Limites
É justa a reivindicação do Flamengo como área territorial de Lauro de Freitas, recuperando o traçado de 1962, quando da emancipação – assim como seria justa a reincorporação do aeroporto internacional, desde sempre pertencente ao território de Santo Amaro de Ipitanga. A anexação dessas porções pela capital nunca atendeu pressupostos identitários. Muito antes pelo contrário, atendeu o propósito de desintegrar a própria cidadania local.
A revisão de limites de 1969, que tomou 3,6 km da orla de Lauro de Freitas, esteve baseada num artigo solteiro da Constituição baiana de 1967 – promulgada dois meses depois da Constituição Federal do mesmo ano, redigida de véspera e votada pelo Congresso sob a vigência do Ato Institucional número 4, sem a participação de qualquer opositor ao regime militar, em busca de legitimar o golpe de 1964.
O artigo simplesmente mandava incorporar a Salvador “as áreas ocupadas pela Base Aérea e pelo Aeroporto Dois de Julho com as respectivas vias de acesso”. Na época Lauro de Freitas tinha prefeito eleito. Já o de Salvador era Antônio Carlos Magalhães – indicado e que ainda estava no cargo em 1969, quando Flamengo e Ipitanga foram anexados à capital.
A Constituição da Bahia de 1967 determinava ainda que em lei especial se faria a “revisão de limites do município de Lauro de Freitas” – e não se fala mais nisso, acrescentaríamos nós daqui, 50 anos depois. O que está em questão já não é a “segurança nacional” nas vizinhanças de uma base aérea, mas a ampliação da base de arrecadação de impostos e a contagem populacional que garante mais recursos do governo federal, para não falar do plantel de eleitores.
A prefeitura de Lauro de Freitas sempre ameaçou, mas optou por não comprar a briga pelo aeroporto – possivelmente depois de verificar o beco em que se meteria na negociação com ACM Neto. Mas reivindicar o Flamengo parece ser empreendimento de semelhante monta. É complicado imaginar que a capital vá abrir mão de Ipitanga, quanto mais do Flamengo. E há sinais de que pretende manter Itinga e Areia Branca.
Tendo em vista a promessa do deputado Ângelo Coronel, presidente da Assembleia Legislativa, em entrevista à Vilas Magazine, de que eventual projeto de lei sequer será votado sem um acordo entre os municípios, a perspectiva é de fique tudo como está, pelo menos por enquanto. O único beneficiado seria o município de Salvador, eventualmente interessado em manter o território atual. A menos que a prefeitura de Lauro de Freitas tenha alguma outra carta na manga.
Infalibilidade
A adoção das urnas eletrônicas com impressora vem tornar verificáveis os votos que no Brasil são computados sob exclusivo controle dos tribunais. Trata-se de um avanço, mas principalmente para combater a ideia de que o sistema é infalível. Conforme já avisaram especialistas, a confiança adquirida a partir do discurso da infalibilidade é perigosa porque cria um eleitorado apático, incapaz de questionar os métodos de votação impostos pelos governantes.
As urnas eletrônicas têm sido objeto de controvérsia em todo o mundo, havendo países que simplesmente baniram seu uso, como a Alemanha. No Brasil, o próprio TSE promove testes públicos periódicos de segurança. Não se trata, aqui, de colocar o sistema de votação sob suspeição, mas de buscar a máxima garantia da lisura do processo eleitoral. Fundamental, portanto, manter a pulga atrás da orelha.
Uma delas teria levado os tribunais ao “recadastramento biométrico” do eleitorado, coisa destinada a aumentar a segurança na identificação de quem vota. Para isso, o cidadão deverá registrar as suas digitais, além de deixar fotografia em alta resolução. O recadastramento começou na Bahia em 2009. De acordo com o TRE-BA, quase 22% dos eleitores já passaram pelo processo.
Especialistas, claro, têm chamado atenção para os riscos envolvidos no uso e guarda de tamanho banco de dados e para a própria entrega de mais dados pessoais à esfera governamental. Ainda assim, o processo é compulsório e está em pleno andamento. Quem deixar de se recadastrar terá o título de eleitor cancelado, o que leva a todas as consequências derivadas disso, inclusive deixar de participar de programas sociais do governo.
Até meados de julho, 43 dos 417 municípios baianos já haviam concluído a biometria e 52 estavam em revisão obrigatória. A expectativa da Comissão da Biometria do TRE-BA era ter todas as zonas eleitorais do estado capacitadas para a coleta dos dados digitais até o final de agosto. Nas cidades em que o recadastramento ainda não é obrigatório – caso de Lauro de Freitas – ele já pode ser feito de forma espontânea, no cartório eleitoral local.
Delito de opinião
Trata-se de coisa inexistente em países democráticos como o Brasil – por maiores que sejam os pecados da nossa democracia. Aqui e ali talvez ainda falte maturidade para lidar com a divergência, contraponto da hegemonia. Mas lá chegaremos, se Deus quiser.