Já versava o poeta Castro Alves: ‘A praça é do povo, como o céu é do condor’. Talvez seu olhar visionário já percebesse que a praça seria o local onde o povo pudesse mostrar sua força, quer em festas e momentos alegres, ou nas mais variadas e intensas manifestações para assegurar o exercício pleno da democracia.
Só não sabia ele, que uma praça, mesmo sem existir fisicamente, seria capaz de mobilizar uma comunidade, em busca por seus direitos. É o caso da Quadra D-26, dentro do loteamento Vilas do Atlântico, área definida, por Termo de Acordo e Compromisso, como “área institucional com objetivo de construção de espaço de lazer”.
Localizado em área nobre, na principal avenida do loteamento, a Praia de Itapuã, entre o Colégio Apoio e o Hotel Malibu, o terreno não passou despercebido e desde 1992 se constitui em peça central de um jogo de especulação imobiliária e interesses mal revelados.
Esqueleto do empreendimento iniciado pela Construtec em 1993. Moema Gramacho deu a marretada simbólica para derrubar o esqueleto que há 15 anos poluia a paisagem de Vilas do Atlântico
Em maio de 2005 a situação da Quadra D-26 foi retratada na edição daquele mês da revista Vilas Magazine. Na época, em Assembleia Geral da Salva – Sociedade dos Amigos de Vilas do Atlântico, realizada no mês anterior, a então prefeita Moema Gramacho, cumprindo seu primeiro mandato, afirmou que atenderia ao pedido dos moradores e transformaria o local em uma área de convivência. “Se decidirem aqui hoje, nesta assembleia, que querem a praça ali, amanhã mesmo abro processo administrativo para tratar da sua construção”, enfatizou Moema Gramacho, em alto e bom som. E foi mais incisiva: transformaria o local “na maior e mais bonita praça de Vilas do Atlântico, uma praça onde haverá harmonia, onde as pessoas vão gostar de estar, ou praticar a necessária e salutar convivência”, completou, com firmeza.
Quem era criança em 2005 e sonhava com tardes divertidas no parquinho da praça, hoje se questiona se ao menos seus filhos poderão desfrutar de tal bem público.
Este imbróglio começou em 1992, quando a empresa Construtec – Construção e Tecnologia Ltda, adquiriu o terreno da Quadra D-26, através de edital de Concorrência Pública emitido pela Prefeitura de Lauro de Freitas, na época sob a gestão do prefeito João Leão.
Com investimento de R$ 1,5 milhão, a empresa iniciou a construção de um complexo com lojas e salas comerciais, mas não avançou muito. A obra foi embargada após Ação Pública requerida junto ao Ministério Público, sob a justificativa da área pertencer ao Termo de Acordo e Compromisso de construção do loteamento, que reservava o espaço para a construção de uma praça.
A empresa recorreu e após acordo judicial ficou estabelecido um Termo de Ajustamento de Conduta, onde a Construtec doou ao município dois lotes, localizados ao lado da hoje Pão Expresso, e construiu ali a praça e o acesso ao Parque Ecológico, ganhando assim o direito de retomar a obra, que naquele momento já deixava de ter cunho comercial para dar lugar a um empreendimento habitacional ou de apartamentos tipo flat.
Por cerca de 12 anos, enquanto aguardavam os morosos trâmites judiciais e uma decisão assertiva e justa, os moradores não descansaram. Através da Salva, a comunidade realizava manifestações públicas e recorria ao poder público a fim de reiterar o desejo de que fosse cumprido o que estava determinado originalmente, desde a construção do loteamento: a praça de Vilas do Atlântico!
Mas os prazos estabelecidos no TAC nunca foram cumpridos e mais uma vez a comunidade entrou com ação na justiça. Resultado: a Construtec repassou a área para a Construtora W. Barreto que, após exaustivas reuniões com os representantes da sociedade civil, se comprometeu a usar uma área de 1.800m² para a construção da praça pública, que seria doada à comunidade, sem custos à gestão municipal.
