Não comer carne na Sexta-Feira Santa é uma tradição muito conhecida dos católicos, mas
o que poucos sabem é que há leis que regulam o jejum e a abstinência que vão muito
além. Elas estão no Código de Direito Canônico e nos 5 Mandamentos da Igreja, que
diferem dos 10 Mandamentos, bem difundidos. A abstinência e o jejum, que na verdade são
sinônimos, são formas de penitência interior, quando o cristão trata de fazer uma reorientação
radical em sua vida, conforme define a Igreja Católica. E são válidos para todas as sextas-feiras
do ano e no período da Quaresma (exceto aos domingos), que inicia no dia seguinte ao Carnaval.

O Quarto Mandamento da Lei da Igreja diz: “Jejuar e abster-se de carne, conforme manda a
Santa Mãe Igreja”, cujas orientações estão no Código de Direito Canônico. Segundo ele, o jejum
consiste na privação de alimentos. A orientação tradicional é que se faça apenas uma refeição
completa durante o dia e, caso haja necessidade, é permitido fazer outras duas, mas em menor
quantidade. Estão obrigados ao jejum os que tiverem completado 18 anos até os 59 completos.
Os outros podem fazer, mas sem obrigação. Grávidas e doentes estão dispensados, assim como
quem desenvolve trabalho braçal.
Já a abstinência é trocar as refeições por algo mais simples e, nas sextas-feiras da Quaresma
não é permitido comer carne de animais de sangue quente, assim como na Quarta-Feira de
Cinzas. Ela inicia aos 14 anos e vale para a vida toda. Grávidas, doentes e “pobres que recebem carne por esmola”, estão liberados.
Padre Abel, pároco da paróquia São João Evangelista, de Vilas do Atlântico, explica que somente o jejum e a abstinência de carne de animais de sangue quente na Quarta-Feira de Cinzas e na Sexta-Feira da Paixão são obrigatórios. Nos demais dias do ano, há apenas a recomendação. “O jejum é o dia inteiro. Recomenda-se uma refeição principal no café da manhã e um lanche à noite. Quem estiver trabalhando pode almoçar, mas aí deixa de fazer o lanche à noite. E nos intervalos destas refeição, somente água pode ser ingerida. Isto é obrigatório e o restante das regras são opcionais”, diz.
A abstinência durante a Quaresma, acrescenta, é um sacrifício que um cristão pode escolher
qual deseja como forma de penitência. “Pode ser deixar trocar a refeição por uma mais simples,
deixar beber, de controlar suas paixões, controlar sua raiva. É abster-se de algo”, diz.
Em resumo, o jejum e a abstinência são obrigatórios na Quarta-feira de Cinzas e Sexta-feira
Santa da Paixão. Nos demais dias da Quaresma, exceto aos domingos, são apenas recomendados
e parciais. Durante o ano, nas sextas-feiras, exceto se tiver alguma festa programada, a abstinência
é obrigatória e o jejum é opcional.
A abstinência consiste em deixar de comer carne de animais de sangue quente nos dias que
sua prática for obrigatória. Nos demais, o fiel pode abster-se de outro alimento e até mesmo de
algum tipo de comportamento que costuma a ter. Já o jejum é limitar a quantidade das refeições
nos dias para os quais ele é obrigatório ou parcial.
6 curiosidades sobre a Páscoa
Cada cultura tem sua forma de comemorar a ressurreição de Jesus
Na tradição cristã, Jesus foi crucificado e sepultado numa sexta-feira, mas ressuscitou na madrugada do domingo. O sábado entre os dias é conhecido como Sábado de Aleluia, no qual se comemora a permanência de Jesus Cristo no túmulo. O domingo anterior ao dia da Páscoa é o Domingo de Ramos, quando se celebra a entrada de Jesus em Jerusalém.
O Domingo de Ramos marca o início da Semana Santa. A data recebeu este nome em referência ao trecho bíblico que narra a visita de Jesus Cristo a Jerusalém. A população cortou ramos de árvores, ramagens e folhas de palmeiras para recebê-lo. Ele entrou no lugar no dia seguinte, montado em um jumento, e foi recebido com o abanar de folhagens e os clamores de “Rei dos Judeus”.
