A lenta agonia do Rio Sapato

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A permanente cobertura de baronesas em trechos do rio Sapato, em Vilas do Atlântico, já se tornou parte da paisagem. Lamentavelmente. Lamestavelmente. Às plantas aquáticas, alimentadas pelo fluxo de esgoto doméstico não tratado, soma-se o mato às margens.
 
É vergonhoso que mês após mês o descalabro prossiga inalterado, sem que as autoridades ambientais e da limpeza pública tomem qualquer providência para ao menos disfarçar a incapacidade do poder público em manter os rios livres de poluição. Culpar os cidadãos é sempre a primeira escolha das autoridades, que não deixam de ter razão porque, como se sabe, “a prefeitura não tem como fiscalizar cada bueiro da cidade”.
 
Uma grande maioria, em toda a cidade, certamente despeja dejetos domésticos não tratados na rede pluvial ou diretamente nos cursos d’água por absoluta falta de escolha. Trata-se da faixa da população que muito afortunada poderá se considerar se tiver um teto sobre a cabeça, por mais precário que seja. A preservação dos rios está longe de ser uma das preocupações de quem ainda não conseguiu “bater uma laje” por baixo do telhado.
 
Mas há também gente muito bem instalada e porca, mal-educada, parcamente formada em valores cívicos, apesar de medianamente escolarizada, que infesta a rede pluvial ou diretamente os cursos d’água enquanto profere opiniões falsamente moralizantes sobre tudo ao seu redor.
 
A sanha “justiceira” que pede o enforcamento do vizinho transgressor nunca se aplica ao próprio quintal, onde qualquer oportunidade para ganhar uma vantagem é tratada com a maior naturalidade do mundo. Como o erro é sempre um problema alheio, os rios continuarão como estão. Até que venha o tamponamento e passem a ser chamados de “canal de esgoto”.
 
A poluição que a prefeitura vem combatendo há um ano por meio do “Projeto de Revitalização do Rio Sapato”, com aplicação da tecnologia natural não-química, teria apresentado os primeiros resultados no fim do ano passado – redução do mau cheiro, presença de alevinos e outros indicativos de regeneração das águas.
 
Oito meses depois, ainda há trechos com resultados a apresentar. O mato às margens do rio não tem explicação razoável, mas é verdade que retirar as baronesas do rio Sapato equivale a enxugar gelo enquanto não cessar o despejo de esgoto.
 
No início do ano, equipes da prefeitura e da Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa), fiscalizaram e notificaram proprietários de imóveis em que foram identificadas conexões irregulares de esgotamento sanitário em Ipitanga.
 
A promessa era fazer o mesmo em Vilas do Atlântico e Buraquinho. Mas mesmo que todas as ligações diretas fossem eliminadas, restaria a rede de drenagem pluvial para fiscalizar.
 
A intenção era identificar ligações inadequadas na rede de água pluvial, incidência de despejo de águas provenientes da totalidade do esgoto doméstico e outros efluentes. As ligações irregulares são identificadas por meio de técnicas específicas, que só precisam ser postas à disposição da fiscalização.
 
Também é verdade que nada disso é suficiente. O esgoto não tratado chega ao Sapato e a outros cursos d’água não só diretamente, mas também através da rede pluvial, a partir de pontos às vezes muito distantes dos rios.
 
A retomada da construção do Sistema de Esgotamento Sanitário poderia minimizar o problema no futuro, mas a adesão dos proprietários de imóveis seria imprescindível. Cabe a cada um construir a conexão do imóvel com a rede pública.
 
Entretanto, os moradores do bairro pedem que a prefeitura continue a enxugar gelo, retire as baronesas a intervalos regulares e mantenha o mato sob controle.
 
Lamentavelmente resta apenas acompanhar a lenta agonia de uma referência de Vilas do Atlântico, que sofre, desde muito, com o abandono a que foi relegado pelo poder público ao longo de gestões. Parece até proposital.
 
Mas não se pode esconder: falta ação e determinação do poder público e seus gestores para interromper essa agonia. Falta vontade.

 

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