A maioria das pessoas faz compras no comércio informal – ou clandestino, dependendo do ponto de vista de cada um – ou adquire produto falsificados com alguma frequência. Trata-se de fato estatístico, mas é fácil chegar a essa conclusão sem maiores estudos: basta observar a presença de vendedores ambulantes, em graus variados de sofisticação, nas esquinas da cidade. Se há oferta desses produtos é porque há demanda e talvez por isso as ações de fiscalização sejam esparsas e descontinuadas, resultando em coisa alguma.
Qualquer comerciante regularmente instalado, que pagou pelo ponto comercial e todos os meses paga os seus impostos, sabe que a maioria dos consumidores eventualmente compra produtos clandestinos ou falsificados. Uma pesquisa do Ibope encomendada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) já havia afirmado a mesma coisa.
Nada menos que 75% admitiram que compravam de ambulantes ou lojas informais. E cerca de 71% informaram que adquiriam produtos piratas ou imitações de marcas famosas, seja sempre, às vezes ou raramente. Os que nunca compraram no comércio informal eram 24% e os que nunca adquiriram falsificações, 28%. Uma minoria, portanto.
Entre os que adquiriam produtos de ambulantes ou estabelecimentos informais, 13% compravam sempre, 37% às vezes e 25% raramente. Já entre os consumidores que compravam produtos piratas ou imitações de marcas famosas, seja no comércio formal ou informal, 13% compravam sempre, 34% às vezes e 24% raramente.
O economista Renato da Fonseca, gerente de Pesquisa e Competitividade da CNI, admitia que o percentual de consumidores que recorre ao mercado informal é elevado. Parte do motivo seriam os preços mais baixos, mas em Vilas do Atlântico, notadamente, isso nem sempre é verdade. A comodidade de comprar no meio da rua, às vezes sem sair do carro, pode contar mais.
Principalmente no caso dos produtos piratas, Fonseca acredita que a maioria dos consumidores não percebe as consequências negativas do ato. O apelo é à consciência cívica coletiva – logo, inócuo: ao copiar os produtos originais, o mercado pirata diminui a capacidade de a economia ser criativa, crescer e gerar empregos. Além disso, lembra o economista, o mercado informal não paga impostos, praticando uma concorrência desleal.
São argumentos que poderão significar alguma coisa para os que nunca compraram no comércio informal (24%) ou para os que nunca adquiriram falsificações (28%). Mesmo assim, essa minoria poderá ter outras razões para preferir as marcas originais ou gostar de frequentar lojas com ar condicionado.
A CNI lembrava ainda que o consumidor do mercado informal ou pirata ainda por cima desestimula o trabalho formal, reduzindo também os ganhos dos trabalhadores. Em tempos de desemprego em alta, contudo, o argumento parece insuficiente. Hoje o comércio clandestino também é estimulado pela falta de empregos no comércio regular. Por outro lado, os irregulares sequestram clientela dos formais, fragilizando mais a oferta de empregos. O processo conduz à informalização crescente da economia.
Quem estende o braço na rua para vender uma pizza caseira está em busca de gerar renda para si e para a sua família. Trata-se, também, de um problema social. Embora a grande maioria dos consumidores prefira ignorar os fatos, há uma lista deles a aconselhar a compra no comércio regular. Por exemplo: é ilusória a vantagem de pagar menos por um produto porque a compra informal não tem garantias. O consumidor assume todos os riscos, começando pela qualidade. Não há como trocar, não há Código de Defesa do Consumidor a que recorrer.
Garantia zero. Risco absoluto.
Um brinquedo, por exemplo, pode soltar tinta, ter peças pequenas que se desprendem facilmente. E uma pizza caseira vendida no meio-fio não passou por controles sanitários oficiais – o que não quer dizer que eles funcionem para a formalidade, mas neste caso ao menos se poderá responsabilizar alguém.
Fonseca lembra também que algumas vezes o consumidor que adquire o produto pirata não tem outra opção. “Ou compra um produto de baixa qualidade ou fica sem”, define. Mais uma vez, a demanda justifica a oferta.
O problema é que nem tudo a economia justifica. Sem algum tipo de ordenamento a desordem transforma-se em norma. Em vez das lojas e restaurantes do comércio formal, em pouco tempo teríamos apenas bancas de ambulantes e foodtrucks estacionados nos meios-fios. Como ninguém pagaria impostos, não haveria nem fiscalização da qualidade, nem serviços públicos.