O easter egg hunt é uma grande tradição da Páscoa nos Estados Unidos. É uma brincadeira em que os adultos espalham ovos coloridos pelo jardim para as crianças tentarem encontrar. Ganha quem encontrar mais ovos. Na Casa Branca acontece o mais tradicional deles e esse ano ela chegou na 140ª edição. O presidente americano sempre participa da atividade para manter a tradição.
No Sábado de Aleluia acontece a Malhação de Judas, comum em países da América do Sul. Cada país realiza a tradição de um modo, sendo que alguns queimam os bonecos em frente a cemitérios ou perto de igrejas. No Brasil é comum enfeitar o boneco com máscaras ou placas com o nome de políticos, técnicos de futebol ou mesmo personalidades não tão bem aceitas pelo povo.

A Páscoa judaica, ou Pessach, é comemorada no 14º dia de Nissan (mês do calendário lunar, que é o seguido pelos judeus). Diferentemente da Páscoa cristã, a festa relembra a libertação dos hebreus de um longo período de escravidão no Egito. Uma série de rituais marcam a festa, celebrada durante 8 dias. Entre eles figura o Seder, um banquete no qual é recontada toda a história da fuga do Egito. Esta refeição inclui uma série de alimentos com função simbólica.

Um costume cultivado em algumas partes da Alemanha é a fogueira da Páscoa, o Osterfeuer. O fogo tanto é o símbolo do sol, como da chama da fé, estando ainda ligado à purificação. Antigamente, a “limpeza de Páscoa” na Alemanha começava no pátio da igreja, onde os fiéis juntavam restos de madeira, galhos e as ramagens secas que sobravam do Domingo de Ramos. Isso para a grande fogueira, a ser acesa na noite de sábado para domingo.
Páscoa tem perdido seu real significado
Viagens e compra de chocolates ocupam o espaço da religiosidade
Feriadão, descanso, viagens e chocolates. Para muitos, esses são os assuntos mais importantes da Páscoa, que marca a morte e ressurreição de Jesus. Desde o advento do cristianismo e do aproveitamento das comemorações para fins comerciais, a data perdeu seu interesse para muitos católicos.
O padre Abel, da paróquia São João Evangelista, de Vilas do Atlântico, argumenta que o real significado da data é que Jesus morreu na cruz e ressuscitou. “Isto traz a perspectiva da vida eterna. Na cruz, Jesus assumiu os pecados do mundo. Este é o verdadeiro sentido. O que acontece hoje é que temos o aspecto comercial, com os chocolates, predominando”, lamenta.
Com o passar dos anos, imagina, as pessoas foram criando um distanciamento. “Há, por parte de muitas pessoas, uma certa indiferença. Isto se reflete na pouca preocupação com alguns princípios e valores, como os da dignidade, da fraternidade. Jesus nos ensinou o respeito à vida e hoje vemos muitas coisas que poderiam ser diferentes. Falta uma maior preocupação com o próximo”, afirma.
O líder religioso não desanima e destaca que a Igreja pode reverter o quadro dando uma maior atenção para a catequese, ou seja, passar os ensinamentos de Jesus, sobretudo para os mais jovens.
O diretor das Pontifícias Obras Missionárias, um órgão do Vaticano sediado em Brasília, padre Maurício Jardim, não vê um quadro tão negativo, embora reconheça que o real sentido da Páscoa vem se perdendo. “No ano passado, foi decidido, durante a Assembleia dos Bispos do Brasil, mudar a iniciação”, revela.
O batismo, primeira eucaristia e crisma se mantém, mas outras atividades foram incluídas, como também houve uma mudança na forma de atrair os católicos não praticantes, com foco nas crianças. Como exemplo ele cita a introdução de algumas atividades nas missas de domingo, sempre envolvendo a família e procurando fazer com que ela se sinta integrada em uma comunidade.
Nas missas, por exemplo, estão sendo criados momentos para que as crianças recebam, em dias distintos, uma Bíblia, um escapulário, um terço e também o Pai Nosso por escrito. “É uma entrega oficial em um momento especial e isso faz parte deste novo processo de educação”, salienta.
No Brasil hoje, revela, 64% dos habitantes, conforme pesquisa, se dizem católicos, mas somente 7% afirmam ser praticantes. “Nós vivemos uma crise política, ética e social. Entendemos que são sinais de uma mudança de época. Essas mudanças sempre acontecem em função de uma crise. E estamos preparados para que essa mudança nos leve para uma sociedade melhor, mais ética, fraterna, solidária”, afirma.
