sobre o tema, muitos filósofos da Antiguidade escreveram textos de profunda sabedoria.

Sêneca, em uma de suas famosas cartas (Carta 12 – Sobre a Velhice), diz que a velhice é a melhor parte da vida, se a pessoa souber como usar (Sêneca escreveu suas cartas já em idade avançada). Marco Túlio Cícero, em seu texto “Saber Envelhecer”, enaltece as virtudes da velhice, especialmente a sabedoria e a paciência, que atingem seu auge nessa fase, graças às experiências de quem viveu uma vida longa. As grandes realizações da humanidade, diz o filósofo, são devidas à sabedoria, e não à força física dos jovens.

Os textos desses filósofos, assim como outros, trazem uma profundidade de pensamento que este artigo jamais poderia pretender alcançar. A reflexão de homens de grande sabedoria, que puderam viver a velhice de forma plena e presentear a humanidade com seus pensamentos sobre o que é envelhecer com qualidade, pode servir como um excelente material de estudo e ponto de partida para cada um que busca desenvolver uma filosofia de vida própria, um manual pessoal com respostas para as questões que, apesar de universais, são encaradas e respondidas de forma única por cada pessoa.

Para finalizar, vale destacar que existe uma importante diferença entre “juventude” e “jovialidade”. Enquanto a primeira é um reflexo da idade, a segunda é um estado de espírito, uma forma de encarar a vida. Algumas pessoas são jovens, outras são idosas, mas poucos são joviais ao longo de toda a vida.

Como reflexão final, deixamos o leitor com uma pergunta do filósofo chinês Confúcio: “quantos anos você teria, se não soubesse que idade tem?”

DEIXE UM COMENTÁRIO

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui