Se você é proprietário de uma residência nas avenidas Praia de Itamaracá, Praia de Guarapari ou Praia de Guarujá poderá deixar para os seus descendentes uma casa à beira-mar, bem de frente para a praia.
A orla de Vilas do Atlântico, com aumento de 2 ºC e 4 ºC na temperatura global dentro de 85 anos: em mais 200 anos, na melhor das hipóteses a praia se transfere para o rio Sapato
Já se você mora nas avenidas Praia de Copacabana, Praia de Tambaú ou Praia de Mucuripe, trate de se mudar nos próximos 200 anos porque até lá estará tudo debaixo d´água devido ao aumento do nível do mar – se nada for feito para reduzir as emissões de poluentes no planeta.
O aumento da temperatura média do globo terrestre, causado pelas emissões de carbono, está levando ao degelo nos polos e consequente elevação do nível do mar.
Mesmo que alguma coisa seja feita a partir de agora para que a temperatura média aumente apenas 2ºC – em vez dos 4ºC previstos – até o ano 2100, toda a avenida Praia de Copacabana acabará debaixo d´água, embora a Tambaú se salve. Nesse cenário menos catastrófico, a praia estará onde hoje existe o rio Sapato.
A projeção é da Climate Central, uma organização de pesquisa e jornalismo sem fins lucrativos que oferece informação científica sobre a mudança climática no planeta. O objetivo é alertar o público e os responsáveis pela formulação de políticas climáticas e de produção de energia.
A organização desenvolveu uma ferramenta que permite prever a elevação do nível do mar em todas as áreas costeiras do planeta segundo dois cenários prováveis: aumento da temperatura média em 2ºC ou 4ºC até 2100.
Se você ficou preocupado – porque mora na av. Praia de Copacabana – ou muito animado, porque tem casa na Itamaracá, leve em conta que o horizonte de 200 anos é apenas uma estimativa. Os cientistas avisam que é mais fácil prever a quantidade de gelo que vai derreter nos polos do que a velocidade em que esse gelo derreterá. Muitos outros fatores desconhecidos podem acelerar ou retardar esse prazo em centenas de anos.
Certo mesmo é que o nível do mar está subindo e vai subir muito mais ainda, não importa o que se faça, porque algum grau de poluição ambiental ainda existirá por muito tempo no planeta. O esforço é apenas para reduzir o aumento da temperatura, não para eliminá-lo.
Quem gosta da arquitetura do Centro Panamericano de Judô, em Ipitanga, por exemplo, deve se apressar para fazer uma visita. Em qualquer caso, de acordo com a projeção, ele vai sumir sob as águas. Na melhor das hipóteses, metade da rua Elza Paranhos ficará submersa e será possível mergulhar no Atlântico pulando do muro do aeroporto.
Já Buraquinho simplesmente deixará de existir. Onde hoje existe um bairro inteiro haverá uma bela baía, com a foz do rio Joanes transferida para a ponte da Estrada do Coco – isso no cenário mais otimista. No pior cenário, com aumento de 4ºC em vez de 2ºC, a baía de Buraquinho será a porta de entrada de um grande estuário, transformando Lauro de Freitas numa península.
Parte do litoral de Camaçari irá se transformar numa ilha que vai de Busca Vida à entrada de Arembepe. A vila mesmo, vai para debaixo de água, haja o que houver. Dê adeus também a Guarajuba, a Itacimirim e à Praia do Forte. A BA-099 vai se transformar numa bela estrada à beira-mar.
COP21
A elevação da temperatura em apenas 2ºC é um objetivo internacional de longa data e corresponde ao que muitos especialistas consideram um sucesso no controle das emissões de gases de efeito estufa. O aumento de 2ºC corresponde, nesta análise, a um aumento de 4,7 metros no nível do mar.
Um aquecimento de 4ºC, que acontecerá se nada for feito, corresponde a uma elevação de 8,9 metros no nível do mar. Algo entre 2ºC e 4ºC deverá resultar como compromisso internacional na Conferência do Clima que acontece em Paris, França, até 11 deste mês – a COP21. O atual compromisso dos países na redução das emissões aponta para um aquecimento de 3ºC, ou 6,4 metros no nível dos oceanos.
Buraquinho deixa de existir, dando lugar a uma baía e talvez a um estuário
Para a maioria das ilhas do planeta – e para a orla de Lauro de Freitas e Camaçari – bom mesmo seria limitar o aquecimento global a 1,5ºC. Mesmo assim, o oceano subiria 2,9 m. As projeções levam em conta o aquecimento causado apenas por dióxido de carbono, um poluente ambiental de longo prazo.
Se nada mudar – nem mesmo para pior – o planeta será submetido a uma carga de 2,4 gigatoneladas de carbono por volta de 2100 – ou 3,67 vezes o mesmo peso de gás carbônico. Isso corresponde a 3,3ºC de elevação no aquecimento e 7,1 metros a mais no nível dos oceanos.
Esses números são estimativas centrais numa larga escala de possibilidades, avisam os cientistas. Mas se nada mudar, a quantidade de emissão de poluentes continuará a aumentar em 2100.
O objetivo da COP21 é obter um mínimo de redução nas emissões de carbono em todo o planeta, limitando o aumento da temperatura a 2,3ºC (cinco metros de elevação nos oceanos). As emissões de poluentes atingiriam o auge por volta de 2060 e depois cairiam.
