Criar, cortar, colar, costurar. Esse é o ritmo que dita a vida dos artesãos da Associação dos Artesãos de Lauro de Freitas – AALF. Fundada em 2006, o grupo busca a valorização da identidade cultural de sua terra e nos 10 anos de história firmaram público cativo, além de conquistar a profissionalização através de grandes parcerias.
A Vilas Magazine conversou com algumas artesãs da associação, que contaram com satisfação um pouco dessa década de conquistas.
“Nosso grupo começou a se formar em 1994. Fazíamos feiras em praças e participávamos de pequenas exposições. Ficamos um tempo na praça de Vilas do Atlântico, depois conseguimos uma concessão para ocupar um estacionamento em Portão. Foram várias intervenções até conquistarmos a nossa sede”, declarou Izabel Barros, que presidiu a associação de 2010 a 2014.
Situada no loteamento Varandas Tropicais, no acesso da passarela em frente ao hospital Menandro de Faria (ao lado da TendTudo – antiga Dismel), a sede é uma verdadeira vitrine que encanta os olhos: bordados, tecidos, fuxico e crochê, cerâmicas, biscuit, madeira, esculturas e pinturas. Muitas são as texturas e cores, que dão forma à criatividade dos 31 associados.
Mesmo com a sede pronta, o grupo sentia que faltava um elemento que os destacasse, e nasce aí as parcerias com o Instituto de Artesanato Visconde de Mauá, o Sebrae e o CESOL – Centro Público de Economia Solidária.
“A formalização possibilitou muito mais que a conquista da nossa sede. O nosso trabalho adquiriu o status profissional, e passamos a ser referência em artesanato para a cidade”, declarou Nelcy Piaggio.
Terapia
O encontro com a reportagem da Vilas Magazine durou cerca de 1h30, tempo suficiente para se perceber a energia positiva de cada uma das artesãs. Sorrisos do início ao fim, e mesmo os momentos mais difíceis desses 10 anos foram relatados com uma pitada de esperança e a certeza da superação.
Para a empresária e artesã Tânia Accioli Ramos, “o artesanato tem um cunho terapêutico para algumas pessoas, muitas delas nos procuram depois de uma indicação médica; para outras tem um sentido mais social. Mas o mais relevante é que você percebe que começa a entrar em um outro processo, aumenta a expectativa de vida”.
O cunho terapêutico das artes é discutido no Brasil desde meados dos anos 1940, quando a psiquiatra alagoana Nise da Silveira, iniciou suas atividades no setor de terapia ocupacional do Centro Psiquiátrico Pedro 2º, no Rio de Janeiro. Ajudada pelo estagiário Almir Mavignier, que posteriormente viria a se tornar um dos primeiros pintores abstratos do Brasil, Nise criou o ateliê de pintura e modelagem para que os doentes pudessem se expressar e retomar os vínculos com a realidade. O trabalho de Nise se tornou mundialmente conhecido através de suas teses e exposições.
“Eu queria cursar artes plásticas, mas no meu tempo não tínhamos oportunidade para ser artista, porque a família não considerava como uma profissão, não dava dinheiro. Hoje, com minha família formada, aposentada, resolvi resgatar essa atividade que me trazia tanta alegria no passado”, declarou Bárbara Virgínia Oliveira.
Mas o processo terapêutico está também na ajuda ao próximo. Oficinas e cursos de formação de novos artesãos para famílias de baixa renda são organizados pelo grupo. Cada turma é formada por cinco ou seis alunos, e os capacitadores são os próprios associados. “Além de ser uma forma de agradecer a cidade por ter abraçado a nossa associação, é uma forma de aprender cada vez mais. Sempre temos algo novo para aprender”, disse Nelcy Piaggio.
Empreendedorismo
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE cerca de 8,5 milhões de brasileiros fazem do artesanato o seu negócio e movimentam mais de R$ 50 bilhões por ano. Mas de artesão a empreendedor existe um grande salto, e a associação sentiu isso na pele por anos.
“Nós artesãos temos dificuldade em colocar o valor das mercadorias. É muito difícil mensurar o valor de algo que você faz com o coração. Mas quando você se propõe ser um profissional, você precisa aprender a ser empreendedor”, disse Izabel Barros.
A busca por parcerias foi fundamental nesse momento. O Instituto Mauá é um balizador para que os produtos mantenham sempre um padrão de qualidade. O Sebrae forneceu a qualificação necessária para a devida valorização dos produtos e administração da sede. Já o CESOL, através de parcerias com governo federal e estadual, abriu portas para a associação expor em novos espaços.
Uma das grandes conquistas da associação é a recente parceria com o Salvador Norte Shopping, viabilizada através do CESOL. No centro comercial os produtos são expostos e vendidos, ampliando o leque de clientes e encomendas. “O fluxo de pessoas no shopping é maior que aqui na loja, até pelas facilidades de estacionamento. Além disso contamos com a própria rotina do ambiente, onde pessoas vão para ver as novidades, e acabam entrando em nossa loja e comprando. Nos sentimos privilegiados e agradecidos por esta parceria”.
Não diferenciando dos demais empreendimentos, a associação também sentiu os impactos da crise política e econômica que afeta o Brasil desde o final de 2015. As vendas estão abaixo da média para o período, em comparação aos anos anteriores, e é a loja no shopping Salvador Norte que tem permitido que a associação mantenha a sede em dia. Além disso, cresceu o número de artesãos de temporada, pessoas que procuram a associação com o objetivo exclusivo de ajudar na renda familiar de forma imediatista, sem ainda ter compreendido o sentido maior de ser um artesão.
“Para a maioria de nossos associados o artesanato entra como segunda profissão, para melhoria de renda, mas principalmente para qualidade de vida. Somos, quase todos, aposentados e o artesanato é algo que está na nossa formação desde os tempos de meninas. Éramos preparadas para sermos prendadas, costurar, cozinhar, cuidar da casa. O artesanato faz parte de nossa história”, desabafou Lourdes Britto, presidente atual da associação.
Para os próximos anos a associação já tem novas metas: renovar a parceria com o governo municipal e aumentar a sede, com a possibilidade de oferecer estacionamento aos visitantes. Determinação e vontade não faltam ao grupo.
Participaram da entrevista as artesãs Maria de Lourdes Britto, presidente da associação, Bárbara Virginia Oliveira, Nelcy Piaggio, Maria Izabel Barros e Tânia Accioli Ramos.