Em Lauro de Freitas e outros sete municípios baianos, a mobilização havia atingido pouco mais de 53% do público-alvo no final de fevereiro. Apenas 14.950 pessoas buscaram os postos de vacinação na primeira semana da campanha e no dia 26 de fevereiro ainda eram esperadas cerca de 1,5 milhão de pessoas, de acordo com as autoridades de saúde do estado. A mobilização com a dose fracionada encerra-se no dia 9 de março.
FOTO: Igor Sacramento, do Icict-Fiocruz: dizer que é boato, que é mentira, que é ignorância, não ajuda em nada e apenas incrementa a disputa pela verdade
Para a campanha atingir 95% do público-alvo, seria necessário vacinar mais de 125 mil pessoas por dia entre 27 de fevereiro e o dia 9. O fraco comparecimento da população, mesmo após o dia D, em 24 de fevereiro, levou Ramon Saavedra, coordenador estadual de Imunização da secretaria da Saúde da Bahia, a fazer um apelo à população: “Enquanto outros estados estão correndo para impedir o avanço da doença, a Bahia está na fase de prevenção”, explicou. “Então, é de fundamental importância que a população se dirija aos postos de saúde para se imunizar” – disse, enfatizando que “a vacina é a forma mais eficaz de se proteger contra a febre a amarela”.
No Rio de Janeiro e em São Paulo a campanha resultou ainda mais decepcionante. Foram vacinados até meados de fevereiro cerca de 3,9 milhões de pessoas – pouco mais de 19% do público total esperado de 20 milhões. O Rio de Janeiro vacinou 1,2 milhão de pessoas, o que equivale a 12% do público-alvo. Em São Paulo, foram 2,7 milhões ou 26% da expectativa.
Na Bahia, a meta é vacinar 3,3 milhões de pessoas com a dose fracionada até o final da campanha, em 9 de março. Participam Lauro de Freitas, Camaçari, Candeias, Itaparica, Mata de São João, São Francisco do Conde, Vera Cruz e Salvador.
BOATOS
A difusão de boatos nas redes sociais e por meio do Whatsapp pode ter sido um obstáculo à atual campanha de vacinação contra a febre amarela no país. Para Igor Sacramento, pesquisador do Laboratório de Comunicação e Saúde (Laces) em entrevista divulgada pelo Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fiocruz, “o impacto das chamadas fake news na campanha de vacinação da febre amarela ainda não foi mensurado”.
Mas a reação popular é complexa: “ao mesmo tempo que vemos as filas aumentando, há uma crescente desconfiança em relação ao fracionamento (o termo leva as pessoas a crerem que se trata de algo menor, fragmentado, ineficiente, ruim) e à própria vacina”, que os boatos sugerem que poderia fazer mal. “Essas notícias se espalham com muita força nas redes sociais online, mas também em aplicativos de troca de mensagens como o WhatsApp”, verifica.
Um dos boatos mais persistentes é o de que macacos transmitem febre amarela. “O zelador do meu prédio me mostrou um vídeo que recebeu no WhatsApp fazendo um grande histórico das doenças que teriam origem em macacos: HIV, ebola e na sequência a febre amarela”, diz Sacramento.
Outros vídeos também distribuídos por meio do Whatsapp e disponíveis em outras partes da rede fazem alertas desinformados que muitas vezes levam as pessoas a evitar a vacinação. “A Farsa das Vacinas – Febre Amarela” e “Febre Amarela, assista antes de tomar a vacina!” são os títulos de dois deles. O primeiro “numa linguagem mística e alarmista, faz associação entre a vacinação e o objetivo de diminuição da população mundial pelos ‘donos do mundo’”, conta Sacramento. “O outro é um áudio, com a imagem congelada, de alguém que parece ser um guru espiritual”.
Entre as mentiras sobre a febre amarela que estão em circulação está a de que a “febre amarela é uma farsa criada para vender vacinas”, que um “médico de Sorocaba diz que vacina paralisa o fígado” ou ainda que “própolis espanta o mosquito da febre amarela”.
