Audiência pública de CPI do Senado investiga assassinato de jovens em Lauro de Freitas

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Lauro de Freitas recebeu no mês passado, de forma inédita, uma audiência pública de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado Federal. A senadora Lídice da Mata (PSB) veio acompanhada dos senadores Humberto Costa e Lindenberg Farias (PT) para investigar o assassinato de jovens, em especial os negros, numa das cidades do país em que eles mais são assassinados.

Audiência pública de CPI do Senado investiga assassinato de jovens em Lauro de Freitas
Audiência da CPI do Senado no Cine Teatro: dinâmica de confronto

A função, mais simbólica da agenda da CPI do que propriamente investigativa, serviu para dar visibilidade institucional a um tema que a revista Vilas Magazine traz com frequência ao noticiário, mas que as autoridades preferem tratar de forma lateral.

Com a plateia do Cine Teatro de Lauro de Freitas lotada, Lídice da Mata conduziu a audiência dando espaço inclusive a testemunhos pessoais de mães de jovens assassinados em ações policiais. Por sua vez, o Coronel PM Sérgio Baqueiro destacou a perda de vidas na corporação, lamentando a parca solidariedade oferecida à tropa quando morre um policial militar.

Presente à audiência da CPI, o prefeito Márcio Paiva (PP) destacou o acelerado crescimento populacional de Lauro de Freitas como fator essencial dos altos índices de criminalidade local – o que encontra guarida na realidade.

Participaram ainda a delegada Cleuba Regina Teles, do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) da Polícia Civil da Bahia, que discordou do diagnóstico segundo o qual morrem assassinados principalmente os jovens negros. Teles estabeleceu diferença entre pardos e negros para afirmar que os primeiros são maioria entre as vítimas e garantir que o DHPP investiga todos os assassinatos independentemente de raça.

Outras 24 pessoas fizeram depoimentos durante a audiência, incluindo a deputada federal Moema Gramacho (PT) e os estaduais Marcelino Galo (PT) e Fabíola Mansur (PSB), além de representantes de movimentos sociais, de entidades ligadas ao movimento negro e do Ministério Público do Estado da Bahia.

De parte a parte, com exceções, os pronunciamentos e testemunhos confirmaram uma dinâmica de confronto civil e de guerra urbana em andamento, conforme destacado pela Vilas Magazine na edição 202, de novembro.

Um novo relatório sobre os índices de violência no país, desta vez produzido pela própria Secretaria Nacional de Segurança Pública, do Ministério da Justiça, abordou a vitimização de policiais militares e civis e a letalidade da ação policial – as chamadas “intervenções legais” que resultam em mortes. Estas últimas estão no foco central da CPI do Assassinato de Jovens.

Audiência pública de CPI do Senado investiga assassinato de jovens em Lauro de Freitas
Jovem negro caminha no calçadão de Vilas do Atlântico entre guardas municipais de coturno e farda camuflada: padrão de relações

O indicador revela tanto uma situação de vulnerabilidade dos policiais como altas taxas de conflito entre os policiais e a população, com a Bahia registrando 98 policiais mortos num único ano, o maior número de todo o país. No Ceará, que tem a maior taxa de homicídios do país em 2014, nenhum policial havia morrido no ano anterior. No Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe morreram, respectivamente, 8, 11 e 5 policiais – números sempre muito inferiores aos da Bahia.

Intervenções legais

Ao mesmo tempo, “coincidentemente”, anota o relatório, os municípios da Bahia também tiveram o maior número de “intervenções legais” – mortes causadas por policiais, às vezes descritas como “autos de resistência” – “e o Estado apresentou uma porcentagem relativamente alta de população agredida pela polícia”.

A Bahia é o estado nordestino em que mais se registrou “intervenções legais” em 2013. De acordo com o relatório, o município em que proporcionalmente mais ocorreram mortes ocasionadas por policiais foi Lauro de Freitas, com uma taxa de 7,59 – contra taxas de 2,74 em Salvador ou 3,85 em Simões Filho.

