
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) está monitorando o impacto na saúde da população atingida pelo derrame de petróleo no litoral do Nordeste. Um dos principais objetivos da ação é rastrear o risco para pescadores, marisqueiras e grávidas. Uma das medidas estratégicas é informar sobre a não exposição ao óleo bruto ou a áreas contaminadas, como a areia da praia, à população em geral, além de gestantes, crianças e mulheres em fase reprodutiva.
FOTO: Mancha de petróleo encontrada em Vilas do Atlântico em novembro: crise é contínua e segue sem explicação

A praia de Vilas do Atlântico e vários outros pontos do litoral baiano e de todo o Nordeste continuaram a receber petróleo ao longo do mês de novembro. O estuário do rio Joanes também voltou a ser atingido. De acordo com a prefeitura, comerciantes da orla relatam queda de até 40% nas vendas em função do desastre ambiental. FOTO: Franco Netto, pesquisador da Fiocruz: diferentes grupos populacionais estão expostos aos riscos de contaminação, seja pela inalação, pelo contato dérmico ou pela ingestão de alimentos contaminados

Num único dia, no começo de novembro, cerca de duas toneladas de óleo foram retiradas das praias de Lauro de Freitas pelas equipes da prefeitura de Lauro de Freitas.
FOTO: Pessoas com proteção individual recolhem petróleo em Vilas do Atlântico com banhistas ao fundo
Voluntários também encontraram, em 22 de novembro, blocos de petróleo entre as rochas das piscinas naturais de Vilas do Atlântico que podem ser facilmente confundidas com pedras. A área é muito frequentada por crianças.
Além de manter equipes de monitoramento nas praias, a prefeitura vem alertando os banhistas e voluntários sobre os riscos do manuseio inadequado do óleo. Quem quiser contribuir com a limpeza deve se juntar às equipes da prefeitura devidamente protegido com luvas e botas e seguir as orientações já conhecidas: não tocar no óleo, não enterrar e, se encontrar animais atingidos, não devolver ao mar e buscar apoio dos órgãos competentes.
Foi para acompanhar os efeitos da crise ambiental na saúde que a Fiocruz criou um grupo de trabalho, mobilizando pesquisadores e envolvendo as direções dos institutos e unidades técnico-científicas da Fiocruz da região Nordeste.
“Nas áreas atingidas, os pescadores e marisqueiras (que no Nordeste representam uma população hoje estimada em 144 mil pessoas) correm o risco de ter contato direto com o material contaminado e o pescado como principal fonte de sua alimentação e modo de vida nos territórios que habitam”, disse o pesquisador Guilherme Franco Netto, assessor da vice-presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz.
Ele lembra que “essas populações exercem um papel central na defesa do patrimônio cultural, ambiental e econômico da costa do Nordeste” e “por isso, temos que ter um cuidado redobrado com essas pessoas, e, por isso mesmo, envolvê-las na organização da resposta”.
GESTANTES
Franco Netto também ressaltou que deve haver atenção especial às gestantes que vivem na região costeira atingida. “Há necessidade de monitorar criteriosamente a saúde das futuras mães e dos fetos que estão em desenvolvimento”, alertou. O especialista chama a atenção para o fato de que os dados divulgados sobre os locais atingidos apontam para situações e níveis de contaminação diversos.
“Além dos pescadores, grávidas e marisqueiras, diferentes grupos populacionais – como militares, defesa civil e voluntários, entre outros, que estão trabalhando na remoção do óleo – estão expostos aos riscos de contaminação, seja pela inalação, pelo contato dérmico ou pela ingestão de alimentos contaminados”, alertou.
Um conjunto importante de medidas estratégicas estão sendo implementadas, tais como a definição de parâmetros para a análise dos alimentos com potencial contaminação para orientar adequadamente o consumo de pescados. A garantia da segurança alimentar da população, com atenção especial para as comunidades que vivem e trabalham do mar e do mangue, pescadoras e pescadores é outra preocupação da Fiocruz, além do manejo adequado e o descarte dos resíduos do material contaminado, de acordo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos.
