Danos morais e à saúde causados pelo descumprimento da lei do silêncio em Lauro de Freitas podem dar origem a uma denúncia de moradores de Vilas do Atlântico junto ao Ministério Público e até, se for necessário, uma ação judicial. É o que prometem famílias residentes no condomínio EcoVillas, prejudicadas pelas emissões sonoras dos estabelecimentos comerciais do entorno – e que estarão no alvo da ação, em companhia da prefeitura municipal, caso a situação não seja resolvida.
A Sociedade de Amigos do Loteamento de Vilas do Atlântico (Salva) está apoiando a iniciativa. Qualquer pessoa pode aderir, participando de um abaixo-assinado, entrando em contato pelos números (71) 99332-1083, 3379-1343 ou 3379-2434.
Os moradores pretendem sensibilizar a administração pública, antes de denunciar os abusos ao Ministério Público, por meio de faixas apelando à fiscalização da poluição sonora. O recurso à secretaria de Trânsito, Transporte e Ordem Pública tem se mostrado inócuo, de acordo com os moradores, já que a fiscalização nunca está disponível.
Em outubro passado a prefeitura de Lauro de Freitas anunciou a criação de uma “patrulha sonora”, supostamente destinada a coibir os abusos, atendendo reclamações dos moradores. Em comunicado, a própria prefeitura lembrou que a lei municipal estabelece que “é proibido perturbar o sossego e o bem-estar público com ruídos, vibrações, sons excessivos ou incômodos de qualquer natureza, produzidos por qualquer forma ou que contrariem os níveis máximos de intensidade”.
Os aparelhos de som, inclusive em carros, não podem ultrapassar 70 decibéis (dB A) de pressão sonora – e mesmo assim são liberados apenas no período diurno. O próprio secretário de Ordem Pública Olinto Borri alertou ainda, na época, também para as vibrações sonoras, que seriam “consideradas prejudiciais quando ocasionarem ou puderem ocasionar danos materiais, à saúde e ao bem-estar público”.
A “patrulha” seria composta por servidores da secretaria de Trânsito, Transporte e Ordem Pública, da Superintendência de Segurança Pública e da secretaria de Meio Ambiente, podendo ser acionada por meio do número 153 – mas qualquer contato resulta apenas na recomendação de se chamar a polícia, conta Lourival Batista Neto, morador do EcoVillas – “e a polícia diz que o estabelecimento está regularmente licenciado, ficando por isso mesmo”.
Na verdade, com licença de funcionamento ou não, segundo o que dispõe a lei, ninguém está autorizado a emitir sons acima do limite legal, mesmo em área comercial. Nem mesmo os bares que têm alvará municipal podem exceder os limites da lei, estando obrigados a instalar isolamento acústico. De acordo com o artigo 11º da lei municipal 1.536, de 2014, “a emissão sonora gerada em atividades não residenciais somente poderá ser efetuada após expedição, pelo órgão municipal competente, do Alvará de Autorização para Utilização Sonora”. Nem mesmo festas públicas tradicionais como o carnaval, São João ou eventos religiosos podem ignorar a lei. Esses estão obrigados a “efetivar acordo com o órgão competente quanto aos níveis máximos de emissão sonora em valores diferentes” dos normais.
ISOLAMENTO ACÚSTICO
Para emitir um Alvará de Autorização para Utilização Sonora, a lei exige que o estabelecimento apresente “laudo técnico comprobatório de tratamento acústico”, assinado por técnico especializado ou empresa idônea. O alvará para utilização sonora deve estar afixado “na entrada principal do estabelecimento, em local visível ao público” e a multa prevista para a inexistência dele é de R$ 2.000 por dia até cessar a infração.
É com base nos pressupostos dessa lei e em outras irregularidades que os moradores pretendem pedir providências ao Ministério Público ou diretamente ao Judiciário, caso não vejam outra solução.
Sérgio Sampaio, ex-servidor público e morador de Vilas do Atlântico há mais de 20 anos, aponta irregularidade, por exemplo, na negativa de identificação dos atendentes do 153, serviço público municipal destinado a receber as denúncias. “Eles dizem que não podem fornecer o nome”, conta. Nem o nome, nem um número de protocolo que permita cobrar responsabilidades. “O cidadão tem o direito de saber quem o atendeu e o servidor tem a obrigação de informar o seu nome”, defende Sampaio.
