Como psicóloga, tenho testemunhado inúmeras vezes o quanto os lutos são uma parte inevitável e intrínseca de nossa existência. No entanto, mais intrigante do que as rupturas que enfrentamos são aqueles que evitamos. Sim, os lutos que, em nossa tentativa de evitar o sofrimento deixamos inacabados, não elaborados, sem sentido.
Mas o que acontece com esses lutos? E por que é tão importante enfrentá-los?
Ao longo do exercício da minha profissão, percebi que muitas pessoas associam o luto exclusivamente à perda de entes queridos. Embora essa seja uma das formas mais reconhecidas e dolorosas de ruptura, não é a única. Enfrentamos lutos ao perder um emprego, chegada da aposentadoria, filhos que crescem, ao término de um relacionamento, ao mudar de cidade, tratamento de uma doença, projetos fracassados, perdas financeiras, ao abandonar um sonho ou até mesmo ao perceber que envelhecemos e algumas oportunidades que se foram.
Todos esses são ciclos que se fecham em nossa vida e cada um carrega consigo a necessidade de um luto próprio, singular.
Evitar o luto é uma tentativa de fuga, uma defesa e forma de negar a realidade da perda, uma certa ilusão que nos prende a ideia de que podemos ter tudo. No entanto, essa evitação não impede que o luto aconteça, apenas o transforma em algo mais complexo e prolongado. Quando evitamos as rupturas que fazem parte da vida, não encarando a realidade deixamos de fechar os ciclos, criando um peso emocional que carregamos sem perceber. É como tentar ignorar ou esconder uma ferida que, sem tratamento, apenas piora com o tempo.
Lembro-me de uma paciente, vamos chamá-la de Maria, que evitava lidar com o término de um relacionamento significativo. Ela se lançava em projetos e atividades para ocupar seus pensamentos, mas a tristeza e a frustração persistiam. Não era apenas o fim do relacionamento que a afetava, mas o fato de que ela estava distraída dela mesma e não si permitia sentir a dor, processá-la e e seguir em frente, fazendo escolhas livres e responsáveis sobre seus afetos. Sua vida estava em suspenso, presa em um ciclo inacabado, que ocupava um espaço no tempo e que pedia atitudes.
A vida sempre continua. Este é um dos princípios mais fundamentais da existência humana. E é na compreensão dessa continuidade que encontramos a chave para enfrentar nossos lutos. Não se trata de esquecer ou minimizar a perda, mas de reconhecer que cada fim carrega em si a semente de uma nova possibilidade. Quando permitimos que um ciclo se feche, abrimos espaço para que outro comece.
É aqui que entra a perspectiva da abordagem Logoterapia, que busca encontrar sentido na experiência humana, mesmo e talvez especialmente nas experiências de perda. Viktor Frankl, o fundador da abordagem psicoterapêutica Logoterapia e Analise Existencial, nos ensina que a busca pelo sentido é uma força motivadora fundamental.
Quando enfrentamos uma ruptura, somos desafiados a encontrar um sentido para nossa vida, uma nova forma de existir. Isso não significa que o processo seja fácil ou rápido. Cada pessoa tem seu próprio tempo e forma de lidar com os desafios. O importante é não se esquivar deles. A dor do luto, quando confrontada, tem o poder de transcender. Ela nos convida a uma reflexão profunda sobre quem somos, sobre o que importa e sobre como e “para quê” queremos seguir em frente.
E é nesse processo de enfrentamento que as oportunidades começam a surgir. Quando nos permitimos nos despedir de um ciclo, abrimos espaço para novas possibilidades. Isso não significa que esquecemos o que perdemos, mas que integramos essa perda em nossa história de vida, permitindo que ela nos impulsione para novas direções.
É claro que cada experiência de luto é única, e as formas de encontrar novas oportunidades são múltiplas. O importante é manter-se aberto para o que a vida nos convida. Quando deixamos de evitar o luto e enfrentamos nossas perdas com autenticidade, nos damos a chance de renascer.
Como psicóloga, meu papel é guiar meus pacientes nas vivências profundas, ajudando-os a encontrar sentido em suas experiências de perda e a descobrir as oportunidades que surgem quando estamos mentalmente abertos e conscientes. Afinal, a vida é quem faz as perguntas, e cada fim é, na verdade, um novo começo esperando para ser vivido.
Nádia Queiroz, Psicóloga (CRP 03/3633)



Muito desafiador ter consciência da necessidade de despedidas ao longo do caminho, realizar nosso prejuízo e só assim, possibilitar um novo começo e principalmente um novo sentido… obrigada por me fazer refletir.