Sob a influência da Igreja Católica e da visão teocêntrica do mundo, o teatro medieval foi basicamente um teatro litúrgico, articulado com os ritos, as celebrações e o culto religioso. As apresentações teatrais sobre a vida pública de Jesus se inicia ainda na idade média, através das encenações intituladas de “Os Mistérios”, que mostravam os passos da vida de Jesus Cristo extraídos do Novo Testamento, envolvendo centenas de figurantes em inúmeros episódios que reproduziam de forma mais ou menos realista, encenando seus milagres e a Paixão de Cristo, no ritual litúrgico da Semana Santa.
A Igreja Católica chega no Brasil, atravessando o Oceano Atlântico no período pré-colonial, introduzindo através dos missionários que acompanhavam os colonizadores portugueses e que exerceram grande influência nos aspectos político, social e cultural dos brasileiros, dando continuidade as mesmas tradições ora realizadas na idade média na Europa, como as encenações teatrais.
E na década de 80 do século 20, uma pequena encenação da Via Crucis era apresentada no adro da secular igreja Matriz Santo Amaro de Ipitanga, realizada por jovens paroquianos e liderada pelo teólogo Airton Marques. No entanto, o evento aconteceria apenas por alguns poucos anos, já que a paróquia deixou de produzir periodicamente nas suas dependências, dramatizando apenas a Via Sacra pelas ruas principais da cidade e de algumas comunidades do município.
Mas a encenação teatral que se consolidou na cidade, começou mesmo logo após uma apresentação do “Oratório da Paixão”, ainda no século 20, em 7 abril de 1998, uma terça-feira da Semana Santa, no interior da Igreja Matriz, espetáculo de autoria da baiana Odete Villas-Bôas, que vinha sendo apresentado desde 1981 pelo Coral Regina Sacratissimi Rosarii e pelo Grupo de Teatro Sacro da Bahia.
Após esta apresentação, um grupo de jovens católicos liderado pelo artista ipitanguense Duzinho Nery, na época com 20 anos de idade, ainda se iniciando profissionalmente na carreira, teve o ímpeto de produzir a “Paixão de Cristo”, sendo estimulado pela Pastoral da Juventude da Paróquia Santo Amaro de Ipitanga, através do pároco Padre João Abel e de Irmã Elisabeth, que deram suporte suficiente para o pontapé inicial do projeto. No ano seguinte, a própria paróquia estimulou os jovens a fundar uma entidade que oferecesse mais autonomia ao evento, surgindo, em 2001, a Sociedade Cultural Távola, responsável jurídica pela realização do espetáculo.
A peça fez sua estreia no dia 28 de março de 1999, na Praça da Matriz, no Domingo de Ramos, às 17h. A plateia sentada em cadeiras das salas do Centro Comunitário, disponibilizadas pela Paróquia, arrumadas no meio da rua, interditada exclusivamente para apresentação.
A Praça da Matriz se tornou o palco natural do espetáculo “Paixão de Cristo”, se constituindo no maior espetáculo de teatro ao ar livre da Bahia, tanto pelo número de integrantes do elenco, mais de trezentas pessoas, quanto pelo grande público que assiste e prestigia o evento na Arena da Paixão, aproximadamente dez mil pessoas por dia, ocuoando todos os espaços nas arquibancadas montadas no entorno da praça.
O espetáculo já encenou 21 edições ininterruptas, todas realizadas pela Sociedade Cultural Távola, sob a labuta do diretor teatral e produtor cultural Duzinho Nery, enfrentando todas as dificuldades para se produzir um espetáculo desta magnitude, com a escassez de patrocínio, mesmo integrando o Calendário Cultural das Manifestações Tradicionais de Lauro de Freitas, que garantem recursos do Fundo Municipal de Cultura. Em 2018 e 2019, a produção se viu obrigada a limitar em apenas uma única apresentação, em vez das quatro.
Na sessão Ordinária de 7 de abril, foi aprovado pela Câmara Municipal, o Projeto de Lei nº 005/2019, de autoria do presidente da Casa, vereador Antonio Rosalvo (REDE), declarando como Patrimônio Cultural Imaterial do município de Lauro de Freitas a encenação do espetáculo teatral Paixão de Cristo, realizado pela Sociedade Cultural Távola.
O reconhecimento do Poder Legislativo Municipal, legitima uma atividade de cunho cultural, um reconhecimento afetivo da comunidade ipitanguense e do povo baiano, perante a este belo patrimônio cultural de Lauro de Freitas, garantindo a sua salvaguarda através da íntima relação e formação de seu povo. Durante todas as edições do espetáculo, foram contabilizados a participação de mais de duas mil pessoas, seja no elenco ou na equipe técnica/produção. Marco histórico para o município, o que comprova o princípio de pertencimento da população por este espetáculo.
A Paixão de Cristo realizada em Lauro de Freitas, se torna também um forte atrativo do turismo cultural e religioso baiano, caracterizado pelas dezenas de caravanas oriundas de várias cidades do estado que vem prestigiar a encenação anualmente. Demonstração da capacidade de atração e vocação turística, que pode inserir a cidade no roteiro oficial do turismo baiano.
Com esta percepção futura de tornar o espetáculo como atração turística nacional e para preservação da sua memória, Duzinho Nery, informa que a Sociedade Cultural Távola pensa a longo prazo em criar o Museu da Paixão, espécie de memorial que possa salvaguardar a história deste patrimônio da cidade para toda posteridade, garantindo visitação pública.