O Dia Internacional da Mulher, apesar do forte apelo para compra de flores, bombons entre outros presentes, é uma das poucas datas comemorativas que não nasce de uma intenção comercial.
Celebrado oficialmente no dia 8 de março, após reconhecimento da Organização das Nações Unidas em 1975, sua origem remonta do início do século 20, como resultado de uma série de protestos de mulheres operárias nos Estados Unidos e Europa, reivindicando melhores condições de trabalho e igualdade de direitos.
Era fevereiro de 1909 quando cerca de 15 mil mulheres, em passeata, tomaram as ruas de Nova York reivindicando melhores condições de trabalho: na época era aceitável jornadas de 16h por dia, seis dias por semana, incluindo também o domingo.
No mesmo período, pela Europa, crescia a mobilização feminina, de modo que em agosto de 1910, a alemã Clara Zetkin propôs, em reunião da Segunda Conferência Internacional das Mulheres Socialistas, a criação de uma jornada de manifestações. Segundo os registros que se tem da época, a intenção era criar um momento onde as questões das mulheres trabalhadoras fossem discutidas, sem exatamente determinar uma data.
Nessa busca histórica podemos citar também o incêndio, ocorrido em Nova York em março de 1911 na Triangle Shirtwaist Company, quando 146 trabalhadores morreram, destes 125 mulheres, que trouxe à tona as más condições de trabalho enfrentadas por mulheres durante a Revolução Industrial.
Mas talvez o grande marco seja o protesto, de 1917, que ecoou o pedido de socorro das mulheres operárias contra a fome e a Primeira Guerra Mundial, movimento que marca também o início da Revolução Russa. A data: 23 de fevereiro pelo antigo calendário russo, 8 de março pelo calendário gregoriano, hoje utilizado pela maioria dos países do mundo.
Após a oficialização, em 1975, pela ONU, a data ganhou destaque e força. Em vários países, a exemplo da Rússia, a data é considerada um feriado nacional; nos Estados Unidos, março é reconhecido como mês histórico de marchas das mulheres e na China, o governo recomenda que seja dado metade do dia de folga.
Pena que a data tenha evoluído tão pouco, visto que ainda hoje, mais de cem anos após os primeiros protestos, a desigualdade de gênero e as condições de trabalho das mulheres continuam na pauta dos problemas sociais. No Brasil, por exemplo, frequentemente a data é comemorada com manifestações pelas ruas das principais capitais dos país, com gritos por mais igualdade salarial e protestos contra o aborto, violência contra a mulher e o feminicídio.
DESIGUALDADE DE GÊNERO
Pesquisa realizada pela empresa de recrutamento online Catho, e divulgada em outubro de 2020, destaca que as mulheres em cargos de liderança, como gerentes e diretoras, ganham em média 23% a menos que os homens. Em outros níveis hierárquicos, a exemplo de analistas, a diferença chega a 35%. A exceção são os cargos de assistente/auxiliar, no qual as mulheres costumam receber cerca de 2% a mais que os homens.
Se observado o grau de instrução, a diferença aumenta: mulheres com MBA/ especialização, ganham 47% menos que os homens. A pesquisa foi realizada com 10 mil pessoas.
Quando analisado pelo viés de gênero e raça, o cenário é ainda pior. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), as mulheres brancas ganham, em média, 76% da remuneração de um homem branco, enquanto as mulheres negras recebem 43%.
E em 2020, um fato inesperado, a pandemia do novo coronavírus, está colaborando para aumentar ainda mais essa desigualdade. De acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), entre março e novembro de 2020, foram extintos 220 mil postos de trabalho ocupados por mulheres, enquanto foram criadas 107,5 mil vagas para homens.
Outro fator que se intensifica com a pandemia é a violência contra mulher, uma evidência clara do tamanho que é a desigualdade de gênero no Brasil. No primeiro semestre de 2020, período mais intenso de isolamento social, houve no país um aumento de 2% em casos de feminicídio se comparado ao mesmo período do ano anterior, segundo dados do 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
O Ministério Público da Bahia (MP-BA) denunciou entre janeiro e novembro de 2020, pelo menos 69 pessoas por crime de feminicídio, em 32 municípios da Bahia. Só em Salvador foram 17 denúncias. Pelo Disque 180, foram 469 relatos de violência doméstica, números alarmantes, com pandemia ou não.
DERRUBANDO BARREIRAS
E no meio de tantas desigualdades, eis que em outubro do ano passado o conselho de ministros da Espanha aprovou um decreto que proíbe oficialmente a diferença salarial entre homens e mulheres no país. Mais recentemente, já em fevereiro de 2021, o papa Francisco fez história mais uma vez ao nomear duas mulheres para cargos no Vaticano anteriormente ocupados apenas por homens, em um movimento que visa dar às mulheres mais autonomia na Santa Sé.
Francisco escolheu Nathalie Becquart, como subsecretária do Sínodo dos Bispos, onde ela terá o direito de votar em assembleias que, até agora, só tinham a presença de homens, e Catia Summaria, como a primeira mulher Promotora de Justiça no Tribunal de Apelações do Vaticano.
Mas não pense que nós, mulheres, estamos em stand-by aguardando as coisas acontecerem! Ao longo dos anos tem sido cada vez mais comum encontrar mulheres desmistificando conceitos e atuando em profissões, antes dominadas exclusivamente pelos homens. Vale destacar que não existe uma classificação das profissões por gênero, ou seja, não existe esta ou aquela profissão onde apenas um gênero esteja apto a desempenhar. Então, toda essa desigualdade é fruto apenas de convenções sociais antigas e ultrapassadas.