A taxa de “intervenções legais” em Lauro de Freitas contrasta com o baixo efetivo policial em relação à população registrado para o município. De acordo com o diagnóstico governamental, a Bahia tem um policial para cada 280 habitantes – a melhor relação da região. Já Lauro de Freitas tem um policial para cada 525 habitantes, a terceira pior relação do estado, logo depois de Camaçari e Vitória da Conquista.

Outro indicador trazido pela Pesquisa Nacional de Vitimização são as “agressões e extorsões que a população sofreu de policiais”, conforme consta do diagnóstico governamental, apontando onde a polícia “é mais violenta com a sociedade”. Os dados fornecidos estão apenas em nível estadual. A Bahia não aparece entre “as piores situações encontradas quando tomamos em conta os estados de outras regiões”.

Lauro de Freitas é destaque nacional também no indicador de mortalidade por homicídios entre jovens de 12 a 29 anos, com o segundo pior índice entre todos os municípios do país com mais de 100 mil habitantes.

O dado, relativo a 2010 e publicado pela Vilas Magazine em 2013, consta do Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência (IVJViolência) apurado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) a pedido da Secretaria Nacional de Segurança Pública.

No estudo divulgado no mês passado, o governo inclui o elevado percentual de jovens na população como uma das “grandes causas de homicídios no Brasil”, já que, de acordo com especialistas citados, “a relação entre idade e crime seria um dos poucos fatores invariantes entre as condições sociais e culturais em todos os grupos sociais e em todos os tempos”.

A existência de um percentual alto de jovens na população, por si só, poderia ser um indicativo dos fatores de risco de homicídios, principalmente aqueles associados a gangues e drogas, tendo em conta ainda que a maior parte dos aliciados para trabalhar com o tráfico de drogas é de jovens, segundo afirma o relatório.

Abordagem policial

Distante das teorias de segurança pública, a quase totalidade dos participantes da audiência da CPI estava preocupada com as abordagens policiais violentas em comunidades pobres – o chamado “baculejo” – ponto de partida das “intervenções legais” que frequentemente resultam em mortes.

O governo da Bahia já demonstrou interesse em tratar de procedimentos, por exemplo acolhendo o primeiro Encontro Interestadual de Especialistas em Técnicas de Abordagem Policial. O evento foi realizado no mês passado, no Centro Panamericano de Judô, em Lauro de Freitas, reunindo cerca de 100 policiais baianos, de Sergipe e de Alagoas.

Durante três dias houve discussões teóricas e estratégicas, além de oficinas e aulas práticas. A ideia era que, ao final do curso, cada especialista se tornasse um agente multiplicador do conhecimento adquirido.

Audiência pública de CPI do Senado investiga assassinato de jovens em Lauro de Freitas
Policiais militares participam de encontro sobre técnicas de abordagem em Lauro de Freitas: “baculejo” a ser banido

Organizado pelo Comando de Policiamento Especializado (CPE), unidade da Secretaria da Segurança Pública do Estado, o evento faz parte da campanha “Blitz é Bom” e discutiu ainda aspectos legais e culturais das técnicas atualmente empregadas. O objetivo é padronizar as ações policiais em todo o estado, considerando exemplos de sucessos de outros estados.

Núcleos de Direitos Humanos

Outra medida recente do governo do estado é a implantação de Núcleos de Direitos Humanos e Justiça Comunitária (NUDH) nas áreas das Bases Comunitárias de Segurança, em parceria com a Universidade Estadual da Bahia (Uneb). Serão sete núcleos implantados inicialmente, um deles em Lauro de Freitas. Quatro em Salvador, nos bairros de Tancredo Neves, Nordeste de Amaralina, Subúrbio Ferroviário e Bairro da Paz e dois no interior do estado, em Feira de Santana e Vitória da Conquista. O valor do investimento anunciado para 2016 nessas ações é de R$ 4,8 milhões.

O projeto, anunciado pelo governador Rui Costa (PT) como uma das ações sociais prioritárias do Pacto pela Vida – programa de segurança pública – tem como objetivo implantar ações de proteção social para crianças, adolescentes, jovens e famílias que se encontram em situação de risco pessoal e social. A iniciativa vai levar serviços como mediação de conflitos, atendimentos jurídicos e encaminhamentos para a rede de proteção social.  

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