Li recentemente um texto oportuno para mim e decerto para algumas pessoas que insistem em questionar até onde caminhará a evolução cerebral da Humanidade. O autor, a quem peço desculpas por não gravar o nome, questionou o fato do avanço da tecnologia digital e o uso cada vez menor da escrita. Citou as redes sociais, como o WhatsApp, que criou o ‘digitês’, com abreviaturas sincopadas e que é cada vez mais frequente a substituição da escrita por voz. Em outras palavras: estamos criando uma comunicação ágrafa, sem ou com escrita restrita.
A escrita permitiu registrar materialmente a memória e criar a História. A memória digital é volátil e os suportes, aplicativos e drives caducam e as nuvens desabam, se não forem pagas. A correspondência civil tende a se volatizar e só restará a Historia Oficial, dos documentos publicados.
A linguagem na Internet está eliminando as flexões verbais do passado e do futuro e achatando tudo ao presente. Sutilezas expressas pelo condicional, o imperfeito e o subjuntivo estão desaparecendo e toda subjetividade morrendo.
O professor Mark Bauerlein, autor do livro “A geração burra: como a era digital torna os jovens mais estúpidos e ameaça nosso futuro”, ainda inédito no português, diz que há indícios de que o uso de smartphones e tablets na infância já esteja causando efeitos negativos. Destacou, como exemplo, que na Inglaterra, 28% das crianças da pré-escola (4 e 5 anos) não sabem utilizar frases completas. Preocupante, não?
Por outro lado, sem surpresa, afirmou que no Brasil sempre teremos uma elite intelectual cada vez mais concentrada, e uma massa desinformada por fake news e manipulada por políticos populistas. O fato é que o empobrecimento cultural está associado à perda da memória.
No filme Yesterday, (2019), um rapaz, quando acorda de um longo coma e toca as músicas dos Beatles, ninguém as reconhece, porque no período houve um apagão de todos os computadores.
A terceirização da memória e o empobrecimento da escrita implicam na incapacidade de expressar emoções e formular reflexões complexas.
Depois da leitura, na qual ousei destacar pontos interessantes, lembrei da minha pretensa tese que no passado teria como tema original a figura do “Audiovideobetizado”, mas que hoje passou a ser o “Webaudiovideobetizado”. Um personagem tão triste quanto real.
Confesso que cheguei a pensar no aprofundamento desta questão sobre a visão antropológica, mas correria o risco de terminar sendo “cancelado das redes sociais”, mesmo sem qualquer pretensão de tornar-me uma uma ‘celebridade’.
Gerar reflexões sobre o tema “A Era das Narrativas” pode desaguar apenas numa constatação de que o assunto não é apenas um dilema aplicável ao Brasil e sim uma realidade mundial. Em nosso país acontece o agravamento das narrativas diante do distanciamento jurídico, político e educacional da nossa sociedade? Eis a questão.
Ruy Pontes é ex-presidente da Empresa Brasileira de Comunicação (Radiobrás), consultor em Comunicação e Marketing.
Excelente provocação. Lamento, no entanto, que esta importante reflexão não chegue ao conhecimento de uma grande maioria, assim como ocorre com diversos outros estudos e artigos, cuidadosamente trabalhados e disponibilizados gratuitamente na mesma rede mundial de computadores que oferta conteúdo de fácil assimilação e que muito pouco exige do raciocínio e compreensão.
Recentemente, em uma audiência pública sobre meio ambiente – por ocasião da data comemorativa ao tema, externei uma preocupação: Estamos, há alguns anos, falando para nós mesmos.
Parabéns e obrigado pelo conteúdo.