Amizade na cozinha!

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Não é de hoje que o alimento tem um papel determinante nas civilizações. Tanto os movimentos migratórios, religiosos e culturais interferem na culinária de um país, como os alimentos exercem um poder direto nos povos e em suas relações. A comida é capaz de unir pessoas diferentes, transformando essas diferenças em sabores, por exemplo.
 
E foi assim com os amigos Rogério Martins, 42 anos, e Antônio Carlos Farias de Andrade, 61 anos, que apesar de berços diferentes descobriram dois prazeres em comum: cozinhar e receber amigos.
 
Os dois se conhecem há cerca de 24 anos, quando Rogério, vindo de sua terra natal, Irecê, para Lauro de Freitas, ainda com 18 anos, começa a trabalhar na mesma empresa que Antônio Carlos. E desde então, estão sempre juntos. “Com Andrade fui para o Maranhão, São Paulo e até hoje continuamos juntos: sou gerente de vendas e ele o gerente comercial de uma distribuidora de bebidas”, destaca Rogério.
 
Ano passado fizeram juntos um curso de culinária, em Lauro de Freitas, com duração de cerca de seis meses, apenas com o propósito de aprimoramento, pois a relação de ambos com a cozinha já vem de anos de estrada.
 
Aos 15 anos, Rogério ainda morava com a mãe, que havia se separado de seu pai. Trabalhando o dia todo e ainda estudando, quando ela chegava em casa ainda tinha que enfrentar a cozinha para preparar comida para os três filhos. Incomodado com a situação de sacrifício da mãe, Rogério sugeriu aos irmãos que juntos preparassem a comida, para que quando a mãe chegasse encontrasse tudo pronto. “Conseguimos fazer arroz e fritar dois ovos, e minha mãe comeu achando a comida mais saborosa do mundo. Isso nos incentivou e emocionou muito. Aos 18, quando cheguei em Lauro de Freitas para trabalhar, morava com um primo. E aí, cozinhar passou a ser uma necessidade”, lembra Rogério.
 
Já Andrade recorda que lá pelos idos de 1986, comprava cordas de caranguejo na rampa do Mercado Modelo, em Salvador, e trazia para casa, em Vilas do Atlântico. Sentava no chão com os filhos pequenos, Rafael e Guilherme, para juntos escovarem os bichos. Os meninos ficavam mais atentos aos caranguejos que insistiam em fugir. Concluída a tarefa da limpeza, caranguejos prontos, Andrade ainda tinha que quebrar e servir aos filhos, pacientemente. E tudo sempre acabava em alegres encontros de família.
 
Prato preparado pelos chefs Rogério e Antonio Carlos: Camarão Internacional
 
Rogério e Andrade possuem estilos bem diferentes no preparo as iguarias: Este, apaixonado por frutos do mar, não é muito fã de replicar pratos, sempre muda alguma coisa da receita, dando o seu toque pessoal e não gosta de preparos muito complexos. Rogério não dispensa a tradicional comida típica nordestina, segue fielmente o que está escrito na receita e adora se desafiar com novos preparos.
 
“Às esposas cabe o papel operacional”, diz Andrade. A sua, Ana Cristina, foi a responsável pelo mise en place (termo francês que significa “pôr em ordem”) na sessão desta reportagem.“Ela gosta de dar ‘suas piruadas, mas tenho que reconhecer que uma vez ela salvou o prato, um filé recheado: eu ia colocar o bacon, picado, dentro do filé e ela sugeriu que colocasse por fora, enrolando o filé. Ficou maravilhoso, graças a ela”, diz.
 
Rogério participou da entrevista um tanto tenso: a esposa, Maria Rosana, prestes a dar a luz ao segundo filho dele, não estava presente. Mas aos poucos foi relaxando e contou que, com o filho Igor, de 12 anos, já mantém uma relação de cumplicidade com a cozinha. “Quando ele diz que quer comer, chamo para prepararmos juntos a comida. Às vezes eles faz uns molhos meio esquisitos, podem estar ruins, do jeito que for, mas sempre digo que está bom, incentivando e orientando no que for possível, para ele não desistir da cozinha”, conta Rogério.
 
Ana Cristina não tem do que se queixar, muito pelo contrário. Ela destaca que além dos filhos despertarem um olhar diferenciado para a cozinha, o fato do marido cozinhar une a família. “Nos finais de semana, com ou sem as namoradas, os ‘meninos’ estão em casa com a gente, pois sabem que o pai vai cozinhar – no mínimo vai para a churrasqueira. Valorizamos muito esses momentos, pois não é comum quando os filhos, já independentes, morando fora, com namoradas ou não, fazem questão de estar com os pais. Sem dúvida, a cozinha nos une”, desabafa Ana Cristina.
 
Rogério e Andrade pensam até em continuar se aprimorando, quem sabe sobre a culinária japonesa, mas sentem a dificuldade de encontrar ofertas de cursos em Lauro de Freitas. “Temos aqui a faculdade de Gastronomia na Unime, mas que não é uma opção, não é o que buscamos. Queremos cozinhar por hobby, para receber os amigos em momentos informais e descontraídos”, conta Andrade.
 
E como todo bom hobby, nem sempre a receita dá certo. “Estamos terminantemente proibidos de fazer massa (rsrsrsrsrs). Certa vez inventamos de fazer uma pizza. Além de termos feito uma sujeira total, com farinha para todos os lados, a massa não deu certo, ficou muito dura. Um desastre total”, lembra Rogério.
 
Apesar de algumas trapalhadas, os amigos percebem muitas vantagens em cozinhar em casa, desde a economia à segurança. “Sai mais barato cozinhar em casa do que jantar fora. Nosso jantar de hoje, por exemplo, não sai por menos de R$ 160,00 num restaurante de médio porte, e você não vai ficar à vontade como aqui. Chama um amigo, ele traz um vinho, jogamos conversa fora ou atualizamos assuntos, é mais seguro, estamos dentro de casa, e saímos, todos, muitos mais satisfeitos”, afirma Andrade.
 
Amigos da dupla, interessados pela gastronomia, já buscam informações onde fazer cursos, revelando cenas de ciúmes quando não são convidados para degustação. “É difícil dar assistência a todos os amigos ao mesmo tempo, e aí quando rola aquela foto nas redes sociais, sempre recebemos mensagens ou ligações, com queixas dos que não estavam presentes”, contam. 
 
No final, percebi que o que era para ser uma entrevista se transformou em um delicioso jantar, com direito a suculentas bruschettas como entrada, seguidas por um bem elaborado camarão internacional como prato principal.
 
A conversa rendeu boa parte da noite, com direito a troca de receitas entre Antônio Carlos, Rogério e Tiago, meu marido, que entra de gaiato nessa história, pois apenas estava me acompanhando.
 
E como uma boa reunião gastronômica não se encerra no último prato, já ficou definido que no próximo encontro será preparada uma galinha caipira. Sugestão de Rogério, aprovada por todos. E tenho certeza que meu editor, Carlos Accioli Ramos, ao ler esse texto, vai se convidar.
 
Nota do Editor: Exatamente. Já me convidei e levo o vinho.
 
Antônio Carlos, a esposa Ana Cristina, Rogério e Tiago
 

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