Salvador rejeita ceder território a Lauro de Freitas

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O plenário da Assembleia Legislativa tomado por manifestantes de Lauro de Freitas: contra a suposta invasão de Areia Branca e Itinga
 
Falando em nome da prefeitura de Salvador, o deputado estadual Luciano Ribeiro (DEM) disse que a capital não pretende abrir mão de qualquer parcela de território em favor de Lauro de Freitas. O posicionamento, formalizado na última reunião da Comissão Especial de Assuntos Territoriais da Assembleia Legislativa, contraria acordo técnico do ano passado entre as duas prefeituras, fruto de negociações comandadas pela Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais (SEI), do governo do Estado e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
 
Valmar d´Alexandria, técnico da SEI que participou de audiência anterior, também em outubro, reafirmou que os dois municípios foram ouvidos e que “construímos a nossa proposta com base nisso”. Pelo acordo, Ipitanga seria definitivamente entregue a Salvador, o Barro Duro seria transferido para a capital, Areia Branca seria incorporada até a BA-526 e a faixa de mil metros de Itinga que pertence a Salvador seria partilhada seguindo a linha do rio Itinga. A área da Quinta Portuguesa, por ter um acesso pela rodovia, seria recortada para permanecer integralmente em Salvador.
 
Entretanto, a prefeita Moema Gramacho (PT), de Lauro de Freitas, já havia dito que não estava satisfeita com o acordo. Para ela, os termos não atendiam os interesses de Lauro de Freitas. Agora a prefeitura de Salvador mandou avisar que pretende apenas manter os limites atuais, sem discutir mais nada.
 
Para o vereador de Lauro de Freitas César Nascimento (PP), que participou da reunião, o prefeito ACM Neto, de Salvador, “é inimigo da nossa cidade”. Já para o vereador Antônio Rosalvo (REDE), também presente, a questão é financeira. “Neto quer tomar os recursos gerados pelo metrô”, afirmou.
 
De acordo com a prefeitura de Lauro de Freitas, Luciano Ribeiro “informou que [eles] não vão abrir mão das estações de transbordo e do metrô”. Mantidos os limites atuais, tanto o terminal de ônibus como a estação Aeroporto do metrô ficaria em território de Salvador. De acordo com Rosalvo, Luciano Ribeiro foi “curto e grosso” e a reunião não durou nem uma hora. “Ele disse que não havia muito o que discutir, que eles pretendiam manter os limites atuais e ponto final”, conta.
 
Em resposta, Moema Gramacho disse que “é preciso consultar o povo, mesmo antes da Comissão tomar uma decisão”. A prefeita elencou todos os equipamentos e serviços públicos de Lauro de Freitas nas localidades pertencentes a Salvador para provar que não é a prefeitura da capital que administra aquelas áreas – e voltou a pedir diálogo direto com ACM Neto.
 
É necessário buscar um acordo entre as duas prefeituras porque, de acordo com o deputado Ângelo Coronel (PSD), presidente da Assembleia Legislativa, sem isso nenhuma proposta de revisão de limites irá a votação no plenário. Em entrevista à Vilas Magazine, Coronel explicou que se trata de “uma praxe da Casa” tratar de limites sempre por acordo entre as partes. “Nós só vamos colocar para votar se houver acordo entre os gestores dos dois municípios”, garantiu – se não houver acordo, “o projeto fica engavetado”. Enquanto não houver nova lei redefinindo limites ou decisão judicial nesse sentido, valem os limites estabelecidos em 1969 e que estão em vigor.
 
MANIFESTAÇÃO
Uma audiência pública anterior, também em outubro, acabou em manifestação política pela incorporação das parcelas de Areia Branca, Itinga e Ipitanga que pertencem a Salvador – mas foram desde sempre administradas por Lauro de Freitas. A Câmara Municipal suspendeu a sessão do dia para que os vereadores e a população pudessem participar da audiência pública. De acordo com informação da Câmara, três ônibus estavam programados para sair da cidade em direção à Assembleia Legislativa.
 
Centenas de pessoas compareceram com camisetas especialmente preparadas para a ocasião, a maioria delas com um infográfico da Vilas Magazine impresso, mostrando a discussão dos limites territoriais com Salvador. O grupo defendia a posição da prefeitura de Lauro de Freitas.
 