A Fiocruz recomenda que “antes de compartilhar uma informação que possa causar pânico desnecessário e confundir, certifique-se que vem de uma fonte oficial”. Para o pesquisador, “as fake news não têm como ser combatidas ou eliminadas” porque “elas fazem parte da dinâmica social contemporânea”.
Dia D da campanha em Lauro de Freitas e outros sete municípios ainda não tem números de adesão conhecidos
VERDADES
Com 545 casos e 164 óbitos registrados no país entre julho de 2017 e 20 de fevereiro deste ano, a febre amarela continua no topo das preocupações do Ministério da Saúde. No mesmo período do ano passado, foram confirmados 557 casos e 178 óbitos. Até agora os casos estão concentrados em Minas Gerais (264 casos, com 77 mortes), São Paulo (208, com 57 mortos) e Rio de Janeiro (72 casos e 29 mortes).
A vacinação com a dose fraciona é destinada a pessoas a partir dos dois anos de idade, desde que não apresentem condições clínicas especiais. Todos que já tomaram a vacina em dose completa, ao longo da vida, não precisam receber nova dose. A intenção é proteger o maior número de pessoas, em localidades com grande contingente populacional e com evidência de circulação do vírus, além de risco elevado de transmissão da doença.
Dados da secretaria de Saúde da Bahia indicam que, no ano 2000, foram confirmados dez casos de febre amarela silvestre no estado – todos em pessoas residentes nos municípios de Coribe e Jaborandi. Deste total, três morreram. No mundo, a febre amarela mata uma em cada duas pessoas que ela contamina. Os casos de 18 anos atrás foram os últimos autóctones – quando a infecção acontece no próprio local de residência – registrados na Bahia. Em 2018 houve a confirmação de um caso, mas importado. Apesar de não haver confirmações, no mesmo período houve 21 suspeitas, três das quais continuavam em investigação no final de fevereiro.
O secretário da Saúde do Estado Fábio Vilas-Boas lembra que é muito importante que a população busque os postos de vacinação para receber a dose fracionada da vacina. “Até o momento não tivemos casos de febre amarela em humanos” na Bahia, “mas o vírus está circulando”. Por isso, “quanto mais gente vacinada, menor é a chance de haver a introdução da febre amarela humana em nosso meio”, disse.
O coordenador do programa estadual de imunização Ramon Saavedra explica que o desenvolvimento de uma vacina segue altos padrões de exigência e qualidade em todas as suas fases, o que inclui a pesquisa inicial, os testes em animais e humanos sob rigorosos protocolos. “Nenhuma vacina está livre totalmente da ocorrência de efeitos indesejáveis, porém os riscos de complicações graves são muito menores que os das doenças contra as quais elas protegem”, afirma Ramon.
Diretamente, não há como controlar a boataria nas redes sociais, opina ainda Igor Sacramento. “Dizer que é boato, que é mentira, que é ignorância, não ajuda em nada” – seria apenas “uma forma de incrementar a disputa pela verdade”. O que ele defende é uma mudança na estratégia de comunicação: “do ponto de vista da comunicação, uma disposição grande para o diálogo, para a empatia, para a compreensão, mas também uma processo de formação que permita que profissionais de saúde conheçam a especialidade do imperativo comunicacional de nosso tempo”.
Para ele, “não adianta apenas ter páginas, perfis no Facebook ou no Twitter, responder às perguntas, porque também é preciso produzir conteúdos que apresentem outras dimensões do processo de saúde-doença, da importância da vacinação, reconhecendo e jamais ignorando que outras informações circulam”. Além disso, “é fundamental estratégias de comunicação mais locais”, não havendo mais “como pensar a comunicação em rede de acordo com os preceitos da comunicação de massa”. Seria necessário “sobretudo dialogar”, que “não é dizer que é mentira, que é falso, que é burrice” porque “isso não aproxima, afasta ainda mais a ciência da população”.