As reclamações de abusos por poluição sonora, longe de se restringir a Vilas do Atlântico ou aos bares, estão por toda a cidade. Moradores de Ipitanga, Buraquinho e Itinga reclamam com frequência de barulho provocado por quem ignora a lei e a vizinhança. O desrespeito à norma em vigor é disseminado em Lauro de Freitas.
Além de bares, há residências que são alugadas como recinto de festas de fim de semana, barracas de praia, academias de ginástica e casas de eventos que impõem seus ritmos aos vizinhos até altas horas, além dos famigerados carros equipados com potente sonorização externa.

No último réveillon e no mês de janeiro, até mesmo festas comerciais para milhares de pessoas foram realizadas em Vilas do Atlântico. Na orla de toda a cidade, boa parte de Buraquinho e de Ipitanga – classificadas como Zona Predominantemente Turística (ZPT) – o limite legal de emissão sonora é de 60(A) dB entre as 7h e as 19h e de 55 dB entre as 19h e as 7h. O Parque Ecológico – uma Zona Especial de Interesse Ambiental (ZEIA) – foi transformado em recinto para espetáculos, levando ao desespero os moradores do entorno. O limite legal para emissão de sons numa ZEIA é de 55 dB(A) durante o dia, até 19h e 50 dB(A) à noite.
FOTO: Instalação artística de João Onofre apresentava cubo hermético dentro do qual tocou uma banda de “death metal” em Londres, em 2014: isolamento acústico é exigido por lei
A medição dos níveis de som, para efeitos da lei local, é feita em decibéis (dB), intensidade medida na curva de ponderação “A”, conforme definido na norma NBR 10.151 da Associação Brasileira de Normas Técnicas. O valor ponderado A de uma fonte de ruído é uma aproximação à forma como o ouvido humano percebe o som.
MULTA
A multa prevista em lei para quem emite sons além do permitido vai de R$ 700 (0,1 a 5 dB acima do limite) a R$ 140 mil (acima de 45 dB). Numa área comercial (CAD) como a avenida Praia de Itapoan, por exemplo, basta emitir sons com intensidade de 105 dB depois das 19h para que o responsável seja candidato à multa máxima. Os 60 dB permitidos pela lei naquela região à noite são equivalentes a música ambiente no interior de um bar – e daí a exigência de isolamento acústico para estabelecimentos que oferecem aos clientes música com intensidade acima desse limite. Uma conversa normal entre duas pessoas já equivale a 70 dB de emissão sonora.
As queixas de residentes muitas vezes refletem a chamada “batida do bass”, a faixa de baixa frequência, dos sons graves da música, que é percebida como ruído intenso e persistente dentro das casas vizinhas à fonte poluidora e que alcança uma distância maior, inclusive através de vidros duplos, destinados a barrar o som. O isolamento acústico adequado também elimina esse efeito.
De acordo com a Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cervicofacial (Aborl-CCF), a poluição sonora pode afetar a audição. Ruídos a partir de 85 dB, intensidade registrada em uma avenida movimentada como a Santos Dumont (antiga Estrada do Coco), já são prejudiciais. A orientação dos especialistas é não permanecer por mais de oito horas em ambientes com sons em torno desse volume.
A partir de 95 decibéis, a permanência recomendada cai para duas horas. Os ruídos do dia a dia também podem afetar a estabilidade emocional das pessoas, diminuindo o poder de concentração e causando nervosismo, estresse, dificuldade para dormir.
Os efeitos tendem a ser mais graves em crianças e pessoas de maior idade. Lourival Batista Neto conta que já se viu obrigado a levar a mãe, que tem 85 anos, para a casa de um filho seu no meio da madrugada porque o barulho produzido por um bar instalado em Zona Predominantemente Residencial não cessava. Há ainda moradores com bebês e pessoas enfermas em casa. Mas mesmo os adultos resistentes aos danos causados pela poluição sonora perdem noites aguardando que o estabelecimento vizinho feche as portas, “de quarta a domingo, às vezes pelas três, quatro da manhã, quando acaba a clientela”, conta Batista Neto.