Os dois prefeitos que estão coexistindo na cidade de São Paulo – o eleito e o que deixará o cargo em janeiro – protagonizam um raríssimo caso de civilidade política, de postura republicana e de respeito à voz das urnas. Poucos dias após as eleições municipais, João Dória e Fernando Haddad se reuniram para acertar a etapa de transição, que anunciaram como histórica e colaborativa, visando ao bem da população. Também informaram que o primeiro passo será dado com a participação de técnicos da equipe de Dória no plano de combate às enchentes no próximo verão, que já está em elaboração pela administração Haddad.
Vale destacar que os dois prefeitos pertencem a partidos adversários e que ambos disputaram o primeiro turno da mesma eleição, colocando-se, respectivamente, em primeiro e em segundo lugar. Fato esse que realmente tornará histórica a transição entre dois governantes. Vale lembrar que a crônica política registra casos extremos, como políticos que zeraram (quando não engordaram as dívidas) dos cofres públicos antes de deixarem os cargos ou aqueles que até saíram pela porta dos fundos, recusando-se a sequer cumprimentar o sucessor escolhido pelos eleitores.
A par dos elogios que merece, a atitude dos dois políticos paulistanos – um buscando colaborar para assegurar a continuidade dos serviços da prefeitura e outro reconhecendo os acertos da gestão de seu antecessor –, pode ter adicionalmente um efeito salutar sobre a intolerância e a agressividade cada vez mais agudas nas ruas e nas redes sociais, que estão dividindo as pessoas, inclusive amigos, familiares e colegas de trabalho. Ou seja, em lugar de estimular um saudável e produtivo embate de ideias e propostas entre adversários partidários ou ideológicos, a diversidade de opiniões políticas está criando um verdadeiro campo de batalha, no qual vale tudo para impor posições, até insultos, xingamentos e rompimentos de relações pessoais estreitadas ao longo de décadas.
Parece que largos segmentos da população estão esquecendo que a democracia pressupõe espaço e respeito a diferentes visões de mundo e de políticas públicas. E que uma das mais belas características do Estado Democrático de Direito é exatamente o debate produtivo entre os contrários, que pode gerar uma rica soma de propostas, soluções e sugestões, a serem aplicadas em benefício de todos.
Luiz Gonzaga Bertelli, presidente do Conselho de Administração do CIEE.