Na improvável hipótese de os governantes dos grandes países poluidores – China e Estados Unidos – assumirem o compromisso de cortar mais a poluição ambiental, poderíamos limitar o aquecimento global a 1,7ºC (2,6 metros). O pico aconteceria em 2040.
O melhor cenário possível – e também o menos provável por afetar criticamente a economia da maioria do planeta – seria um corte radical nas emissões, limitando o aquecimento a 1,1ºC (2,4 metros) – o que poderia salvar a avenida Praia de Copacabana, mas não as residências da orla.
Nesse caso, o auge das emissões seria atingido dentro de cinco anos, declinando daí em diante, até chegar a zero em 2080. Depois disso ainda seria necessário remover carbono da atmosfera em grande escala – o que pode ser extremamente difícil e caro, pelo menos a partir da tecnologia atual.
A projeção para este mês de dezembro de 2015 aponta um aquecimento acumulado de 0,8ºC e 1,6 metros de elevação no nível dos oceanos. E continuamos jogando poluentes na atmosfera a uma taxa que vem aumentando quase todos os anos. Os efeitos da atual elevação dos oceanos já são visíveis em largas áreas costeiras do nordeste brasileiro, com calçadões e mesmo casas destruídas pelo avanço do mar.
O aumento já verificado causou impactos ainda maiores no resto do mundo: quase metade das calotas polares do Ártico derreteram, milhões de hectares de árvores no Oeste americano morreram devido a pragas relacionadas ao calor e os maiores glaciares no Oeste da Antártida – com dezenas de milhões de metros cúbicos de gelo – começaram a se desintegrar. Mesmo que os níveis de carbono parassem de aumentar hoje, a temperatura continuaria a subir em cerca de 0,5ºC.
China
Diminuir em Lauro de Freitas os efeitos da catástrofe já contratada para todo o mundo depende essencialmente do que decidirem os dirigentes dos países que mais poluem o planeta. O mesmo é dizer que a China – país que mais emite carbono – decidirá quem vai morar à beira-mar em Vilas do Atlântico daqui a 85 anos.
Parte da orla de Camaçari vira ilha, o restante vai para baixo d´água No mapa, Jauá e Arembepe
É real a esperança de que a China embarque na redução dos poluentes, mesmo à custa de se prejudicar economicamente, porque a China será também o país mais afetado pela futura elevação dos oceanos. Cerca de 145 milhões de pessoas vivem hoje em áreas que estarão submersas em 2100 se a temperatura subir os 4ºC previstos.
Em Ipitanga, desaparece o Centro Panamericano de Judô: o mar chega à pista do aeroporto
Se o aumento ficar limitado a 2ºC, cerca de 64 milhões de chineses ainda terão que se mudar, mas o desastre fica consideravelmente reduzido. Outras 12 nações têm mais de 10 milhões de pessoas, cada uma, vivendo em locais que estão em risco – principalmente India, Bangladesh, Vietnam, Indonésia e Japan.
Já nos Estados Unidos, 25 milhões a 34 milhões de pessoas poderiam ser afetadas pelo aquecimento de 4ºC, incluindo a maioria dos residentes em mais de 1,5 mil cidades, 25 delas com mais de 100 mil habitantes. Limitar o aquecimento a 2ºC pode reduzir o número de afetados em mais de 10 milhões.
Custo desenvolvimento
Cerca de 45 mil terão participado da conferência de Paris-Le Bourget, a 21ª dedicada ao tema. Há 20 mil pessoas credenciadas. As demais poderão participar de debates, visitar exposições e ver filmes numa área dedicada à sociedade civil que será construída perto do centro de conferências.
O desafio do clima, sempre relegado a um tema próprio de “ecochatos”, é um dos mais complexos que o mundo alguma vez enfrentou, mas as alterações climáticas encontram-se agora no topo da agenda global e dos líderes de países, cidades, setor privado, sociedade civil e religiões.
Durante o processo de preparação da conferência, mais de 150 países submeteram metas nacionais de redução da emissão de carbono para a atmosfera. Juntos, esses países respondem por 90% das emissões globais.
Um acordo em Paris seria um ponto de partida decisivo no modo como todos os países – atuando em conjunto, com base num acordo transparente e legal – traçarão um caminho para limitar o aumento da temperatura global em 2ºC. Sem um acordo global será impossível limitar o aquecimento do planeta.
As chamadas Contribuições Internacionais Nacionalmente Determinadas (INDCs, na sigla em inglês), constituem a proposta de cada país para formar uma base de redução de emissões de poluentes.
O ponto central da conferência de Paris, contudo, não é convencer os governantes a reduzir a emissão de poluentes, mas decidir quem vai pagar o custo da consequente redução da atividade econômica e da substituição de tecnologias sujas.
Parte da orla de Camaçari vira ilha, o restante vai para baixo d´água No mapa, praia de Guarajuba
Para isso, deverá ser estabelecido um pacote de financiamento destinado aos países em desenvolvimento. A expectativa é que os países desenvolvidos expliquem como concretizar o compromisso assumido na Conferência de Copenhague de mobilizar US$ 100 bilhões por ano até 2020 para apoiar os países em desenvolvimento. O investimento para o período pós 2020 também deverá ser debatido.
O debate econômico é, afinal, o único que interessa tanto aos países desenvolvidos e maiores poluidores, quanto aos menos desenvolvidos e que reivindicam, no fundo, o direito de poluir para se desenvolver – ou serem ressarcidos por abrir mão dessa meta.
Aconteça o que acontecer, de acordo com as projeções da Climate Central, a orla como a conhecemos vai deixar de existir.