Prefeita Moema Gramacho discursa no plenário da Assembleia: acordo não servia interesses de Lauro de Freitas 
 
Prevista para acontecer no auditório da Comissão, a audiência foi primeiro transferida para um espaço maior e depois para o plenário principal da Assembleia Legislativa, tamanha foi a afluência de populares de Lauro de Freitas.
 
Representando a capital estiveram presentes apenas a vereadora Aladilce Souza (PCdoB) e Elba Guimarães Veiga, coordenadora setorial da Secretaria de Desenvolvimento e Urbanismo de Salvador (Sedur). Enquanto a plateia se manifestava contra a suposta anexação de Areia Branca e Itinga por Salvador – por meio da lei que recentemente reorganizou os bairros da capital – Elba Veiga se esforçava para explicar que “Lauro de Freitas e Salvador estabeleceram os bairros respeitando os respectivos limites” e que ninguém tinha invadido território alheio, dispondo-se a rediscutir o assunto. A rediscussão, que acabou definida como resultado final da audiência pública, seria depois descartada por Luciano Ribeiro.
 
A reportagem sobre o zoneamento postal publicada às páginas 8 a 13 desta edição, mostra que os bairros de Lauro de Freitas estão contidos nos limites oficiais do município – até porque os Correios não atribuem CEP de uma cidade em território de outro. Nas parcelas de Areia Branca e Itinga que formalmente são território de Salvador, o CEP é da capital.
 
Na região conhecida por Areia Branca, assim como em Itinga, há uma faixa de território de mil metros a partir da BA-526 (CIA-Aeroporto) que pertence a Salvador. Essas áreas estavam anteriormente integradas a outros bairros da capital. Uma nova lei definiu aqueles trechos como os bairros de Areia Branca e Itinga.
 
O movimento já tinha sido recebido como tomada de posição de Salvador em relação à revisão de limites, indicando pouca disposição da capital para ceder território, mesmo aquele que nunca administrou. A prefeita de Lauro de Freitas argumenta que nenhum dos dois bairros agora demarcados atende aos requisitos estabelecidos pelo próprio município de Salvador para identificar um bairro. Entre eles, haver escola pública, unidade de saúde e transporte público – de Salvador.
 
Em atendimento a esses pressupostos é que a faixa de Ipitanga que pertence a Salvador foi incorporada ao novo bairro de Stella Maris, que abrange ainda o Flamengo. Ali também não há qualquer desses serviços públicos.
 
Os limites entre Lauro de Freitas e Salvador vêm sendo rediscutidos desde 2007, com base em lei estadual que prevê a incorporação formal dos territórios pelo município que efetivamente os administra. Essa é uma das linhas que orientam os trabalhos da comissão técnica encarregada de propor à Assembleia Legislativa os novos traçados.
 
Manifestantes com camisetas estampadas com infográfico da Vilas Magazine: mobilização popular
 
O deputado estadual Rosemberg Pinto (PT) defende que os novos limites sejam traçados pela linha da BA-526, incorporando a Lauro de Freitas toda a área que hoje Salvador define como os bairros de Areia Branca e Itinga. O deputado defende ainda que Ipitanga pertença a Lauro de Freitas, mas disse que o caso do loteamento Marisol “deve ser discutido”. O Marisol ocupa praticamente toda a área de Ipitanga que pertence a Salvador.
 
Não há sinal de que os moradores do Marisol concordem em retornar à administração de Lauro de Freitas, como acontecia até 2014. Há três anos a prefeitura local firmou termo com Salvador para que a capital passasse a administrar efetivamente a área, que lhe pertence desde 1969. Desde então a prefeitura de Salvador vem prestando serviços ali.
 
O mesmo não ocorre em Areia Branca e Itinga, onde o poder público de Salvador nunca esteve e ainda não está presente. Ali a população reafirma identidade com Lauro de Freitas. Somente com a criação do zoneamento postal é que as pessoas se deram conta de que, na verdade, residem em território de Salvador. Agora que o CEP único foi eliminado, tornou-se necessário informar o CEP específico da rua para, por exemplo, fazer compras online. Nessa busca é que muita gente descobriu que mora na capital.
 
O debate na Comissão Especial de Divisão Territorial da Assembleia Legislativa sobre os limites entre Lauro de Freitas e Salvador foi iniciado em 2007, quando a prefeita Moema Gramacho solicitou uma verificação. Ancorado na Lei Estadual 12.057/2011, o projeto de Atualização dos Limites Intermunicipais da Bahia é fruto de parceria entre a SEI, representante do poder Executivo e responsável pela coordenação do trabalho, o IBGE e a Comissão Especial de Assuntos Territoriais e Emancipação da Assembleia Legislativa.
 
