A poluição sonora alcançou níveis críticos, influenciando no aumento da violência e mortes por todo o país. O que antes era tratado como um “pequeno incômodo” e, muitas vezes, resolvido com uma conversa entre vizinhos, virou caso de polícia.
Hoje, associado a outros crimes ainda mais graves, o som, em volumes acima dos limites máximos permitidos por lei, tem sido um potente “ingrediente” em festas clandestinas, onde o comércio e consumo de drogas demarcam territórios, muitas vezes de difícil acesso até mesmo para as equipes de segurança pública, abrindo precedentes perigosos para que a desordem vire regra em áreas urbanas e rurais.
Quando o som vira doença
A exposição prolongada a altos níveis de ruído causa estresse, insônia, ansiedade, hipertensão e contribui para doenças cardiovasculares. Esses problemas de saúde repercutem diretamente na vida escolar e profissional: alunos têm queda no rendimento e trabalhadores apresentam perda de produtividade, o que compromete não apenas trajetórias individuais, mas também o desenvolvimento econômico das cidades e regiões.
Em janeiro, o Ministério Público da Bahia (MPBA), em conjunto com a Prefeitura de Salvador, lançou uma campanha de conscientização contra a poluição sonora. Embora Salvador concentre a atenção da mídia, os problemas se espalham por diversas cidades baianas onde além dos veículos, bares, restaurantes e até o comércio de rua frequentemente desrespeitam a legislação.
Em junho, o ICS – Instituto Cidades Sustentáveis e o Ipec – Inteligência em Pesquisa e Consultoria, divulgaram o resultado da “Pesquisa Viver nas Cidades: Meio Ambiente e Mudanças Climáticas”, com dados inéditos sobre a percepção da população urbana em dez capitais brasileiras em relação aos problemas ambientais locais e aos impactos das mudanças climáticas. O estudo revelou que a poluição sonora é o segundo problema ambiental mais citado, mencionada por 34% dos respondentes, abaixo apenas da poluição do ar, com 52%. Salvador foi a capital que liderou em percepção de poluição sonora com 44%.
Embora o estudo do ICS / Ipec, tenha tornado público dados importantes em âmbito nacional e voltado para dez grandes capitais, a realidade de muitas cidades vizinhas das grandes metrópoles também necessita de estudos específicos e que podem contribuir com o planejamento urbano e regional, focando em questões cujos impactos negativos já estão comprometendo a qualidade de vida e gerando graves prejuízos à economia, como é o caso da poluição sonora.
Em Lauro de Freitas, cidade vizinha da capital Salvador, a poluição sonora alcançou patamares similares aos das grandes cidades, com casos que se desdobraram em ocorrências de violência e mortes. Com uma área de apenas 57,942 km² (IBGE, 2024), a cidade ocupa o primeiro lugar em densidade demográfica do estado baiano, o que pode ser considerado um agravante.
Avisos não faltaram
A Vilas Magazine é um dos veículos de comunicação que mais publicou reclamações sobre o barulho excessivo em Lauro de Freitas. Desde a sua edição número 3, em março de 1999, diversas queixas sobre as “Lavagens de Vilas”, por exemplo, foram encaminhadas à redação.
Diante do grande aumento das ocorrências, a Polícia Militar da Bahia deflagrou, em setembro, a “Operação paredão” contra a poluição sonora, intensificando o combate às práticas ilegais que envolvem equipamentos sonoros potentes. A iniciativa foi divulgada através dos veículos de comunicação, intensificada por emissoras de televisão e as Companhias Independentes de Polícia Militar (CIPM) estão reforçando nas redes sociais, disponibilizando os canais para denúncias.
Comandante do Policiamento Regional Atlântico (CPRC-A) e também do Comando de Policiamento Regional Baía de Todos os Santos (CPRC-BTS), o coronel Mattos, destacou que as situações recorrentes podem ser denunciadas, de forma anônima, através do telefone 181 e as ocorrências imediatas e não previstas, através do telefone 190. “Mais de 50% dos chamados pelo 190 são sobre poluição sonora e perturbação do sossego. A população já não aguenta mais”, declarou o major Hugo Marcel, comandante da 48º CIPM. Dentre as companhias independentes de Polícia Militar existentes, duas estão sediadas em Lauro de Freitas: a 52ª CIPM, no Centro, e a 81ª CIPM, em Itinga.