A conquista foi muito comemorada. Durante a realização da caminhada Vilas Solidário, evento promovido pelo Rotary Club Lauro de Freitas, em parceria com a Salva e apoio da Prefeitura, a então prefeita Moema Gramacho fez a contagem regressiva, e deu uma marretada simbólica – acompanhada pelo jornalista Carlos Accioli Ramos, diretor da revista Vilas Magazine e então presidente do Rotary Club Lauro de Freitas, Roberto Abbehusen, representando a Salva e o empresário Walter Barreto, da Construtora W. Barreto –, para a derrubada do esqueleto que há 15 anos poluia o local, além de servir de esconderijo para marginais.
Enfim uma praça….
Mas ainda em 2006, um fato chamou a atenção da comunidade de Vilas do Atlântico: a prefeita sancionou a lei nº 1166/2006, alterando o gabarito de verticalização, não da cidade ou do loteamento, mas exclusivamente da Quadra D-26 em Vilas do Atlântico, permitindo que nela sejam construídas edificações com até cinco pavimentos, enquanto que o gabarito original limitava em três pavimentos.
A Construtora W. Barreto não construiu o empreendimento residencial que se propunha e em 2010 o terreno, avaliado em R$ 825 mil reais, é vendido para a construtora Dédalo Engenharia, e posteriormente, em 2019, é incorporado ao patrimônio da Dena Realizações Imobiliárias Ltda, agora pelo valor de R$ 1,2 milhão de reais.
Cabe aqui um registro: na campanha eleitoral de 2012, para a prefeitura de Lauro de Freitas, a Dédalo Engenharia doou R$ 50 mil reais (pouco mais de 5% do total arrecadado), para a campanha do candidato João Oliveira, então vice-prefeito de Moema Gramacho, que tentou sucedê-la, sendo derrotado por Márcio Paiva.
Ainda em 2012, a prefeitura apresentou projeto de lei, propondo uma permuta pela qual a Dédalo Engenharia receberia um total de 17.186,79m² distribuídos entre terrenos de Vilas do Atlântico, loteamentos Jardim Aeroporto, Miragem e Portal Norte Center e Av. Santos Dumont (Estrada do Coco), em troca dos 4.389m² da Quadra D-26. Mais uma vez, através de ação popular junto ao Ministério Público, a ação não avançou, sob alegação de prejuízo de cerca de R$ 10 milhões aos cofres públicos.
Conforme destaca o documento apresentado ao MP, segundo avaliação da prefeitura, os imóveis objetos da permuta, estariam avaliados em R$ 5.604.932,50, mas os mesmos imóveis, quando avaliados por corretoras imobiliárias, chegavam à soma de R$ 14.803.391,00.
Em dezembro de 2020 um novo capítulo se desenha ao ser assinado um Termo de Acordo e Compromisso, onde a Dena Realizações Imobiliárias, atual proprietária do terreno, se compromete a doar à municipalidade a área de 1.402m², onde já se encontra a praça e estacionamento edificados pela Construtora W. Barreto. A Certidão de Ônus, constando a referida doação, foi emitida em 24 de fevereiro deste ano.
Encontram-se vigentes os alvarás de construção nº 1469/2019, referente a área de 2.987m² onde será erguido um empreendimento residencial de até cinco pavimentos, e o alvará nº 646/2021, tendo como objetivo a construção de requalificação da praça e estacionamento, na área de 1.402m², agora através de contrapartida social (Processo nº 14557/2019).
Quem passa pela Av. Praia de Itapuã já percebe a área toda fechada com tapumes, impedindo, inclusive, o acesso da comunidade ao equipamento público já disponibilizado no local. “Depois desse histórico de 30 anos de uma luta intensa para impedir que um bem público seja rifado em detrimento do jogo de interesses políticos, não é de se estranhar que as entidades representativas do loteamento estejam apreensivas quanto à realização da obra, temendo que o direito da comunidade seja mais uma vez usurpado”, declara Janaina Ribeiro, presidente da AMOVA – Associação dos Moradores de Vilas do Atlântico.
Enfim, renovando os versos do poeta Castro Alves, a comunidade promete não desistir de lutar para que a praça seja realmente do povo.