Geração doméstica de energia já é economicamente viável

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Um dos países em que a energia elétrica é mais cara conta também com uma das fontes de energia mais baratas do mundo – o sol – em quantidade suficiente. Afinal, o sol nasce para todos. Muita gente já se deu conta disso e tratou de instalar painéis solares no telhado.

Quem faz as contas descobre que pode – sem fazer um “gato” – passar 25 anos sem pagar pela energia que consome em casa, já descontado o investimento inicial no equipamento de coleta e geração da energia.

Telhado do restaurante D´Meg, em Lauro de Freitas: painéis solares zeram conta de energia por 25 anos, já descontado o investimento
 

É o caso da empresária Margarida Oliveira, proprietária do restaurante D´Meg, em Lauro de Freitas. Há dois meses ela deixou de pagar a Coelba e passou a pagar um empréstimo contraído junto à Caixa para aquisição de todo o equipamento de energia solar. “O valor da prestação é quase o mesmo que eu pagava de conta de energia”, conta a empresária, apesar da taxa de juros de 9% ao ano. Há linhas de crédito oficiais específicas para a instalação de painéis e geradores de energia solar com taxas de juros ainda mais baixas.

Daqui a quatro anos, quando o empréstimo estiver quitado, o custo da energia para os empreendimentos de Margarida Oliveira será nenhum até o fim da vida útil do equipamento, estimada em 30 anos. Em cima do restaurante ela vem construindo três pisos que serão ocupados por salas comerciais e que também serão abastecidos por energia solar.

“Produzimos mais energia do que consumimos”, conta a empresária, mas o excedente não fica desperdiçado: é enviado para a rede de distribuição da Coelba e registrado por meio de um medidor bidirecional. À noite, quando os painéis solares não produzem energia, é a rede pública que abastece o empreendimento.

No final do período faz-se um encontro de contas: se a rede tiver recebido mais energia durante o dia do que forneceu à noite – ou em dias com menos sol – a empresária fica com crédito junto à distribuidora. De acordo com as novas regras em vigor desde o mês passado, o prazo de validade dos créditos, que era de três anos, agora é de cinco.

O recurso à energia solar não serve apenas para empreendimentos comerciais. Antes pelo contrário. Segundo estimativa da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), até 2024 cerca de 1,2 milhão de residências no Brasil vão contar com energia produzida pelo sistema de geração distribuída, o que inclui painéis solares e microturbinas eólicas – energia produzida a partir do vento.

O diretor da Aneel Tiago Correia já instalou oito placas de geração de energia solar em sua casa, o que vai atender ao consumo total da residência a partir do mês que vem. Para ele, além da vantagem de usar apenas fontes renováveis, um dos benefícios da geração distribuída é a redução de investimentos em redes de distribuição de energia. “Ela traz a geração para próximo do consumo”, afirma.

 

NOVA REGULAMENTAÇÃO

A procura pelo sistema deve aumentar a partir deste mês, já que começaram a valer, em março, as novas regras aprovadas pela Aneel para a geração distribuída no país. Uma das novidades é a possibilidade de geração compartilhada: um grupo de pessoas pode se unir em um consórcio ou em cooperativa, instalar uma micro ou minigeração distribuída e utilizar a energia gerada para reduzir as faturas dos consorciados ou cooperados.

A empresária Margarida Oliveira (blusa branca) e parte da sua equipe: energia limpa e mais barata

Segundo Tiago Correia, essa mudança vai possibilitar que mais pessoas adotem a geração compartilhada. “Quanto maior o sistema, mais barata é a instalação total, porque alguns custos são diluídos. Isso faz com que o retorno do investimento seja muito mais rápido, além de facilitar o acesso ao crédito cooperativado”, acrescenta.

Também foi autorizado pela Aneel que o consumidor gere energia em um local diferente do consumo. A energia pode ser gerada em uma casa de campo e consumida em um apartamento na cidade, desde que as propriedades estejam na área de atendimento de uma mesma distribuidora. A norma permite ainda a instalação de geração distribuída em condomínios. Nesse caso, a energia gerada pode ser repartida entre os condôminos em porcentagens definidas pelos próprios consumidores.

