Após denúncias de maus-tratos aos animais, de mau cheiro e poluição sonora provocada pelos latidos insistentes ao longo do dia, uma força- -tarefa composta por órgãos da Prefeitura de lauro de Freitas, interditou, no início de abril, um abrigo de animais que funcionava em imóvel residencial em Vilas do Atlântico. Funcionando sem alvará, o locador e a fiadora, que estão de posse do imóvel e possuem oficialmente a guarda dos animais, têm prazo de 30 dias, a contar da interdição, para dar destinação aos animais, sob pena de multa e representação criminal.
Fiscais das Secretarias de Desenvolvimento Urbano Sustentável – SEDUR, Saúde (Vigilância Sanitária e Zoonose) – SESA e de Meio Ambiente, Saneamento e Recursos Hídricos – SEMARH do Município de lauro de Freitas, que montaram a força-tarefa, relataram que o imóvel, situado em zona eminentemente residencial, foi alugado para fins de moradia e em pouco tempo se transformou em abrigo irregular de cães e gatos, abrigando cerca de 70 animais.
A força-tarefa, que contou também com suporte da Polícia Militar, acolheu recomendação do Ministério Público e agiu pautando-se em decisão judicial que reafirma o poder de polícia municipal e o dever de agir, de ofício, para coibir a realização da atividade irregular.
Mas segundo Ludmila dos Prazeres Costa, presidente da Rede de Mobilização pela Causa Animal – REMCA, o problema vai além. “A realidade da grande maioria dos abrigos de animais em nosso país e em lauro de Freitas reflete a ausência completa de políticas públicas integradas, as quais deem conta de trabalhar a temática na perspectiva da mudança de cultura, pautada na educação e no incentivo a guarda responsável e adoção de animais, sobretudo os animais adultos, e também de controlar a população de animais errantes e em situação de rua, especialmente tratando-se de cães, gatos e equídeos”, frisou.
Ludmila completa que diante deste cenário, organizações da sociedade civil e protetores individuais, muitas vezes amparados por profissionais da medicina veterinária, acabam por assumir em sua integralidade o papel do governo, seja no âmbito estadual ou municipal.
Tratando especificamente de Lauro de Freitas, a cidade não possui abrigos institucionalizados, nem do poder público e nem da sociedade civil organizada. O que há são locais, normalmente as próprias residências de protetores individuais que, por motivos diversos, resgatam animais em condições vulneráveis, compadecendo-se de sua situação de abandono e de graves maus-tratos sofridos, assumindo em sua integralidade as despesas decorrentes da manutenção e assistência deles.
“Existem também os lares temporários voluntários e os remunerados, que recebem animais resgatados para que sejam tratados e os hospedam até que encontrem lares de amor, por meio da adoção responsável”, completou.
O acolhimento nem sempre é por amor
Ludmila Costa alerta ainda que nos casos de acolhimento de animais em residências, é preciso um olhar atento também para o humano, no sentido de entender suas motivações. Apesar da maioria dos casos estar relacionada ao cuidado com o animal, casos de carência e desequilíbrio emocional e até transtornos psiquiátricos, comumente observáveis entre os acumuladores de animais, não estão descartados. “Outra situação específica, mais comum do que se pode mensurar, está relacionada aos pseudos protetores, caracterizados por pessoas que usam os animais, em detrimento da sua condição, para suscitar a compaixão alheia, fazendo com que pessoas disponibilizem recursos financeiros, os quais não são devidamente utilizados para finalidade a que se propunham, sendo os animais mantidos em situações tão adversas quanto aquelas em que se encontravam quando estavam nas ruas”.
Nos casos em que a intenção é de fato o cuidado, o que se observa é que os protetores individuais nem sempre dispõem da infraestrutura e aparato necessários para manter os animais em condições dignas, como alimentação correta, assistência médico-veterinária, higiene e espaço físico adequados, entre outras coisas. “Em todo o caso, essa situação lamentável está diretamente ligada à inoperância do poder público no que tange principalmente à implementação de políticas de saúde única e educação, que são pilares da política de proteção animal e fazem interface com questões macro sob o aspecto integrado de cidade”.
Animais Comunitários
Apesar de lauro de Freitas possuir legislação específica para tratar o assunto (lei nº 1.618/16, conhecida como lei Remca), ludmila Costa defende que falta mais ação do poder municipal, tanto no sentido de fiscalização, mas principalmente, nas ações efetivas que podem gerar qualidade de vida aos animais. Quanto aos abrigos, Ludmila ressalta ainda que os sistemas de abrigamento convencionais, por si só, na forma como foram concebidos e se apresentam atualmente, são estruturas obsoletas, que podem facilmente se transformar em ‘depósitos de animais’. Tais espaços não são autossustentáveis, dependendo das doações para subsistir, gerando um estado permanente de insegurança em relação até mesmo aos elementos básicos como alimentação e materiais de limpeza. Foto: Esse é Martin. Vivia na Praia de Buraquinho e perambulava pela orla. Atendia por vários nomes: Areia, Bruno e Martin. Foi resgatado pela REMCA para castração e vacinação e depois devolvido ao seu território. Era alimentado pelos comerciantes locais e pelos praticantes de exercícios ao ar livre, até que um dia um deles o adotou.
“Nesse sentido, a REMCA pensa os locais para abrigamento dos animais em situação vulnerável enquanto equipamentos mistos e rotativos, que acolhem o animal, presta a assistência básica inicial, que o mantém em condições adequadas, enquanto um núcleo específico desse equipamento trabalha a sua adoção, após estar apto. Foi nessa perspectiva que a REMCA cunhou o termo e concebeu a estrutura da Central de Acolhimento e Adoção, prevista na lei 1.618/2016”, destacou Graça Paixão, diretora Jurídica da entidade.
Nos casos de não serem adotados, realidade da maioria dos animais adultos, a REMCA defende a adoção do conceito de animais comunitários, que a devolução do animal ao seu ambiente, sendo monitorados pelo poder público e protetores individuais locais, devidamente castrados, alimentados e vacinados. Esse trabalho vem sendo realizado pela própria entidade em parceria com pessoas físicas, condomínios, associações de bairro e comerciantes. Desde 2018 até abril de 2022, 166 animais, entre cães e gatos, foram castrados e retornaram ao território de origem na condição de animais comunitários, sendo monitorados pela REMCA e pela rede de apoio.
“Entendemos que enquanto os abrigos forem necessários é imprescindível que o poder público assuma o seu papel constitucional na garantia dos direitos dos animais não humanos, realizando ações efetivas e integradas, além de dar suporte aos espaços existentes, organizando, regulamentando e fiscalizando efetivamente tais estruturas quanto ao número de animais permitidos em suas dependências, quanto aos elementos da estrutura física, ambientação e salubridade dos espaços, quanto às questões sanitárias e de acústica, insumos para manutenção dos animais, além do acompanhamento por responsável técnico e fomentando a adoção responsável, evitando assim que os animais sejam penalizados de forma intencional ou não e também os desdobramentos dessas condutas inadequadas para a sociedade como um todo”, concluiu ludmila Costa.