O diagnóstico e o tratamento precoces mudaram a imagem do câncer de mama, que deixou de ser uma sentença de morte. Mas ele continua sendo o tumor que mais mata mulheres no Brasil e o segundo mais frequente – só perde para o câncer de pele não melanoma. As estimativas de 2016, ainda não confirmadas, eram de 57 960 novos casos e 14 388 mortes. Infelizmente, com maior prejuízo para a mulher pobre, a quem as atenções chegam por último.
A desigualdade no acesso ao atendimento médico e aos exames produz a gritante diferença: enquanto nos serviços privados 90% dos nódulos malignos são detectados em estágios iniciais, quando as chances de cura alcançam 95%, no sistema público 60% das pacientes recebem a notícia com a doença já avançando. Para elas, as possibilidades de se livrar do tumor não chegam a 30%.
O tamanho do nódulo pode ser também indicativo dessa triste realidade. Onde existem bons recursos para a investigação, a descoberta de tumores muito pequenos se torna mais fácil. O médico Antônio Luiz Frasson, presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia, cita o Hospital Albert Einstein, em São Paulo. “Ali, a média de diâmetro dos tumores identificados equivale à dos melhores centros da Europa e dos Estados Unidos, 1,5 centímetro”, afirma. Já no sistema público, a metade dos tumores é descoberta quando eles atingiram 5 centímetros. A conclusão é dos pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).
O maior responsável por esse problema é a demora para dar o diagnóstico diferencial, segundo a mastologista Maira Caleffi, presidente voluntária da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama). “As mulheres conseguem fazer a mamografia, mas o gargalo aparece depois, na hora da biópsia, que permitirá confirmar se o nódulo é benigno ou maligno.” Segundo a médica, elas têm de esperar em uma longa fila ou correr para um laboratório particular. “Para isso, terão de gastar de 500 a mil reais”, diz.
Há um projeto de lei no Congresso Nacional para estipular o tempo até o diagnóstico final em torno de 30 dias depois da ida ao médico – a exemplo do que ocorre com o tratamento de todos os tipos de câncer. A lei determina que a etapa terapêutica seja iniciada em até 60 dias após o resultado positivo da biópsia. “Se aprovada, a nova medida reduzirá o diagnóstico tardio, a mortalidade e os gastos com câncer de mama”, afirma Maira, que chefia o Serviço de Mastologia do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre.
NO SUS, AS DROGAS CHEGAM DEPOIS
Também contribui para a mortalidade a demora na inclusão de remédios de última geração no Sistema Único de Saúde (SUS). Em agosto, a Femama comemorou a incorporação de uma droga que faz parte de uma nova classe de medicamentos chamada de terapia-alvo. O trastuzumabe é utilizado no mundo inteiro há 15 anos em pacientes com um tipo específico e agressivo de câncer de mama, o HER2 positivo. “Na lista da Organização Mundial da Saúde, essa droga faz parte das opções terapêuticas básicas de combate à doença”, explica Maira. “Mas, no Brasil, só estava disponível no sistema público para tumores iniciais. Era uma tristeza”, conta. Como a maioria chega ao SUS com a doença avançada, não se podia usar esse medicamento. Adotavam-se somente quimioterápicos, que são mais antigos e menos eficazes. “Sou coautora de um artigo mostrando que esse procedimento ocasionou 800 mortes por câncer de mama em dois anos”, comenta. Publicada em 2 de agosto, a portaria que determina a inclusão do trastuzumabe prevê o prazo de seis meses para os hospitais públicos passarem a oferecê-lo a pacientes com câncer metastático. Assim, o acesso à droga só será possível a partir de fevereiro de 2018.
O maior desejo da comunidade médica é dar um passo além: intervir ainda mais precocemente, de modo a impedir o surgimento do tumor. Cientistas do Fundo Mundial para Pesquisa do Câncer (WCRF, na sigla em inglês) e do Instituto Americano para Pesquisa do Câncer (AICR) calculam que pelo menos 30% dos casos de câncer de mama podem ser evitados.
As duas instituições mantêm um grupo de experts que periodicamente revisa estudos sobre a relação do estilo de vida com o desenvolvimento de um nódulo maligno no seio. Em 2010, o grupo publicou o primeiro relatório com foco na prevenção do câncer de mama. Em maio deste ano, foi lançado o segundo, que avaliou 119 estudos, abrangendo 12 milhões de mulheres ao redor do mundo. “Não há garantias quando o assunto é câncer”, disse a nutricionista Alice Bender, do AICR, no evento. “Mas é empoderador saber que se pode fazer algo para a proteção.” A conclusão aponta quatro estratégias principais para diminuir o risco.
