A nova lei federal da Liberdade Econômica, que está em vigor desde o mês passado, proíbe que o poder público “utilize-se do particular para realizar execuções que compensem impactos que existiriam independentemente do empreendimento ou da atividade econômica solicitada”. A prefeitura deixa de poder exigir, por exemplo, a construção de um quartel de bombeiros, em contrapartida a um licenciamento, já que os serviços dos bombeiros seriam de qualquer forma necessários.
A lei (13.874/2019), oriunda de Medida Provisória editada pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) proíbe ainda, entre diversos outros pontos, que o poder público “requeira a execução ou prestação de qualquer tipo para áreas ou situação além daquelas diretamente impactadas pela atividade econômica”.
Assim, mesmo que se prove ser necessária a contrapartida, ela não poderá ser aplicada em obra ou serviço sem relação com o empreendimento licenciado. Fica inviabilizada, por exemplo, a limpeza do rio Sapato, em Vilas do Atlântico, com recursos de uma empresa licenciada, por exemplo, para construir um prédio na Estrada do Coco.
Sem deixar margem para interpretações, a lei diz que é direito de toda pessoa, natural ou jurídica, “não ser exigida medida ou prestação compensatória ou mitigatória abusiva, em sede de estudos de impacto ou outras liberações de atividade econômica no direito urbanístico”, incluindo aquela que “requeira medida que já era planejada para execução antes da solicitação pelo particular, sem que a atividade econômica altere a demanda para execução da referida medida”.
Se a prefeitura já tinha planos para fazer, por exemplo, a macrodrenagem de uma rua, não poderá exigir do empreendimento licenciado que o faça como “prestação compensatória”, ainda que seja a rua do próprio empreendimento, já que a nova atividade não altera a demanda anterior.
Por fim, também não pode ser exigida compensação que se mostre “sem razoabilidade ou desproporcional, inclusive utilizada como meio de coação ou intimidação” – o que deve render muita discussão no Judiciário em torno do que é razoável, proporcional, coercivo ou intimidante, nos raros casos em que a exigência de contrapartida ultrapasse as barreiras anteriores.
O quartel do Corpo de Bombeiros Militares em Lauro de Freitas não poderia ter sido construído com recursos da Lei de Contrapartidas se a nova lei federal existisse na época
A Lei Municipal 1.528/14 apenas obriga os empreendedores a realizar obras ou serviços, às suas expensas, em local indicado pela prefeitura, o equivalente a 10% do total da área privativa do empreendimento, se for residencial. Nos empreendimentos comerciais, de serviços, ou industriais o percentual é de 5%. A obrigatoriedade vale para os empreendimentos imobiliários residenciais, de uso misto, comerciais, de serviços ou industriais, com mais de uma unidade autônoma, com área privativa igual ou superior a 600 m².
Agora, com base na nova lei federal, a exigência poderá ser questionada, acabando com uma das poucas fontes de receita própria para obras públicas no município.
OBRAS
Conforme noticiado na edição de setembro da Vilas Magazine, a Câmara Municipal de Lauro de Freitas discute a criação de um “Fundo Municipal de Contrapartida Social” (FMCS), “relativo ao licenciamento de empreendimentos no Município de Lauro de Freitas, com o escopo de recepcionar as receitas obtidas”. A ideia era não deixar por conta do Executivo a gestão dos recursos angariados por meio da lei das contrapartidas, de 2014, mas submeter as decisões a um Conselho Municipal de Contrapartida Social (CMCS).
A proposta de lei pretende acabar com a discricionariedade da prefeitura na aplicação dos recursos das contrapartidas, mas a nova legislação federal acaba de impor limites estritos ao que pode ser exigido, onde e por quê, na prática inviabilizando a utilização dos recursos para obras públicas, tal como acontece atualmente, seja de quem for a decisão.
As obras geradas pela lei de contrapartidas sociais de Lauro de Freitas são valorizadas pela gestão municipal porque independem da arrecadação municipal ou da transferência de recursos do Estado ou da União.
Equipamentos relevantes da cidade, como o corpo de bombeiros, a delegacia de polícia de Portão, a qualificação de diversas praças públicas ou serviços como a limpeza do rio Sapato, em Vilas do Atlântico, foram pagos por meio da lei de contrapartidas sociais. A receptividade da prefeitura ao licenciamento de empreendimentos na cidade está relacionada a esse efeito.
Apesar de potencializada em governos mais recentes, a lei foi criada, na gestão do prefeito Marcelo Abreu, apenas para permitir a construção de escolas públicas. Só mais tarde foi alterada para incluir a execução de qualquer tipo de obra.
LICENCIAMENTO TÁCITO
Outro destaque, para os temas ligados ao licenciamento do poder público municipal, é que o cidadão passa a ter o direito de, “nas solicitações de atos públicos de liberação da atividade econômica”, uma vez apresentados todos os elementos necessários à instrução do processo, saber quando o seu pedido será atendido. E se o poder público não cumprir o prazo o pedido fica automaticamente atendido.
Diz a lei que “o particular será cientificado expressa e imediatamente do prazo máximo estipulado para a análise de seu pedido e de que, transcorrido o prazo fixado, o silêncio da autoridade competente importará aprovação tácita para todos os efeitos, ressalvadas as hipóteses expressamente vedadas em lei”. Não vale, por exemplo, para o registro de marcas, mas inclui casos considerados pela própria administração como de “justificável risco”.