 

CRESCIMENTO DO 800%

Entre 2014 e 2016, as adesões ao modelo de geração distribuída quadruplicaram no país, passando de 424 conexões para 1.930 conexões. Para este ano, o crescimento pode ser de até 800%, segundo a Aneel. “O potencial de crescimento é muito grande, e a taxa de crescimento tem sido exponencial, até porque a base ainda é baixa”, afirma Correia. Atualmente, cerca de 90% das instalações de geração distribuída no país correspondem a painéis solares fotovoltaicos.

Para o presidente executivo da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) Rodrigo Sauaia, as novas regras vão ajudar a fomentar o uso da geração distribuída no país. “A revisão das normas vai possibilitar ampliação expressiva da participação da população brasileira na geração distribuída”, acredita. Para ele, “o Brasil acabou de se posicionar como uma referência internacional, na vanguarda na área de incentivo ao uso da energia de geração distribuída, em especial a geração solar”.

O investimento em um sistema de geração de energia distribuída ainda é alto no Brasil, por causa do custo dos equipamentos, mas o retorno poderá ser sentido pelos consumidores entre cinco e sete anos, segundo o diretor da Aneel. “Se você pensar como um investidor, que tem um dinheiro disponível e gostaria de aplicar, traria um rendimento muito melhor do que qualquer aplicação financeira disponível hoje”, diz Tiago Correia.

Especialistas estimam que uma residência consiga obter o retorno do investimento em cerca de quatro anos, dependendo da radiação do local e do custo da tarifa. O investimento vale a pena, especialmente porque o consumidor evita oscilações na tarifa de energia.

Além disso, o aumento da procura por equipamentos vai fazer com que o custo da instalação tenha uma redução nos próximos anos.

Para a Absolar, o principal gargalo para o avanço do setor de geração distribuída no país é a questão tributária, especialmente nos 12 estados que ainda não eliminaram o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre a energia da microgeração. Na Bahia, para residências, a isenção do ICMS entrou em vigor no mês passado para geração de até 75 Kw por meio de painéis fotovoltaicos.

Na esfera federal o governo já fez a desoneração do PIS-Pasep e da Cofins sobre o sistema. Em relação ao financiamento, a entidade espera que o governo mobilize os bancos públicos para a oferta de crédito com condições especiais para pessoas e empresas interessadas em investir em mini e microgeração distribuída.

O crescimento pode ser de até 800%, segundo Tiago Correia, diretor da Aneel. “O potencial de crescimento é muito grande, e a taxa de crescimento tem sido exponencial, até porque a base ainda é baixa”

 

MAIS TARIFAS

Outro grande incentivo para a geração própria é que, no Brasil, as tarifas aumentam quando a energia escasseia – por meio do sistema de “bandeiras” – mas podem subir também quando há energia em excesso sendo gerada nas hidrelétricas.

É que as distribuidoras compram em leilões, com anos de antecedência, a energia que pretendem comercializar nos respectivos mercados. Isso permite planejar o investimento na geração, inclusive a construção de hidrelétricas.

Com a redução do consumo, devido à alta recorde das tarifas no ano passado e à prolongada recessão econômica, o novo problema do setor elétrico brasileiro para 2016 é a sobrecontratação, a sobra da energia contratada. Pela legislação, a partir de determinado percentual a maior parte do prejuízo poderá ser repassado aos consumidores.

O problema é que o consumo de energia elétrica no país caiu 5,9% em janeiro deste ano, na comparação com o mesmo mês do ano anterior, segundo dados divulgados recentemente pela Empresa de Pesquisa Energética. O resultado foi influenciado pela queda de 9,3% no consumo das indústrias, a mais alta registrada desde 2010.

De acordo com a Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), o prejuízo pode alcançar R$ 3,3 bilhões este ano – e piorar depois.

Especialista do setor ouvido pela Agência Reuters afirma que, se ficar confirmado o recuo do Produto Interno Bruto (PIB) previsto para este ano, a sobra de energia pode durar cinco anos. Já um Relatório da Consultoria Roland Berger divulgado no mês passado prevê que a sobra de energia vai durar pelo menos 10 anos.

Também em março, a Aneel apresentou uma proposta para permitir que distribuidoras e geradoras de energiar enegociem os contratos de fornecimento da energia que não está sendo usada por causa da redução da demanda.

A ideia é que geradores e distribuidores tenham autonomia para fazer acordos bilaterais, negociando desde a suspensão temporária do suprimento à redução da energia contratada e até a rescisão contratual.

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