Limites: ACM Neto busca alterar os fatos
Não é correto que o prefeito de Salvador só agora resolva assumir responsabilidades sobre as parcelas de Itinga e Areia Branca que pertencem a Salvador, mas sempre foram administradas por Lauro de Freitas. Agora que a revisão de limites está sendo discutida na Assembleia Legislativa, é hora de reconhecer que aquelas áreas sempre foram servidas pela Prefeitura de Lauro de Freitas e chegar a um acordo.
 
A lei da revisão de limites diz que o território deve ser oficialmente incorporado por quem o administra de fato. Por isso, toda a região conhecida como Itinga, Areia Branca e Ipitanga devem ser oficialmente integradas ao território de Lauro de Freitas.
 
O que o prefeito de Salvador está tentando, depois de décadas de ausência, é alterar os fatos no preciso momento em que eles se tornam relevantes. Para atender ao que a lei diz, Salvador resolve, da noite para o dia, que o Lindóia merece atenção.
 
Isso é o que realmente está por trás do projeto de requalificação de uma pequena praça na confluência das ruas Arlene da Cruz Sales e Antônio Moreira. O local, apesar de afetivamente, culturalmente, administrativamente, fazer parte de Lauro de Freitas, ainda pertence oficialmente ao território de Salvador.
 
A mesma manobra se deu na parte de Ipitanga e do Loteamento Marisol que oficialmente pertence a Salvador, mas que desde sempre foi administrada por Lauro de Freitas, diante da absoluta ausência da Prefeitura de Salvador.
 
Salvador só passou a prestar serviços públicos em Ipitanga mediante o acordo de revisão de limites de 2014, que não foi concretizado. A capital aproveitou-se da negociação para, da noite para o dia, assumir responsabilidades naquela região sem entregar a contrapartida a Lauro de Freitas. O que o prefeito de Salvador realmente fez foi aumentar em 300 vezes o valor do IPTU naquela região, mas hoje já pode alegar que administra de fato Ipitanga.
 
O domínio territorial no Lindóia é oficialmente de Salvador, assim como do Capelão, parte do Jardim Tropical, do Quinta da Glória e em muitas outras localidades, todas sujeitas a receber um carnê de IPTU de Salvador com aumentos semelhantes. Mas a prefeitura de Salvador nunca pregou um prego no sabão naquelas ruas. E agora, diante da lei de revisão de limites, pretende alterar a realidade. Esses são os fatos.
 
É imoral que Salvador aborde essas comunidades agora, na intenção de encher os cofres com a receita inflada do IPTU de Salvador, prometendo a requalificação de praças, o asfaltamento de ruas, melhor iluminação pública, seja o que for, como se a identidade da população estivesse à venda.
 
Durante décadas a Prefeitura de Lauro de Freitas sangrou os seus cofres para atender aquelas populações, sem aumentar o IPTU além da correção da inflação e sem receber a devida contrapartida no Fundo de Participação dos Municípios, das verbas para a Saúde, que são calculadas proporcionalmente ao número de habitantes do município.
 
Mais que isso, durante décadas os serviços de Saúde de Lauro de Freitas atenderam e continuam atendendo a população dos bairros mais próximos de Salvador, de São Cristóvão, de Itapoã, simplesmente porque a capital não conseguia oferecer atendimento adequado. E tudo isso sem receber um centavo para ajudar a pagar os custos. Muitas vezes os gestores de Lauro de Freitas pediram que se fizesse um encontro de contas, mas nem isso foi levado em conta.
 
O mais grave é que toda a população de Lauro de Freitas, ao longo de décadas, abriu mão da totalidade dos serviços e do atendimento que lhe seriam devidos para custear a leniência, a incompetência dos gestores de Salvador, para não dizer mais, e atender todos, solidariamente.
 
No momento em que se discute a revisão de limites, para colocar as coisas no seu devido lugar, o prefeito de Salvador quer alterar os fatos em seu próprio benefício. É isso que não está correto.
 
Lauro de Freitas, 2 de novembro de 2017
Antônio Rosalvo Batista Neto
Vereador de Lauro de Freitas (REDE)

 

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