Um dos maiores dilemas do século 21 é encontrar um equilíbrio ante ao grande choque de gerações dentro dos núcleos familiares. Estamos falando das gerações Baby Boomers (1945 – 1964), Geração X (1965 – 1979), Geração Y (1980 – 1994) e a atual, a Geração Z, com a galerinha nascida a partir de 1995. Se focarmos nesta última, um dos desafios é a harmonia entre a tecnologia e a socialização com outras pessoas.
Mas saiba que ocupar as crianças com ações positivas, que proporcionem formação social, é uma preocupação desde o início dos anos de 1900.
Por volta de 1930, na cidade de Sant‘Ana, Califórnia – EUA, o pastor Theron Johnston, ao se reunir com outros pastores e lideranças locais para tratar de assuntos da comunidade, preocupava-se em ocupar as crianças neste tempo, com atividades que desenvolvessem habilidades, como a física e noções de ordem e civilidade. É assim que surge o primeiro desenho do que em 1950 seria oficializado mundialmente pela Associação Geral da Igreja Adventista do Sétimo Dia como Pathfinder Club, que no Brasil recebe o nome de Desbravadores.
A proposta deu tão certo, que desde então os clubes atuam na formação de novos cidadãos, com presença em mais de 200 países e cerca de três milhões de participantes. Na América do Sul, o primeiro clube foi instalado no Peru, em 1955. Ainda na década de 1950, o pastor Jairo T. Araújo, líder da juventude Adventista da Divisão Sul-Americana, com sede no Uruguai, distribuiu um manual sobre como organizar um clube desbravadores, e isso provocou o desenvolvimento simultâneo em diversos lugares do Brasil, e os primeiros clubes são registrados em Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
Lauro de Freitas também possui uma unidade, o Clube Desbravadores Evidências. Originalmente o clube foi criado em 2012, mas foi fechado no mesmo ano devido ao baixo número de participantes, sendo reaberto apenas em março de 2015, desta vez já com 15 crianças. Ainda pouco conhecido na comunidade de Vilas do Atlântico, onde se reúnem, o clube inicia este segundo semestre com 73 inscritos, 30 líderes e muitas metas para realizar.
CIDADANIA E RESPEITO
“Conviver e se relacionar bem, respeitando o próximo. Hoje percebo que meu filho lida muito bem com as diferenças e o clube tem um papel muito importante nisso, até porque não se trata de um privilégio de quem é adventista; como o clube é aberto, ensina a convivência com o outro. Além disso, ajuda na formação do caráter, por ser uma continuação de nosso lar e de nossa igreja”. Esse é o sentimento de Gildete Ferreão, 54 anos, mãe de Reinaldo Ferrianci, 11 anos, que é compartilhado por outras famílias e pelo grupo de líderes que conduz as atividades do Clube Desbravadores Evidências.
Organizado por líderes da Igreja Adventista do Sétimo Dia, o foco do grupo não se concentra na formação religiosa, mas no desenvolvimento de cidadãos. Podem participar das atividades crianças de 10 a 15 anos, de qualquer religião, matriculados em escolas públicas ou particulares. Os encontros acontecem aos sábados, na Igreja Adventista, e aos domingos na Escola Adventista, ambos em Vilas do Atlântico, a cada 15 dias, com atividades relacionadas aos ideais do grupo, sempre focados em cidadania, disciplina, hierarquia, respeito a Deus e ao próximo, natureza e formação de lideranças.
Os líderes do Clube Desbravadores Evidências são exemplos do papel desempenhando pelo clubes na formação de cidadãos: Gabriel Brito, 25 anos, diretor associado, começou na unidade de São Cristóvão, em Salvador, e já possui 15 anos de clube, e Reinaldo Garcês, 35 anos, atual diretor geral do clube. “Comecei com 10 anos, na unidade de Capelinha, em Salvador, e posso dizer que o clube foi determinante em minhas escolhas de vida. A minha profissão, por exemplo: temos um manual de especialidades e eu via muitas coisas a respeito de computação e hoje sou analista de sistemas”, conta.
As atividades são desenvolvidas em grupos, onde cada criança recebe uma função e tem um papel específico a desempenhar. “Dessa forma todos se sentem parte do que está sendo desenvolvido, além de despertar o senso de responsabilidade”, frisa Garcês.
