Zika preocupa, mas histeria ainda não é lógica

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Embora relatos médicos assustem, taxas de microcefalia são inferiores à de outras más-formações na gravidez
 
Por mais assustador que seja o rápido avanço do vírus da zika e a sua associação com os casos de microcefalia, as estatísticas disponíveis mostram que, por enquanto, nãohá lógica para o clima
de histeria coletiva hoje no país. 
 
Comparando os casos suspeitos de microcefalia (4.783) de agosto de 2015 até 30 de janeiro com a taxa de natalidade brasileira, há três registros da máformação para mil bebês nascidos vivos.
 
Se levado em conta apenas os casos confirmados de microcefalia (404), a taxa é de 0,27para cada mil. Lembrando que a estimativa é bastante conservadora, já que nem todos os casos de microcefalia têm elo com a zika.
 
Embora os relatos médicos sobre o avanço da microcefalia suscitem preocupação, as taxas ainda são bem inferiores às de outras más-formações mais comuns na gravidez. A taxa de sífilis entre bebês de atéum ano, por exemplo, é de 4,7 casos por mil. Sem tratamento precoce, as crianças podem ter cegueira, surdez e retardo mental.
 
Toxoplasmose e infecções causadas pelo citomegalovírus também são causas conhecidas de más-formações fetais (entre elas a microcefalia) e apresentam taxas de incidência  muito maiores do que as associadas ao zika.
 
A diferença entre essas doenças e a infecção pela zika é o conhecimento acumulado sobre os reais riscos e os meios de prevenção (exames, grávida tem que bancar vacinas, remédios).
 
Em relação à zika, o desconhecimento é ainda quase que total. Como ocorre a atuação do vírus no organismo humano e a infecção do feto? Existem algumas suposições, mas zero de certezas.
 
Qual o período de maior vulnerabilidade para a gestante? O risco está associado aos primeiros quatro meses de gravidez, mas também não há garantia de que depois disso o perigo esteja descartado. 
 
Não existem respostas nem para as questões básicas, como quantas pessoas já foram infectados pelo zika ou quantas gestantes já pegaram o vírus e o feto teve microcefalia.
 
Pesquisas estão feitas no Brasil e no mundo e espera-se que, em breve, haja mais respostas, inclusive, as que relacionem o vírus aos casos de má-formação fetal.
 
No mês passado, ao declarar uma “emergência internacional” o avanço dos casos de microcefalia ligados à zika, a OMS (Organização Mundial da Saúde) fez duas recomendações básicas.
 
A primeira é a necessidade de haver vigilância e registro para microcefalia e outros distúrbios neurológicos de forma padronizada.
 
Os Estados brasileiros têm usado critérios diferentes para os registros, o que deixa totalmente incerto o “mapa” da microcefalia no país. Sem contar que, em anos anteriores, havia subnotificação dessas más-formações, o que torna ainda mais difícil a comparação.
 
A segunda recomendação da OMS é que haja uma pesquisa intensa para reunir os registros de microcefalia e distúrbios neurológicos, como a síndrome de Guillain-Barré, e determinar por meio de estudo de casos se há uma ligação de causa apenas com o vírus da zika ou se existem outros fatores associados.
 
VACINAS
A ausência de vacinas e de testes sorológicos imediatos são fatores que colaboram para o estresse coletivo.
 
As falas de autoridades em saúde também não ajudam. Ao anunciar, dia 5 de fevereiro, a presença do vírus da zika em amostras de saliva e urina, a Fiocruz recomendou, entre outras coisas, que as grávidas evitem circular em locais com aglomeração de pessoas. Traduzindo: que
esquecessem o Carnaval, os shoppings, o ônibus lotado.
 
A orientação vem a se somar a outras, como se entupir de repelentes diariamente e usar roupas compridas e meias em pleno verão.
 
Ok, é melhor pecar pelo excesso do que pela falta. Mas e a contrapartida do poder público? Quase nenhuma. Repelentes, por exemplo, a grávida tem que bancar.
 
Em vez de tantas orientações, muitas delas inviáveis, governos deveriam fornecer informações precisas para que as pessoas tomem suas decisões, como bem lembrou o infectologista Esper Kallas.
 
Uma boa iniciativa seria criar meios para mapear a circulação do vírus da zika em tempo real e informar a população. Os casos de microcefalia espelham uma circulação do vírus de quase um ano atrás, não necessariamente é a atual.
 
Informação, não interdição. É disso queas grávidas precisam.

 

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