Semana Nacional da Pessoa com Deficiência e/ou múltipla é comemorada há muitos anos no período de 21 à 28 de agosto em todo Brasil. A Federação Nacional das Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (FENAPAES) fez uma enquete e elegeu o tema “Pessoa com Deficiência: direitos, necessidades e realizações” para nortear as reflexões em 2017.
A escolha do tema não poderia ser mais adequado, visto que a dignidade humana e os direitos fundamentais da pessoa com deficiência realmente precisam ser intensivamente lembrados, devido a uma sociedade que vive uma inclusão ilusória, com um legado de muitos e muitos anos de exclusão e negação das diferenças.
Historicamente essas pessoas atravessaram longos períodos de banimento e exclusão total, segregação institucional (confundidos como doentes mentais) e uma fase denominada de integração, resultante de um movimento unilateral, quando tentaram, com muito esforço, adaptaremse sem muito apoio a uma sociedade que tentava a todo custo ‘ajustá-los’ a padrões de normalidade elegidos por critérios dicotômicos.
Na sonhada era da inclusão podese perceber que apesar de muitas conquistas e exceções, muitos direitos não são garantidos no que se refere a proteção constitucional. Estatísticas do IBGE confirmam que PcD no Brasil não têm acesso a escola, transporte público, trabalho e demais atividades tão necessárias a todos os cidadãos. Se pensar em qualidade a situação agrava-se, pois esses serviços não atendem de fato as necessidades reais.
Assim, PcD levam suas vidas enfrentando muitas adversidades, as quais decorrem principalmente das barreiras atitudinais construídas pelo temor à diferença. Cabe lembrar, por exemplo, que o nazismo pautou-se na diferença para uma politica de extermínio, sob a defesa de uma raça pura e superior e eliminação das demais.
Faz-se necessário que neste século possa-se ir além das críticas, como a feita ao legado nazista, e um bom começo para a eliminação de barreiras atitudinais seria perceber que o ser humano não pode ser tratado de forma genérica como se não tivesse as suas peculiaridades, tampouco rotulado de normal e anormal.
Nesse cenário, PcD, dentre outras categorias vulneráveis, devem ser vistas como seres únicos, como aliás todos os seres humanos são, ao considerar suas particularidades. A generalização da deficiência gera discriminações e na maioria das vezes nega as potencialidades.
Cabe ressaltar, para ilustrar a falta de efetivação de direitos e a dificuldade de perceber a peculiaridade e potencialidade do outro, a situação vivida por Guilherme Ortins, ao solicitar a cidadania portuguesa, concedida inclusive a sua irmã com quem pretendia viver.
O governo português negou seu direito por duas vezes consecutivas alegando tratar-se de uma pessoa incapaz e inválida. Contudo, trata-se de um jovem com síndrome de Down que leva uma vida produtiva, empregado no McDonald’s, sendo elogiado pelos seus colegas devido ao excelente desempenho das suas funções.
Percebe-se nessa situação enfrentada por esse jovem, que o Direito Internacional do Direito Humano, mediante inúmeros instrumentos internacionais de proteção foram feridos, inclusive a Convenção sobre os Direitos das PcD, principalmente no seu Artigo 32, que trata da cooperação internacional. Esse fato ameaça os tratados internacionais de proteção que refletem sobretudo, uma nova consciência ética contemporânea, na medida em que um consenso internacional acerca de temas centrais dos direitos humanos, na busca de estabelecer o mínimo de parâmetros protetivos ao mundo globalizado, não é considerado.
Sociedades complexas, como as contemporâneas, não podem delimitar fronteiras, pois contêm diferentes etnias, raças, religiões, e por isso geram muita diversidade e peculiaridades. Sendo assim, os problemas do convívio com as diferenças tornam-se tão grandes que não haverá uma solução mágica, única e completa… Todavia, a saída não estará no fechamento de fronteiras e nem muito menos em delimitar toda essa complexidade em um único molde repressivo.
Com as PcD, um outro erro tão grave quanto o da repressão, é o da invisibilidade, ao serem imperceptíveis ao outro que passam e não as veem… O que é inadmissível, até porque a deficiência não pode ser mais vista como algo que reside unicamente no individuo, como se ele portasse em si sozinho um fardo, mas como resultado da interação entre indivíduos e o seu meio ambiente, que poderá tornar-se mais acessível, inclusive com as inovações tecnológicas em constante evolução.
Resta a sociedade aprender com as diferenças e as peculiaridades, para interagir com mais dignidade de forma que cada cidadão possa colaborar um com o outro, numa troca em que todas as partes se beneficiem, sem o risco da exclusão, da invisibilidade e delimitação de fronteiras.
Suely de Melo Calixto Caldas é pedagoga, especialista em Educação Especial – Uneb Mestra em Educação – Ufba. Membro do Rotary Club Lauro de Freitas.