AS ESTRATÉGIAS DE OURO
Intensificar o treino
Ser fisicamente ativo já reduz o perigo. O relatório destaca que caminhar depressa, correr ou pedalar rápido na bicicleta diminui em 17% o risco de ter a doença antes da menopausa e em 10% depois. A caminhada moderada e a hidroginástica leve são benéficas, sobretudo após a menopausa, quando a maioria dos tumores de mama aparece. “Uma vez tratado o câncer, as que aderem a um programa bem planejado ficam menos sujeitas ao retorno da doença”, afirma o oncologista Max Mano, do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Ele lembra que quem nunca treinou deve procurar a ajuda de um educador físico.
Manter um peso saudável
Evitar a obesidade ao longo da vida e especialmente na pós-menopausa é essencial. O excesso de peso aumenta o risco de vários tipos de câncer e também de diabetes e problemas cardíacos. “Os depósitos de gordura produzem estrogênio, que favorece o crescimento dos tumores”, explica o mastologista Frasson. Esse cuidado é ainda mais relevante para quem já teve a doença. Uma forma rápida de checar se o seu peso está de acordo é medir a circunferência da cintura. Ela deve ficar abaixo de 88 centímetros.
Limitar o álcool
Apesar de ser considerado bom para o coração, beber meia taça de vinho por dia eleva o risco na pós-menopausa e possivelmente na pré-menopausa. O drinque-padrão fornece 14 gramas de álcool em 100 mililitros. E bastam 10 gramas de álcool diários para causar problemas. “Ele é metabolizado no fígado e também na mama”, afirma Max Mano. “O consumo rotineiro produz danos ao DNA e pode desencadear a sequência de eventos que conduzem ao câncer.” Há evidências claras de que a bebida esteja ligada a diversos tumores e seja ainda mais nociva para as mulheres.
Melhorar a dieta
Vários estudos analisados mostravam que alimentos ricos em carotenoides (espinafre, couve, brócolis, cenoura, damasco), fibras (frutas, verduras e grãos) e cálcio (laticínios) abaixam o risco de ter câncer de mama. O relatório afirma, porém, que as conclusões desses trabalhos não são definitivas. Portanto, essa recomendação tem peso menor do que as outras três. Mas Frasson faz uma ressalva: vale a pena consumir mais frutas e vegetais pelos benefícios gerais à saúde e pelo auxílio no controle de peso. Ele orienta, ainda, a limitar a ingestão de carne vermelha e de processados, como bacon e presunto.
A revisão dos 119 estudos reafirma não ser possível modificar algumas características que representam risco, como a tendência familiar, o fato de menstruar mais cedo, de entrar mais tarde na menopausa ou de ter mamas muito densas (que se mostram mais suscetíveis ao estímulo hormonal). Mas Frasson aponta que, teoricamente, dois outros fatores poderiam ser alterados para favorecer as mulheres – embora eles estejam na contramão da vida contemporânea. “Ter filhos antes dos 30 anos e amamentar, no mínimo, por seis meses protege contra o tumor nas mamas”, diz. Para complicar, o câncer é uma doença multifatorial – os elementos de risco interagem entre si e um potencializa o outro.
MAMOGRAFIA VALIDADA
A principal aliada continua sendo a mamografia, que detecta tumores antes mesmo de serem palpáveis. Há, no entanto, divergências na indicação do exame. Entidades como a Sociedade Brasileira de Mastologia defendem que a radiografia das mamas seja realizada anualmente a partir dos 40 anos. Já o Instituto Nacional do Câncer e órgãos públicos recomendam incluir o exame na rotina a partir dos 50 anos, e a cada dois anos.
Se houver histórico da doença em mãe, irmã ou em pelo menos dois familiares de primeiro grau, o rastreamento começa mais cedo. Dez anos antes da idade em que o tumor apareceu no parente próximo. Mediante suspeita de predisposição hereditária, aconselham-se também testes genéticos.
Hoje mais simples, custando, porém, cerca de 1,5 mil reais, eles avaliam 81 genes. Os mais conhecidos são o BRCA 1 e o BRCA 2. “Esses genes funcionam como guardiões na destruição de células defeituosas”, explica Mano. “Quando há mutação em um deles, o mecanismo de proteção falha e o risco de câncer chega a 80%.”
A partir da constatação de problemas, três providências podem ser tomadas: acompanhamento mais rigoroso, por meio de mamografia e ultrassom das mamas anuais e de ressonância magnética a cada dois anos; uso de fármacos para bloquear a ação do estrogênio, como o tamoxifeno; e a mastectomia preventiva, que remove o núcleo da mama, preservando a pele e o mamilo, com reconstrução do seio no mesmo procedimento. “O mais eficiente é essa cirurgia, que derruba em 95% o risco de câncer”, esclarece o oncologista.
O bloqueio hormonal ajuda parcialmente, mas na colateralidade traz ondas de calor e maior risco de trombose.