Vítimas do zika: Famílias lutam para derrubar veto de Lula; “MP é apenas um cala-boca”

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familias lutam por direitos para criancas com microcefalia por zika virus

A MP (medida provisória) publicada no Diário Oficial no início deste ano, na qual o presidente Lula estabelece o pagamento de R$ 60 mil a cada família de criança com deficiência decorrente de síndrome congênita associada à infecção pelo vírus zika, desencadeou uma série de protestos de associações que representam as famílias. Isso porque no mesmo documento foi publicado o veto do projeto de lei 6.064/23, que além de uma indenização, estabelecia às crianças uma pensão mensal vitalícia.

Raniele dos Santos, presidente da ONG Abraço a Microcefalia, que promove o acolhimento de mais de 300 crianças em toda a Bahia, explica que o projeto foi criado há nove anos, pela então deputada federal Mara Gabrilli (SP), com o acompanhamento da UniZika Brasil, organização nacional dedicada à luta por políticas públicas para as famílias afetadas pela síndrome congênita do zika vírus. Desde então passou por ajustes e adequações no texto, sendo aprovado na Câmara, e por todas as comissões do Senado.

“Ao longo do processo fomos ouvidos pelas Casas revisoras, pela Câmara, pelo Senado, tanto que fizemos concessões, o texto passou por ajustes sendo aprovado por unanimidade. Então fomos pegos completamente de surpresa com o veto do presidente Lula, que além de não ter acionado as lideranças nacionais para qualquer esclarecimento que tornasse o projeto de lei possível, apresentou como um dos argumentos para o veto, ‘não se tratar de um interesse público’”, conta Raniele, mãe de Clara Lícia, de 9 anos, com microcefalia decorrente do zika vírus.

Ainda quanto às justificativas para o veto, a Secretaria de Comunicação da Presidência aponta que o PL cria despesas obrigatórias de caráter continuado e benefícios tributários sem apresentar a estimativa de impacto financeiro ou ainda a indicação de fonte de recursos para custeio, o que fere as normas de responsabilidade fiscal e orçamentária.

Além disso, a Secretaria questiona a dispensa de reavaliação periódica para beneficiários do auxílio, o que representaria um tratamento desigual em relação às demais pessoas com deficiência e que recebem algum benefício do governo.

O texto do projeto, aprovado na Câmara e Senado, prevê que as crianças vítimas do zika vírus recebam uma indenização por dano moral no valor de R$ 50 mil e uma pensão mensal vitalícia conforme o teto do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), equivalente a R$ 7.786,02.

Atualmente, as crianças com síndrome congênita do zika vírus, nascidas entre 1º de janeiro de 2015 e 31 de dezembro de 2019, recebem uma pensão mensal no valor de um salário mínimo, conforme a lei nº 13.985, de 2020.

Frustração e cala-boca

“Nenhum impacto financeiro é maior que o impacto que o zika vírus causou na vida da minha filha e de outras 1.588 crianças, vítimas de uma epidemia resultante da negligência dos governos na erradicação do mosquito. São crianças que não andam, não falam, não se alimentam sozinhas. Crianças que precisam de fraldas, medicamentos, fisioterapia, órteses, cadeira de rodas. E a única solução para as famílias é fazer rifas e vaquinhas”, destaca Driely Checcucci, mãe de Denyelle de 9 anos.

O sentimento de frustração em relação às escolhas do Governo Federal é compartilhado pelas famílias impactadas.

“Como que R$ 60 mil, em parcela única, mais o salário mínimo que já recebemos todos os meses, seria o suficiente para arcar com todas as necessidades e despesas médicas, que inclui medicamentos, órteses e até cirurgias? Lidamos com essa realidade há nove anos. A medida provisória é apenas um cala-boca”, reforça Raniele.

Além de não atender às necessidades das crianças, visto que as famílias não foram ouvidas no processo de elaboração, Raniele destaca que a MP é excludente e limita a quantidade de crianças que podem ser atendidas.

Para ter direito ao apoio financeiro de R$ 60 mil proposto na MP, será obrigatória a comprovação de que a síndrome congênita foi causada pela contaminação da mãe pelo vírus durante a gestação, no período entre 1º de janeiro de 2015 e 31 de dezembro de 2024. O apoio financeiro não é acumulável com qualquer indenização da mesma natureza concedida por decisão judicial, e sua concessão fica sujeita à disponibilidade orçamentária e financeira.

“Além da limitação do tempo, cobrindo apenas casos até 2024, muitas mães não teriam como fazer essa comprovação de que a síndrome foi adquirida na gestação, reduzindo ainda mais a quantidade de crianças beneficiadas. A MP nos faz questionar que direito é esse? Que democracia é essa? Que amor é esse?”, acrescenta.

A MP ainda precisa ser aprovada pelos plenários da Câmara e do Senado para se tornar lei em definitivo. O prazo de vigência da medida provisória é de 60 dias, prorrogável uma vez por igual período. A expectativa das famílias é sensibilizar deputados e senadores para que o veto seja derrubado no Congresso.

“Pedimos um pouco de empatia da sociedade para entender porque os R$ 60 mil propostos na medida provisória, como apoio financeiro, não custeiam nem um ano de qualidade de vida para uma de nossas crianças. São múltiplas deficiências, é um pé torto, é uma escoliose, cirurgia de quadril desde o nascimento, encurtamento de membros, líquido na cabeça, problemas respiratórios, infecções e bactérias, além das crises convulsivas. Não queremos apoio financeiro. Queremos qualidade de vida e saúde, mês a mês, para as nossas crianças”, desabafa Raniele.

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