CANCERÍGENO
O petróleo vazado, de acordo com a entidade, é formado por uma mistura complexa de hidrocarbonetos, um composto químico constituído por átomos de carbono e de hidrogênio, associada a pequenas quantidades de nitrogênio, enxofre e oxigênio. O petróleo se apresenta na natureza sob forma gasosa, líquida ou sólida.
Entre os hidrocarbonetos, anota a Fiocruz, está o benzeno, que é cancerígeno. A contaminação pelas substâncias tóxicas pode ocorrer por sua ingestão, inalação ou absorção pela pele. A Fiocruz acrescenta que a exposição a esses produtos pode provocar irritações na pele, rash cutâneo, queimação e inchaço, sintomas respiratórios, cefaleia e náusea, dores abdominais, vômito e diarreia.
Mas o efeito mais temido de longo prazo é a ocorrência de câncer, em especial alguns tipos de leucemia, afirma a entidade. Os pesquisadores da Fiocruz alertam que a exposição a esse produto deve ser reduzida ao mínimo e quem chegar perto deve usar roupas protetoras e depois descartá-las de forma adequada.
Voluntária recolhe bloco de petróleo camuflado entre as rochas nas piscinas naturais da praia de Vilas do Atlântico. Registro da foto, à direita: “22 de novembro de 2019 06.34.34 19 Praia dos Bandeirantes, Pouso Alegre, Buraquinho. Lauro de Freitas. Bahia”.
Fiocruz divulga nota sobre macha de óleo no litoral do Nordeste
Confira a nota na íntegra:
“Em 30 de agosto surgiram as primeiras manchas de óleo no litoral do Nordeste, atingindo, até o momento, 268 locais em 94 municípios e nove estados da região. Trata-se de um desastre ambiental extensivo, sem fonte identificada, envolvendo decisões em condições de incertezas.
Chama a atenção o fato de que os dados divulgados sobre os locais atingidos apontam para situações e níveis de contaminação diversos: diferentes grupos populacionais, como militares e defesa civil, pescadores e marisqueiras, voluntários, entre outros, estão expostos aos riscos de contaminação, seja pela inalação, pelo contato dérmico ou pela ingestão de alimentos contaminados.
Os governos estaduais e municipais dos estados da região Nordeste, bem como as secretarias municipais de Saúde e o Ministério da Saúde (MS), vêm atuando, desde o início desse evento, com objetivo de fortalecer as ações de vigilância em saúde (trabalhadores, epidemiológica, sanitária e ambiental), e de atenção à saúde das populações expostas.
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em consonância com sua missão de “produzir, disseminar e compartilhar conhecimentos e tecnologias voltados para o fortalecimento e a consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS) e que contribuam para a promoção da saúde e da qualidade de vida da população brasileira, para a redução das desigualdades sociais e para a dinâmica nacional de inovação, tendo a defesa do direito à saúde e da cidadania ampla como valores centrais”, e considerando a complexidade do desastre em curso, e ainda a não identificação de sua causa – o que exigirá atenção redobrada por parte do Estado –, reafirma seu compromisso de integrar a rede colaborativa institucional de resposta ao derrame de petróleo na costa marítima, oferecendo para isso:
• Apoio estratégico ao MS e SUS na participação do setor saúde na resposta ao desastre;
• Disponibilização da competência técnico-científica e infraestrutura da instituição;
• Instituição de Sala de Situação no âmbito da Presidência da Fiocruz, com envolvimento das direções dos institutos e unidades da região Nordeste, em apoio ao Centro de Operações de Emergência (COE-Petróleo), do Ministério da Saúde;
• Suporte técnico-científico aos governos e sociedade dos estados atingidos;
•Apoio às populações atingidas no cuidado, monitoramento e assistência diante dos riscos a que estão expostas. 30/10/2019
Nísia Trindade Lima, Presidente da Fiocruz”.