Vilas do Atlântico perde morador pioneiro, que se destacava na luta pela preservação da qualidade de vida do bairro

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Foi com pesar que recentemente tomei conhecimento da morte de Galdino Ernesto Santucci, um dos moradores que mais se destacaram na luta pela melhoria da qualidade de vida de nosso bairro.

Vale lembrar o texto de sua crônica publicada na edição do Jornal de Vilas de maio de 1987 na qual revela sua decepção em não encontrar aqui o lugar ideal para se viver que imaginava e sim uma comunidade em que a maioria de seus moradores “só pensa em si, julgando-se que, protegidos pelos seus muros, com seus cachorros, suas piscinas e churrasqueiras, não precisam de ninguém nem de nada”.

Sua crônica intitulada “Presente e Futuro de uma Comunidade sem Alma” apesar de escrita há 28 anos permanece atual. Pela contribuição dada a comunidade que ele tanto amou quero sugerir, como homenagem, que seu nome seja dado a um logradouro deste município, de preferência em Vilas do Atlântico.

Nota do Editor: Concordando integralmente com a sugestão da homenagem, publicamos abaixo na íntegra a crônica de Galdino Santucci. 

 

Galdino Ernesto Santucci

Quem quer que chegue a Vilas do Atlântico – não sem antes maldizer a entidade responsável pelos curtos trechos que levam da Estrada do Coco ao pórtico de entrada, totalmente esburacados – fica maravilhado com as potencialidades e realidades do loteamento: ruas asfaltadas, todas com placas indicativas de nome, iluminação pública instalada, ar puro, vegetação ainda exuberante, casas bonitas e bem cuidadas em sua maioria, algumas até de construção requintada. Os visitantes devem pensar que chegaram ao lugar ideal para se viver.

Adentrando pela av. Praia de Itapuã e chegando na av. Praia de Copacabana, eles vislumbram o Villas Tênis Clube à esquerda e, de longe, têm uma ótima impressão; imaginam que nele são desenvolvidas atividades sócio-culturais e esportivas rotineiramente, além de gostosos papos ao som de música suave à beira da piscina, degustando salgadinhos e bebidinhas, tudo que é tão apreciado e relaxante nos fins de semana. Param os veículos á sombra de frondosas árvores e caminham com seus familiares em direção à praia. Oh! Que deslumbramento! Como foi que só agora tiveram conhecimento da existência desse paraíso? Precisam comprar um imóvel ali, nem que seja só para veraneio.

E assim o faz um certo forasteiro. Resolveu morar no lugar maravilhoso, ainda mais sabendo que a comunidade dispõe de um ônibus que faz transporte regular para o Iguatemi, passando pelos colégios mais frequentados , de onde se pode facilmente atingir outros pontos da cidade.

Decidiu-se e mudou-se, tendo início então sua “via-sacra”.

Na semana da mudança, o caminhão de lixo – esse mesmo comprado da Odebrecht, já nos estertores de sua vida útil, mas é o que nos tem valido – quebrou e passou cinco dias na oficina. O indigitado pai de família, ainda novo na localidade, vendo o lixo acumular-se à sua porta, ligou para a Prefeitura Municipal de Lauro de Freitas, onde ele imaginava conseguir socorro.

Seu interlocutor, gentilmente, orientou-o a procurar dona Marlene, no telefone tal, que ela resolveria. A dita senhora “salvadora da Pátria” realmente resolveu, deslocando uma caçamba alugada que estava recolhendo o lixo acumulado, ficando o recém-chegado eternamente grato.

Depois vieram as chuvas e, com o alagamento ocorrido na maldita rua que escolhera para morar, o nosso novo vizinho viu o asfalto fenderse e uma enorme cratera abrir-se bem em frente ao seu portão da garagem, impossibilitando-o de tirar o carro.

Ainda bem que o ônibus não falhava, podendo todos que estudavam ou trabalhavam deslocar-se para Salvador. Lembrou-se então da “mulher-maravilha”, a tal dona Marlene, a quem só conhecia pelo telefone.

A nossa heroína compareceu pessoalmente e, arregaçando as pernas da calça “jeans”, entrou na lama junto com meia-dúzia de trabalhadores, orientando tudo e conseguindo, em pouco mais de dois dias de trabalho, recompor o piso.

O asfalto para recapear, segundo ela, iria conseguir com um amigo seu.

Nosso companheiro, aproveitando um momento de pausa para o cafezinho feito por sua esposa para dona Marlene, procurou saber quem de fato era aquela abnegada senhora, que tudo fazia e tudo podia em Vilas do Atlântico, uma comunidade de bom nível social, e razoável poder aquisitivo.

Ficou abismado ao sabê-la presidente do Villas Tênis Clube e da associação de proprietários e mais, que não tinha recursos suficientes para suprir as necessidades do loteamento; que a Prefeitura do município era muito carente e não assumia os serviços que lhe cabia prestar, nem mesmo os mais elementares; que dois terços ou mais proprietários não pagam a irrisória quantia que é cobrada para manter um padrão mínimo de habilidade do loteamento; que alguns só pagam no verão, quando vêm de férias e etc., etc., etc., isto é, tudo mais já sobejamente conhecido de todos, muitos fazendo ouvidos de moucos.

O cidadão sentou-se, arrasado com o que ouvira.

– Meu Deus, balbuciou ele. Logo eu que venho de uma cidade onde todos os serviços públicos funcionam bem e os cidadãos participam ativamente da vida comunitária, orgulhando-se disso. Será que me enganei com este local maravilhoso? Será que não passa de um “sepulcro-caiado”?

É isso mesmo, amigo, agora você “caiu na real”. Enganado pelas aparências, passou a integrar uma comunidade sem alma, em que a grande maioria só pensa em si mesmo, julgando que, protegidos por seus muros, com seus cachorros, suas piscinas e suas churrasqueiras, não precisam de ninguém nem nada. Por que pagar um clube que nunca frequentam? Por que contribuir para com uma associação que, segundo pensam os que assim agem, não apresenta serviços? Pagar o IPTU é quanto basta!

Preocupam-nos sobremaneira as perspectivas quanto ao futuro deste paraíso incompreendido. Certamente as administrações municipais terão que manter seus olhos e recursos voltados, primeiramente, para áreas mais carentes que a nossa: Itinga, Portão, Areia Branca e a própria sede têm muitos mais problemas e também mais votos que Vilas do Atlântico.

Será que, com as dificuldades crescentes que estão sendo enfrentadas pela administração atual, dona Marlene e seus colaboradores conseguirão aguentar dois anos de “mandato”? Será que aparecerão voluntários para assumir o comando de um barco fazendo água como o nosso?

Companheiros de Vilas do Atlântico! Moradores, veranistas, donos de lotes! Conclamamos todos à união de pensamentos, palavras e ações concretas. Vamos dar condições para que uma administração séria e bem situada na nossa problemática, como é a atual, possa levar a bom termo sua tarefa, de modo que possamos – formando o espírito de bairro tão salutar quando usado no bom sentido – legar a nossos herdeiros os frutos do que hoje plantarmos, em prol de uma verdadeira cidade modelo.

(Texto publicado na edição de maio de 1987 do Jornal de Vilas). 

 

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