Aos 23 anos, a fotógrafa Caroline Curti foi pega de surpresa ao descobrir que tinha um cisto no ovário direito e teria que fazer uma cirurgia de emergência para retirar o órgão e as trompas.
Foram quatro dias à espera da autorização do plano de saúde para fazer uma cirurgia minimamente invasiva. Como a situação pedia pressa e a resposta não veio, Caroline teve que se submeter à operação aberta, com um corte igual ao de uma cesariana. “Foi tudo muito traumático, me senti mutilada.”
Dois anos se passaram e Caroline foi atrás de um projeto antigo: aprender a bordar. Assistiu a um curso e decidiu que contaria sua história com um desenho de um útero sem o ovário direito.
“Quando terminei o bordado, fiquei muito emocionada. Ele ajudou a encerrar um capítulo. Foi um processo de aceitação do meu novo corpo como ele é, independentemente de ter uma cicatriz ou um ovário a menos. Foi como se eu dissesse: ’agora estou pronta para continuar’.”
Para a designer Marina Dini, 29, a atividade a ajuda a se concentrar apenas naquele momento, a relaxar e a tirá-la da frente das telas e do excesso de informações. “É uma atividade que me traz calma e estimula a reflexão, principalmente quando estou ansiosa”, diz.
Histórias como a de Caroline e Marina mostram como bordar e tricotar pode trazer benefícios para a saúde. E estudos e especialistas garantem que esses efeitos são maiores do que se pensava.
O cardiologista americano Herbert Benson, professor de medicina integrativa de Harvard, afirma que atividades como bordar e tricotar induzem a um estado de relaxamento similar ao da meditação. Depois que se passa da curva inicial de aprendizado, elas podem reduzir os batimentos cardíacos, a pressão arterial e os níveis de hormônios ligados ao estresse.
Caroline Curti, 25, fez um bordado no qual retrata a retirada de seu ovário direito
Uma pesquisa da Universidade da Columbia Britânica, no Canadá, com 38 mulheres com anorexia, mostrou que para mais de 70% delas a atividade reduziu a intensidade de medos e pensamentos sobre o distúrbio alimentar.
Outro estudo, publicado no ‘Journal of Neuropsychiatry & Clinical Neurosciences‘, apontou que praticar crochê e tricô reduz as chances de transtornos cognitivos leves e perda de memória. O estudo foi feito com 1.321 pessoas entre 70 e 89 anos.
A atividade também pode ajudar a reduzir a dor, segundo pesquisa com pacientes com dores crônicas do sistema público de saúde inglês.
Elko Perissinotti, ex-vice-diretor do Hospital Dia do Instituto de Psiquiatria da USP, lembra ainda que atividades complementares reduzem o uso de opioides no tratamento de dor crônica. “Na psiquiatria essas atividades fazem toda a diferença, como no tratamento de depressão, ansiedade e esquizofrenia, mas há benefícios também na clínica médica.”
Nenhum dos estudos, porém, desvendou por quais mecanismos esses benefícios surgem. Alguns pesquisadores especulam que as atividades manuais promovem o desenvolvimento de vias neurais do cérebro que ajudam a manter a saúde cognitiva.
Perissinotti vai na mesma linha. Para ele, essas práticas provocam uma espécie de reorganização no cérebro e na bioquímica cerebral.
“Ainda há uma pequena resistência à alta eficácia dessas atividades como aliadas, mas novos estudos vão mudar isso em um futuro breve.”