(A partir da esq.:) Luana Queiroz, Antônia Faleiro, Anete Pardo, Helena Posener, Ângelo Ramos, Mônica Gargur e Humberto Sérgio em debate na OAB Lauro de Freitas. O tom de esperança por dias melhores para a realidade feminina permeou as intervenções, apesar do cenário sombrio
Um chamado à responsabilidade coletiva no combate à violência contra a mulher esteve no centro da mesa redonda promovida pela subseção local da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em 8 de março. “Verdade, é que não basta a lei”, escreveu a advogada Helena Posener, presidente da Comissão da Mulher Advogada da entidade em poema-prosa exposto durante o debate, que marcou o Dia Internacional da Mulher em Lauro de Freitas. “A sociedade precisa avançar na desconstrução de uma cultura de valores invertidos que sempre resultaram em violência, menosprezo e discriminação”, avançou – “o que se quer e se espera, é que mulheres unidas e homens valorosos contribuam para a erradicação deste quadro, com amor, fé, coragem, força e perseverança”.
O tom de esperança por dias melhores para a realidade feminina permeou as intervenções, apesar do cenário sombrio. Em todo o país, as denúncias de violência contra mulheres aumentarem quase 30% em 2018, quando a Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência – o Disque 180 – registrou mais de 92 mil ligações. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, menos de 10% das cidades do país têm delegacias especializadas no atendimento a mulheres e Lauro de Freitas não é uma delas.
Antônia Faleiro, juíza da 1ª Vara Criminal de Lauro de Freitas, convidada para o debate na OAB, contou que “temos índices vergonhosos de agressões físicas e as reportadas estão muito aquém das efetivamente ocorridas”. A psicóloga Mônica Gargur explicou que isso ocorre muito em função da cultura vigente: “para que é que eu vou me expor se isso depois vai virar contra mim?” – argumentou.
A magistrada defendeu que “o primeiro destinatário do nosso discurso [anti-violência] somos nós mesmos”, até porque há “pequenas violências do dia a dia travestidas de gentileza”, como desmerecer o outro com base em preconceitos elogiosos. Faleiro destaca que a violência revela o desejo de supremacia de um corpo sobre outro corpo, denunciando que “a nossa cultura é a do macho branco no comando”.
É do Juízo de Antônia Faleiro que partem, em Lauro de Freitas, as ordens de medidas protetivas de mulheres ameaçadas por violência. Quem as cumpre é a tenente PM Luana Queiroz, da 52a CIPM, no comando da Ronda Maria da Penha na cidade, que também participou do debate.
A tenente explicou que o papel da Ronda não é, como a maioria das pessoas pensa, patrulhar as ruas atenta a atos de violência contra a mulher, mas fazer a proteção ativa das mulheres ameaçadas, em visitas periódicas à residência, por exemplo. A ideia é mostrar aos potenciais agressores que a polícia está atenta.
Luana Queiroz explicou que também participa do treinamento de policiais militares para lidar com situações de violência doméstica, indicando formas de atuar para efetivamente atender uma vítima que pede socorro, por exemplo.
Uma das queixas de Helena Posener é justamente a dificuldade de fazer com que a polícia “leve um agressor preso” quando uma mulher é ameaçada. E se a lei não basta, “muitos homens esclarecidos desconhecem a Lei Maria da Penha”, atesta.
Por isso, na opinião dela, “as leis precisam ser trabalhadas nas escolas”. Definindo homens agressores como doentes, Posener afirma que “estamos retrocedendo porque falta educação de base”. Ângelo Ramos, presidente da subseção da OAB, que também participou do debate, sustentou que homens e meninos também devem ser trabalhados para uma mudança de mentalidade, e não só as mulheres.
A violência psicológica, que “é uma das maiores que se pode fazer”, também preocupa a presidente da Comissão da Advogada Mulher. “A dor moral se banalizou”, verifica. E conclui: “chegamos na agressão física porque não combatemos a violência psicológica e moral”.
O advogado Humberto Sérgio, outro participante do debate, concorda com Posener. “A lei tem que cumprir o seu papel, mas não vai resolver o problema”, afirmou. E defendeu que “não é a punição” que resolve, “mas a certeza da punição” caso o crime seja cometido.
Para ele, a cultura patriarcal vigente tem responsabilidade no atual estado das coisas. “Sou irmão de cinco mulheres, tenho três filhas”, contou – “até o gato lá em casa é fêmea”. Mas “minha mãe era machista: numa casa com tantas mulheres, meu filho vai lavar prato?” – dizia.
Anete Pardo, que participou do evento representando a Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres, falou sobre as atividades do Centro de Referência Lélia Gonzalez (CRLG), ligado ao departamento de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, que atendeu 1.449 mulheres vítimas de alguma forma da violência doméstica entre janeiro e outubro do ano passado. De acordo com ela, o Plano Municipal de Políticas para Mulheres será apresentado em breve.
Implantado no município há quase 13 anos, na primeira gestão da prefeita Moema Gramacho (PT), o CRLG conta com o apoio da Ronda Maria da Penha desde março de 2018. Um dos serviços prestados pela Ronda junto ao Centro é o acompanhamento de mulheres até às residências para fazer valer determinações judiciais, para retirar pertences – ou para remover o agressor resistente da residência.