Maurício afirma que um grupo de católicos das 11 mil paróquias espalhadas pelo Brasil entra de fato na quaresma, compreendendo o seu significado e praticando as recomendações. Já outra, a parcela maior, não. “De fato cresce a secularização, ou seja, as pessoas deixam o aspecto religioso de lado e passam a ver a Páscoa muito mais como uma data para aproveitar um feriadão e o aspecto comercial também contribui para isso. Esse fatores fazem com que os católicos não praticantes enfraqueçam o sentido da Páscoa”, afirma.
O distanciamento dos ensinamentos deixados por Jesus, argumentam tanto Maurício quanto padre Abel, contribuem para as desigualdades sociais e a violência. Esta última, não por acaso, é o tema da Campanha da Fraternidade deste ano, que sempre acontece no período da quaresma.
Pesquisa aponta a causa da morte de Jesus
Médico legisla americano fez investigação para apontar a causa
Jesus morreu antes de ser suspenso na cruz? Morreu no momento em que lhe cravaram uma lança no coração? Morreu de infarto? No livro “A crucificação de Jesus – as conclusões surpreendentes sobre a morte de Cristo na visão de um investigador criminal” (Editora Ideia e Ação, 455 págs), lançado no Brasil e escrito quando o autor, médico legista americano Frederick Zugibe, tinha 76 anos, aponta a causa: parada cardiorrespiratória decorrente de hemorragia, isso combinado com choque traumático decorrente dos castigos físicos a ele infligidos.

Um dos médicos legistas mais respeitados do mundo, Zugibe estudou o tema durante quase meio século e escreveu três livros e mais de dois mil artigos. Para chegar a conclusão da causa da morte, ele utilizou uma cruz de madeira nas medidas que encontrou nos seus estudos: 2,34 metros por 2 metros). Ele selecionou voluntários para serem suspensos e monitorou eletronicamente cada um deles. “Foi como se eu estivesse conduzindo uma autópsia ao longo dos séculos”, escreve Zugibe na introdução do livro. Trata-se de uma viagem pela qual ninguém passa incólume – sendo religioso, agnóstico ou ateu. O ponto de partida é o Jardim das Oliveiras, quando Jesus se dá conta do sofrimento que se avizinha: condenação, açoitamento e crucificação. Relatos bíblicos revelam que nesse momento “o seu suor se transformou em gotas de sangue que caíram ao chão”.
Conforme relatos bíblicos, Jesus suou sangue. A descrição foi realizada pelo apóstolo Lucas, que era médico. Segundo Zugibe, esse fenômeno é chamado de hematidrose, raro na literatura médica. Ele pode ocorrer em pessoas que estão sob forte estresse mental, medo e pânico. As veias das glândulas responsáveis pelo suor se comprimem até se romperem e o sangue se mistura, sendo expelido pelo corpo.
Os voluntários do teste, entre 25 e 35 anos, foram ligados a instrumentos para testar o estresse e os batimentos cardíacos. Todos observaram que era impossível encostar as costas na cruz. Eles sentiram fortes cãibras, adormecimento das panturrilhas e das coxas e arquearam o corpo numa tentativa de esticar as pernas.
Zugibe analisou três teorias principais sobre a causa da morte: asfixia, ruptura do coração e choque traumático e perda de sangue. A teoria mais propagada é a da morte por asfixia, mas ela jamais foi testada. Essa hipótese sustenta que a posição na cruz é incompatível com a respiração, obrigando a vítima a erguer o corpo para conseguir respirar. O ato se repetiria até a exaustão e ele morreria quando não tivesse mais forças.
Quanto à hipótese de Cristo ter morrido de ruptura do coração ou ataque cardíaco, Zugibe alega ser muito difícil que isso ocorra a um indivíduo jovem e saudável, mesmo após exaustiva tortura. Ele prefere apostar no choque causado pelos traumas e pelas hemorragias.