Fica a cargo dos grupos, por exemplo, se organizarem quanto às atividades recreativas e passeios externos, sempre sob supervisão. Em 2019, a meta é a adoção de uma praça e um projeto de limpeza e conscientização das praias, demanda que foi solicitada pelo grupo de 13 a 15 anos; e aulas de vôlei, costura básica, organização de casa e panificação, demanda das crianças de 10 a 12 anos. Os membros do clube participam também de palestras com profissionais de diversas áreas e da fanfarra, que conta com 24 instrumentos.
DO CLUBE PARA A VIDA
Mas o clube não se limita aos encontros quinzenais. Em sua estrutura existe a função muito importante do conselheiro, que assume o papel de acompanhar as crianças, seja no ambiente escolar, onde é avaliado tanto o desempenho como as relações sociais, bem como o convívio com a família, ajudando na resolução de conflitos.
“Os conselheiros têm obrigação de visitar as crianças em suas casas, precisamos estar perto das famílias, pois nossas instruções não se resumem aos dois dias de encontro, precisa fazer parte da vida de cada uma delas. Como está essa criança na escola? Como está a comunicação em casa, entre pais e filhos? Por exemplo, hoje uma de nossas preocupações é o combate à depressão e ao suicídio. Estamos lidando com uma geração muito específica, os ‘filhos dos quartos’, crianças que vivem em seus mundos, que só se relacionam com o computador e as redes sociais. Nosso papel é trazê-las de volta para o convívio em família”, destaca Jamile Garcês, 34 anos, diretora associada.
Para todas as atividades a serem desenvolvidas pelo grupo, o clube busca o respaldo no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. “As crianças não são forçadas a nada, esse é um livre arbítrio garantido no ECA e que nós respeitamos”, frisa Gabriel Brito, Diretor Associado.
GOSTO PELA NATUREZA
O momento mais esperado pelas crianças e líderes, é o acampamento, que acontece pelo menos uma vez por ano. “As crianças são preparadas aqui, aprendendo noções de sobrevivência, como lidar com o fogo, cozinhar seu próprio alimento, eles dormem em barracas, fazemos o setor x, que é o banheiro e o banho é de rio”, conta Jamile.
São três dias de acampamento, em um local previamente escolhido e que garanta diversão e segurança para o clube. “Essa é apenas uma das nossas atividades voltadas para o convívio com a natureza. Este ano já estivemos no Parque Ecológico de Vilas do Atlântico, onde foi possível ouvir os pássaros, conhecer a mata, além de incentivar o papel de cidadão, recolhendo o lixo. Passamos sempre para as crianças que um desbravador sempre sai do lugar deixando melhor do que quando chegou”, complementa Jamile.
Outro momento esperado são os Camporis, um grande acampamento que une as atividades ao ar livre, ações sociais e intercâmbio com outros clubes. Em janeiro, o Clube Desbravadores Evidências participou da 5ª edição do Campori Sul- Americano – que acontece a cada cinco anos –, no Parque do Peão, em Barretos/ SP. Foram ao todo 18 dias de viagem, cinco dias de acampamento, em um intercâmbio intenso com 12 países da América do Sul, América do Norte, Europa e Ásia, totalizando mais de 100 mil pessoas.
Em junho aconteceu o Campori Vencedores, organizado pela Associação Baiana, reunindo cerca de sete mil desbravadores de Salvador e Região Metropolitana, no Parque de Exposições de Salvador. O Clube Evidências esteve presente com 52 crianças e 22 líderes.
“A chegada no Campori é sempre um misto de sentimentos: felicidade por estar concretizando o que almejamos; ansiedade de ver o acampamento montado; a cozinha arrumada e já pronta para atender ao grupo; o medo de que todos estejam protegidos e bem cuidados. Enfim, é um trabalho contínuo durante cinco dias. Toda nossa atenção nesses dias está voltada para nossos desbravadores, pois queremos que eles tenham a melhor experiência, que sejam muito bem cuidados e que possam sair de lá com muita história pra contar. E o retorno vem dos próprios desbravadores, e também dos pais, que nos motiva a continuar dando o máximo de nós”, conclui Reinaldo Garcês.