A abundância de água doce que brota da terra há milhões de anos molda cenários típicos das chapadas: grutas com salões subterrâneos, cavernas com água azulada e cânions cobertos pelo verde disputam o olhar do visitante com algumas das cachoeiras mais altas do país.
Gruta da Pratinha, na Chapada Diamantina. Localizada dentro da Fazenda Pratinha – hoje, um balneário – a gruta é inundada por águas azuis transparentes. Entre 14 e 15 horas, de abril a setembro, o lago translúcido ganha tons azulados, quando um faixe de sol invade uma abertura na rocha. A refração permite visualizar o fundo da caverna, que chega a 70 metros.
As chapadas são lugares para quem gosta de intimidade com a natureza, cruzando estradas de terra e areia ou caminhando sobre pedras às margens dos rios.
É para desbravar de olho em cada detalhe, tomar banho de água fresca, ir se embrenhando por entre os morros e, quem sabe, entregar-se à meditação ante a vista do alto da chapada.
Para desfrutar de tudo isso, o visitante vai precisar de alguma infraestrutura. Nas quatro chapadas percorridas pela reportagem, há pousadas confortáveis, restaurantes e serviços de guia.
Cânions e rios, pontos altos das chapadas Veadeiros, Diamantina, Guimarães e Mesas, recebem visitantes com banho de cachoeira e natureza intacta. Áreas de conservação em Goiás, Bahia, Mato Grosso e Maranhão têm boa infraestrutura, com pousadas e restaurantes
No Centro-Oeste, a chapada dos Guimarães, em Mato Grosso, e a chapada dos Veadeiros, no Estado de Goiás, são programas que atendem a essa demanda crescente.
No Nordeste, não pode faltar uma visita à chapada Diamantina, na Bahia. A das Mesas, no extremo sul do Maranhão, começa a despontar no mapa do turismo nacional. Elas estão em áreas de cerrado, caatinga, mata atlântica e campos rupestres. Todas pertencem a parques nacionais e dividem terreno com a expansão agrícola e pecuária. Não raro, são vítimas de queimadas criminosas e palco da caça predatória ilegal.
MISTICISMO
No coração da Bahia, está cravada a chapada Diamantina. A cada temporada, novas trilhas são traçadas para que se descubram seus poços e cachoeiras.
Muitos desses caminhos foram abertos por garimpeiros, caçadores e tropeiros no século 19, quando a região viveu um período de riqueza a partir da descoberta de jazidas de diamantes.
Após décadas de exploração, o ciclo se esgotou e o turismo de natureza floresceu. Das quatro chapadas, é a que possui mais entradas, o que facilita o deslocamento em direção aos seus atrativos. Alcançá-los nem sempre demanda muita caminhada, mas, quando se pretende explorar os encantos da região, é melhor deixar a preguiça em casa.
Pertinho de Brasília, o Parque Nacional Chapada dos Veadeiros, criado em 1961, supera o rótulo de “ecoturístico”. Isso porque um de seus acessos é a cidade de Alto Paraíso, um centro místico que atrai hippies, artistas e religiosos do mundo inteiro.
O Parque Nacional Chapada dos Veadeiros, que herda o nome dos caçadores que por ali circulavam, está assentado sobre uma imensa placa de cristal de quartzo. A presença de cristais e o fato de a região estar praticamente no mesmo paralelo da cidade sagrada de Machu Picchu, no Peru, ajudam a explicar a fama esotérica.
Devido à proximidade com Cuiabá, a chapada dos Guimarães acaba sendo um passeio de famílias da capital matogrossense. Muitos preferem esticar os pés na borda da piscina e, por nada deste mundo, pensam em arredá-los dali em busca das riquezas de uma região que é dona de valiosos sítios arqueológicos e da maior gruta de arenito do país.
Situada sobre uma das mais antigas placas tectônicas do planeta, a área já foi fundo de oceano há pelo menos 500 milhões de anos.
A mais “nova” chapada a ser explorada pelo turismo de natureza fica no extremo sul do Maranhão, na divisa com o Estado do Tocantins. Ali, seus platôs lembram o formato de mesas de pedra – daí o nome: chapada das Mesas. Uma unidade de conservação nasceu em 2005 para proteger a fauna e a flora locais.
O Parque Nacional Chapada das Mesas esconde cerca de 90 cachoeiras e 400 nascentes de água em pleno cerrado, entre os municípios de Riachão, Estreito e Carolina. Este último oferece a melhor infraestrutura, embora o turismo ainda engatinhe nesse pedaço do Brasil.
O distanciamento de grandes centros urbanos e o acesso restrito de turistas, porém, ajudam a preservar trilhas selvagens, onde é possível avistar casais de araras-vermelhas em sobrevoo.