A isso somaram-se as dores provenientes dos nervos medianos e plantares, o trauma na caixa torácica, hemorragias pulmonares decorrentes do açoitamento, as dores da nevralgia do trigêmeo (semelhantes a um choque elétrico no rosto) e a perda de mais sangue depois que um dos soldados lhe arremessou uma lança no peito, perfurando o átrio direito do coração. Para Zugibe, a causa da morte foi “parada cardíaca e respiratória, em razão de choque traumático e perda de sangue resultante da crucificação.”
quaresmaFIT
Período entre o Carnaval e a Páscoa é usado para fazer dieta e aumentar a intensidade da atividade física, seja por motivos religiosos ou não
Aqui e ali, no Instagram e em blogs, surge um novo incentivo para a dieta. Ele tem uma roupagem tradicional, embora siga todos os preceitos de uma dieta da moda: é a “Quaresma Fit”. A proposta é aproveitar os quarenta dias da Quaresma para segurar a balança e liberá-la devidamente na Páscoa. Hashtags como páscoasemculpa e quaresmafit pululam em redes sociais.

O mais comum é que os adeptos cortem pão, bebida alcoólica, doces e carnes (exceto peixe), em uma vaga referência ao jejum cristão desse período, mas há quem aproveite o período para seguir dietas da moda, que proíbem glúten, por exemplo. “Isso tem sido bastante comum no consultório. Os pacientes chegam dizendo: ‘A minha Quaresma vai ser cortar o pão’”, diz a nutricionista Adriana Kachani, do Hospital das Clínicas da USP.
A bancária Maria Clara Dias, 32, está de dieta desde janeiro, mas sabia que a Páscoa seria a primeira grande provação. “No Carnaval, perdi mais quilos do que ganhei com a cerveja, mas na Páscoa a conta não fecha, é uma festa parada e glutona”, diz ela. Sem esperanças de autocontrole diante dos ovos, apelou para um grupo de ajuda no WhatsApp. Ela e as primas enviam fotos das refeições junto a estímulos. Nenhuma delas pretende jejuar de verdade. “Meu jejum vai ser de jacas [gíria para deslizes na dieta]”, brinca.
Diferentemente de Maria Clara, o analista de sistemas Francisco Cadamuro, é católico. Ele sempre seguiu a Quaresma por motivos religiosos. Há dois anos, entrou em um regime rigoroso e perdeu 33 quilos.
Desde então, as Quaresmas aliam sacrifício religioso a um ganho de saúde. “Corto carne, bebidas gaseificadas e álcool”, diz ele, que intensifica a rotina de exercícios no período.
No domingo de Páscoa, Maria Clara pretende comer “todos os ovos a que tenho direito”. Já Francisco quer se manter firme. “Vou comer, mas sem exageros”, diz.
Intercalar períodos de privação com bonança é sabidamente um gatilho para compulsões alimentares. Mas muito antes das dietas entrarem em voga, o calendário religioso já propiciava essas variações bruscas.
“Comida é cultura. O contexto em que algo é feito é tão importante quanto o que ingerimos”, diz o nutrólogo Celso Cukier. Para ele, restrições religiosas, desde que não sejam radicais, não provocam o mesmo efeito rebote de uma dieta estética.
“Se a intenção não é ficar magro, e sim fazer um sacrifício, a atenção se volta para outra coisa. No caso de uma dieta de emagrecimento, só se pensa em comida e no próprio corpo”, diz Cukier.
Quem segura a vontade para liberar tudo na Páscoa, no entanto, está gestando um efeito sanfona. “A pessoa restringe a comida rapidamente. Isso funciona, ela emagrece, as células de gordura ficam vazias. Quando chega a comida, no entanto, essas células se enchem o máximo que podem”, explica.
Quando uma célula de gordura chega a seu limite, novas células são geradas. Por isso que, uma vez tendo engordado, é cada vez mais difícil permanecer magro: ex-gordos têm mais células de gordura no corpo.
Na tradição católica, a Quaresma é o período de purificação entre os excessos do Carnaval e a Páscoa. “Sou judia, mas acho que aproveitar a Quaresma para fazer dieta e emagrecer é um empobrecimento da religião católica”, opina a nutricionista Adriana Kachani.
“Uns poucos católicos ainda observam essa data, retiram algum prazer mundano”, explica o filósofo Luiz Felipe Pondé. A proposta seria comer pouco e em horários regrados, rezar bastante e meditar sobre os pecados.
Para ele, a “Quaresma Fit” se enquadra em um processo de comoditização dos valores religiosos, que são esvaziados e diluídos em artigos para o consumo. “A ideia original é se purificar reprimindo um desejo, mas isso foi substituído por uma mera suspensão de consumo. Não vou comer doces, isso é Quaresma. Não funciona assim. Ou talvez funcione, mas só para um ‘selfie’ mais magrinho”, diz.