Carolina Rodrigues Souza, 33 anos, é um desses exemplos. Formada como técnica em Eletrônica, começou a trabalhar como eletricista industrial, por visualizar uma oportunidade de renda. Mas nove anos se passaram e o que antes era só trabalho virou paixão. “Hoje não existe mais uma função que seja exclusiva de homem ou mulher. Todos tem que se dedicar e fazer além do que é esperado. Lugar de mulher é onde ela se sente bem e realizada, então tenho orgulho em dizer que cheguei onde estou, com minha dedicação, esforço, humildade e disposta sempre aprender coisas novas; não ter medo dos desafios, e olha que são muitos nessa área”.
Em um ambiente de fábrica, dominado principalmente por homens, é grande o preconceito e o assédio, mas Carolina frisa que não parte apenas dos homens. “Infelizmente o preconceito é grande, piadas e assédio que partem não apenas de homens, mas das mulheres também, que acham que uma mulher só consegue chegar em cargos de destaque quando tem algum envolvimento com chefe”.
A desigualdade está tão enraizada na sociedade que não são raras as situações onde uma mulher sente o preconceito vindo de outra mulher.
Com Jéssica Marcela, por exemplo, motogirl que corta as ruas de Lauro de Freitas fazendo entregas de alimentos, essa situação já aconteceu algumas vezes. “Já enfrentei várias situações desagradáveis, tais como piadinhas indecentes e gestos obscenos, ou ser chamada de ‘mulher-macho’. Certa vez fui fazer uma entrega e a senhora que me recebeu desfez de mim, dizendo que eu tinha que estar trabalhando em casa e não na rua. Respondi que mulher pode fazer qualquer tipo de atividade, desde que a mesma se sinta bem”, contou.
Por mais que seja desagradével, Marcela não perdeu o foco na profissão. “Moro em Lauro de Freitas há 10 anos. Meu primeiro trabalho foi como pizzaiola, depois comecei a entregar comida para uma empresa específica e hoje sou entregadora parceira da plataforma iFood. Já escutei muitos comentários ruins, mas ao mesmo tempo também recebo muitos elogios, tanto dos meus companheiros da pista quanto de muitos clientes. Nunca me senti desmotivada, pelo contrário, cada dia que passa me sinto realizada com o que faço, honrada em poder servir alguém de alguma forma e isso faz eu me sentir útil”.
DIFERENTES GERAÇÕES, A MESMA LUTA
Patrícia Crisóstomo sempre se sentiu vocacionada para ingressar na carreira e seguiu todos os protocolos para conquistar seu espaço como delegada da Polícia Civil. Bacharel em Direito, prestou concurso público, fez o curso de formação e, como todos outros de sua turma, ano de 1998, foi alocada em uma delegacia no interior do estado.
“Lembro que assumimos com o propósito de erradicar um período complicado na polícia, onde alguns delegados agiam sob as ordens diretas de prefeitos, deputados ou de quem lhes tinha oferecido aquele cargo ou qualquer tipo de vantagem. Por si só, isso já era um grande desafio. Mas me deparei também com o machismo, entranhado nas instituições e no consciente coletivo de nosso povo. Então quando assumi o cargo no interior, uma verdadeira multidão, em romaria, começou a visitar a delegacia, abismada, a fim de ver se era verdade que a nova delegada era mulher e preta. As pessoas já entravam pedindo para ver a nova delegada ou ficavam na porta da unidade, de campana, esperando eu entrar ou sair, para me ver”, lembrou.
A tatuadora Larissa Bomfim tem de vida o tempo que Patrícia tem de carreira, mas se olharmos para os preconceitos que ambas viveram, essa diferença no tempo simplesmente desaparece. Larissa conta que seguir a profissão não fazia parte dos seus sonhos de infância, mas há cerca de quatro anos topou a experiência e percebeu que havia encontrado uma profissão que lhe daria uma fonte de renda e prazer.
Mas além de ser uma área dominada por homens, ainda existe o estigma social que associa tatuagens à marginalização, o que torna o desafio ainda maior, já que muitas pessoas nem enxergam o que ela faz como profissão. A saída? Larissa se tornou empreendedora e abriu o seu estúdio de tatuagem, em Camaçari, para atendimento exclusivo à mulheres.
“Acredito que a mulher é livre para fazer qualquer tipo de atividade. Se você se sente capaz, execute seu trabalho da melhor forma possível, o gênero é apenas um detalhe. O ramo da tatuagem não é tão fácil, muitas pessoas marginalizam, porém sempre tentei levar isso de forma leve. São muitos obstáculos, mas nada tão significativo para me fazer desistir. Até porque, lugar de mulher, é em qualquer lugar desse mundo onde ela se sente bem”, afirmou Larissa.
Carolina, Jéssica, Larissa e Patrícia são apenas algumas entre tantas mulheres que diariamente quebram paradigmas e mostram que de frágil o sexo feminino não tem nada. “Para nosso orgulho e fazendo justiça às mulheres que deram a sua contribuição à instituição policial, recentemente foi nomeada para o maior cargo de direção da Polícia Civil da Bahia, uma mulher, Heloísa Campos Brito. É a primeira vez que uma mulher ocupa tal posição no estado da Bahia e para mim só mostra que lugar de mulher é onde ela quiser, de preferência dirigindo nações, ocupando os postos mais altos na estrutura do poder público e de instituições privadas, e levando para dentro destas o carinho e o olhar de mãe, o cuidado para com o outro, o acolhimento e o toque feminino todo especial, que só as mulheres têm e que é capaz de transformar o mundo”, concluiu Patrícia.