“Nosso senhor Jesus Cristo que lhe ‘alumeie”. O português não está correto, mas a frase traz um significado muito importante: sinceridade, humildade e agradecimento, virtudes que um grupo de pessoas, formado por empresários, profissionais liberais e colaboradores de vários segmentos, irmanados pelo prazer de servir, fortalecem a cada visita que fazem em regiões muito pobres de municípios do sertão baiano, levando um pouco de alívio para comunidades carentes.
Foi através de uma reportagem exibida pelo Jornal Nacional, da Rede Globo, em abril de 1998, que retratava a grande estiagem na região de Monte Santo, sertão da Bahia, que os empresários Edgar Regis e Wilson deram início ao Comboio Esperança, projeto que já atendeu milhares de famílias da Bahia, em 17 anos de atuação. pouco doações em dinheiro, vindas de quaisquer caminhos, e mesmo assim tem conseguido, de forma anônima, levar para as comunidades carentes não apenas alimentos, remédios, roupas e utensílios, mas também serviços na área da saúde, em odontologia.
Nem sempre a arrecadação é suficiente para a todos, e é aí que acontece uma das lições mais importantes: a própria comunidade, que tem tão pouco e passa por tantas carências, decide quem está mais necessitado daquele item, e que será beneficiado com a doação.
As doações em dinheiro, feitas pelos membros do Comboio, são usadas exclusivamente para compra de cestas básicas, brinquedos e ajuda no material odontológico. Cada integrante do Comboio é responsável por suas despesas com hospedagem, combustível e alimentação.
Hoje, o grupo que antes era formado exclusivamente de homens, conta com a participação feminina da odontóloga Ana, que superou a falta de estrutura e desconforto da estrada e dos locais. Ela se apaixonou pelo Comboio, pela forma leve e carinhosa de fazer o bem, e o Comboio se apaixonou por ela, sua força e desprendimento de fazer tantos atendimentos de saúde em um único dia, devolvendo o sorriso à pessoas que talvez jamais fossem beneficiadas.
Momentos marcantes se mantém vivos na memória de cada integrante, e cada nova viagem é recheada de surpresas, novas histórias e emoções em profusão, o que supera todo o cansaço dos três ou quatro dias que o grupo passa na estrada, enfrentando muita poeira, vias precárias, se deparando com uma realidade que apenas o contato direto é capaz de traduzir.
Edgar não esqueçe um episódio: após entregar uma cesta básica para uma senhora, ela, muito satisfeita, passa a mão em sua cintura e oferece: “O senhor aceita um cafezinho?” Edgar agradece e pergunta se tem. Ela responde: “agora sim!”, na certeza de que na cesta teria o desejado café.
A seca na Bahia
Dados da Superintendência de Proteção e Defesa Civil da Bahia (Sudec) apontam que no início de novembro de 2015, 147 municípios decretaram situação de emergência, o que significa que 1,8 milhões de pessoas na Bahia foram atingidas diretamente pela seca. Esse é o mesmo número de pessoas que sofreram com a estiagem durante todo o ano de 2014. A falta de água impacta diretamente na produção de alimentos e geração de renda, visto que a economia no interior da Bahia gira em torno da agropecuária de subsistência.
“Entrei no Comboio com a expectativa de participar apenas uma vez. E pela primeira vez eu vi o que mostrava nos livros de história, os rios secos. Em São Paulo, não se tem noção disso. Participo do Comboio há 12 anos”, destaca Gerônimo.
Na segunda semana deste mês, uma nova caravana do Comboio Esperança segue da capital para o sertão. São 340 km até Jacobina, cidade com população estimada em 2015 em 84 mil habitantes e 3136° no ranking do IDHM 2010.
“Sabemos que essas doações não resolvem definitivamente os problemas dessas comunidades, mas ameniza, e muito. E é melhor fazer alguma coisa do que não fazer nada. Um amigo meu disse que um Comboio vale mais que um ano de terapia. No fundo, nós vamos por nós mesmos”, finaliza Wilson.
“Fiquei de boca aberta ao ver o trabalho do Comboio. Um integrante era advogado, outro engenheiro, outro empresário e lá éramos todos iguais. A proposta do Comboio é ajudar. Ninguém está indo pra lá pra se promover, e isso me cativou.” Fred.
“Todo mundo tem aquela vontade de ajudar um pouco, mas muita gente não consegue tirar alguns dias para exercer a solidariedade. A nossa diferença é que vamos mesmo.” Godeiro.
“Deixamos de estar com nossas famílias em casa no final de semana e vamos para locais de difícil acesso, um trabalho árduo, mas extremamente gratificante.” Wilson.
“Me impressiona as pessoas mendigando entre elas mesmo. Um que tem um pouquinho doando pra quem não tem nada.” Gerônimo.
“Tem gente que nunca dormiu num colchão, nunca bebeu uma água gelada, uma água filtrada.” Marcelo.
– “E quando a gente não vem, vocês fazem o quê? – Ficamos esperando vocês. E torcendo pra nossa comunidade ser contemplada de novo. – E a gente agradece a quem? Quem mandou vocês? – Agradeça a Deus mesmo, a gente só veio entregar”. Godeiro conversando com uma moradora.
“E eu particularmente me envolvo muito com criança, principalmente depois que minha filha nasceu. Me toca muito a carência delas, precisando de uma roupinha, de um carinho, porque é onde a gente encontra esperança. Certa vez entreguei uma boneca a uma menina e ela já estava com outra, porque ganhou de outro amigo. Ela estava muito alegre e perguntei o porquê de tanta alegria. E ela respondeu que nunca havia ganhado uma boneca. E agora tinha duas. E nós compramos por R$4 ou R$5 … [pausa – emocionado] … E quando chego em casa no domingo, vejo que minha filha não tem onde guardar tanto brinquedo. A gente fica até constrangido de ver uma situação dessa e não poder fazer muita coisa.” Marcelo.
“Tem gente que doa e não vai. Tem gente que vai apenas para trabalhar, sem doar nada. Não existe valor mínimo, cada um doa o que pode. E acreditem, o tempo também é uma doação.” Alvinho.