Atenção a legislação e mapeamento das fontes de ruído

Embora a atuação da Polícia Militar seja muito importante para coibir as ocorrências, principalmente em locais que oferecem maior risco às equipes de fiscalização, os órgãos públicos precisam atuar de forma integrada. “O problema não se restringe aos paredões. Em Lauro de Freitas temos recebido muitas reclamações de ocorrências em residências e estabelecimentos comerciais. A legislação precisa ser obedecida. Recentemente recorremos ao Ministério Público e conseguimos, através do Tribunal de Justiça da Bahia, a derrubada de uma lei municipal inconstitucional que buscava flexibilizar o barulho”, afirma Hendrik Aquino (foto), coordenador do Movimento Chega de Poluição Sonora e especialista em planejamento urbano e gestão de cidades.
Segundo a prefeitura de Lauro de Freitas, entre janeiro e a primeira semana de julho de 2025 foram registradas 465 denúncias de poluição sonora por meio do Centro Integrado de Operações (CIOP) e de um canal de WhatsApp. O bairro de Vida Nova liderando o ranking, com 24,9% dos registros, seguido por Itinga (19,14%) e Vilas do Atlântico (14,6%).
A sociedade civil o poder público
Por iniciativa do Movimento Chega de Poluição Sonora um monitoramento das ocorrências tem sido feito desde janeiro e as informações, atualizadas até 28 de setembro, apontam que as principais fontes de ruído reclamadas são provenientes das residências (45,53%). O comércio ficou em segundo lugar com 31,71% e os ruídos gerados através de veículos ocuparam a terceira posição com 14,63%. Os eventos de rua ficaram na quarta posição, empatados com a opção “Não sei informar”, com 4,07%. Os dados foram coletados por formulário eletrônico através de informações de 123 vítimas.
“Graças ao mapeamento feito a partir da participação das vítimas está sendo possível identificar os dias, horários e bairros com maior e menor ocorrência, além de monitorarmos as principais fontes de ruído. Estes dados são divulgados e repassados para a prefeitura como forma de colaborar para o planejamento de ações de educação ambiental e melhor aplicação das leis”, diz Aquino.
Sobre as ocorrências por bairros, o Movimento Chega de Poluição Sonora elaborou um mapa classificando os registros reportados em 5 faixas onde a primeira corresponde aos bairros do Centro, Vila Praiana, Itinga e Ipitanga, que, juntos, representam 66,67% das reclamações (de 16 a 30 ocorrências). Na segunda faixa, Vilas do Atlântico com 8,9% (de 10 a 15 ocorrências). Na terceira faixa o bairro de Vida Nova com 8,1% (de 5 a 10 ocorrências). Na quarta faixa os bairros do Caji, Capelão, Parque São Paulo, Pitangueiras, Quingoma, Recreio Ipitanga, Aracuí, Buraquinho e Portão, representando 16,3% (de 1 a 5 ocorrências) e, na quinta faixa, os bairros de Areia Branca, Barro Duro, Caixa Dágua e Jambeiro, que não tiveram registros de ocorrências reportadas através do formulário.
O que diz a lei?
O Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) em resolução de 01/03/1990 determina que a emissão de ruído deve obedecer a NBR 10151 (norma da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT), com o intuito de garantir o sossego público, a saúde da população e o conforto da comunidade.
Denúncias e canais de atendimento
A Prefeitura de Lauro de Freitas informa que as denúncias podem ser feitas pelos números (71) 3289-5427 (WhatsApp) e (71) 3369-1741 (telefone). Já a Polícia Militar da Bahia recebe denúncias pelos números 190 e 181 (Disque Denúncia). O Movimento Chega de Poluição Sonora também disponibiliza seu formulário online, orientando os cidadãos a priorizarem os canais oficiais antes de recorrer ao movimento.