Pedra sobre Pedra
É preciso entrar em grutas e subir morros para desbravar as quatro chapadas mais famosas do Brasil. Em alguns destinos, contratar guia local está entre as principais recomendações
Diamantina: os dois lados do parque
Os baianos gostam de bater no peito e dizer que Diamantina é a chapada mais bonita do Brasil. Pode ser grandeza demasiada, mas não há dúvida de que ela é um dos destinos de natureza mais visitados do país.
Espécie de capital da chapada, Lençóis serve de base para alguns passeios, como o que segue em direção ao maior símbolo de Diamantina, o morro do Pai Inácio, a 1.120 metros de altitude.
Topo do morro Pai Inácio, na Chapada Diamantina
É o local onde são dadas as boas-vindas aos turistas. Lá do alto, num giro de 360 graus, a impressão é que a chapada não tem fim. Para explorar a cachoeira da Fumaça, que tem 340 metros de queda, e o poço Encantado, com sua água azulada – efeito dos raios solares que entram na caverna –, talvez uma boa opção seja ficar no Vale do Capão, antiga vila “riponga”, hoje apinhada de pousadas charmosas.
É também de lá que partem os grupos que seguem pela trilha de 72 km, percorrida em cinco dias, rumo ao Vale do Pati. Os visitantes podem se hospedar nas casas de moradores nativos que ficaram no parque, após a sua criação, em 1985.
Outra dica é contemplar a parte sul do parque, onde estão localizadas as cidades de Mucugê e Ibicoara, além do distrito serrano de Xique-Xique de Igatu, que abriga casas de pedra do tempo em que havia exploração de diamantes na região.
É também na região sul que se encontram atrativos como a cachoeira do Buracão, o poço Encantado e o poço Azul. Independentemente da escolha, é recomendado contratar um guia para fazer os passeios, ainda mais nesta época do ano, quando as cachoeiras estão com maior volume de água. Também é importante planejar um roteiro que contemple os dois lados do parque para aproveitar melhor a viagem.
Veadeiros : da sauna xamânica ao vale da lua
Em meio ao mato rasteiro, o que domina a paisagem são as árvores retorcidas, que lembram figuras dramáticas. Aos poucos, elas saem de cena para dar lugar às veredas, em cujas margens se forma uma longa fileira de buritizeiros.
Esse é o cenário que se descortina no caminho entre Alto Paraíso e São Jorge, no coração de Goiás, dois dos principais acessos à chapada dos Veadeiros.
São Jorge é uma vila de casas coloridas e ruas de terra, onde fica a entrada do Parque Nacional Chapada dos Veadeiros, criado em 1961, declarado pela Unesco Patrimônio Mundial Natural.
Nas ruas de Alto Paraíso, um grupo pratica ginástica zen, enquanto aqui e ali anúncios oferecem leitura de tarô e convites para jantares veganos em noites de lua cheia.
Participar das saunas xamânicas (“temazcal”, “tenda do suor” ou “sauna sagrada”), espécie de banho de vapor espiritual, também faz parte do pacote de imersão no mundo místico da chapada.
Com os pés no chão, um dos principais pontos de visitação em Veadeiros é o Vale da Lua, assim chamado devido à formação rochosa que faz lembrar a superfície lunar.
Para fazer os principais passeios do parque, o visitante precisaestar disposto a andar: as trilhas têm até cinco quilômetros, com trechos íngremes e pedregosos – o acompanhamento de um guia é necessário.
Como recompensa, os percursos terminam em poços, que surgem na base das quedasd’água de até cem metros de altura.
Em Cavalcante, a cerca de 90 km de Alto Paraíso, as atrações estão “escondidas” em propriedades particulares – a maior parte acessível por estradas de terra. Muitas pousadas estão em antigas fazendas.
Outro destaque da chapada é a cachoeira de Santa Bárbara, que fica na comunidade quilombola dos Kalungas, a cerca de uma hora por estrada de terra, partindo de Cavalcante.
Brasília é a capital mais próxima de Veadeiros.
Chapada dos Veadeiros, no norte de Goiás
Guimarães: um vé u da noiva que desafia os clichês
Pode ser um clichê, mas é irresistível chamar uma cachoeira de Véu da Noiva. Na chapada com cânions de arenito, com até 350 m de altitude na borda do Planalto Central, localizada no centro geodésico da América do Sul, isso não é diferente.
É bem provável, porém, que ali esteja a Véu da Noiva que melhor justifique seu título: são 86 m de queda em meio a uma profusão de paredões cobertos pela mata verde típica do cerrado. Mas a chapada dos Guimarães guarda outras surpresas.
Cânions, ora avermelhados, ora alaranjados, talvez sejam até mais impressionantes que a queda-d’água que virou seu cartão-postal.
Tem mais: já foram catalogados ao menos 46 sítios arqueológicos e encontrados ossos de dinossauros do período Jurássico. Tudo isso a cerca de 60 km da capital de Mato Grosso, Cuiabá.
Uma sugestão de roteiro é o do Circuito das Cachoeiras, percurso de 7 km que passa pelas quedas Sete de Setembro, do Pulo, Prainha, Degraus e Andorinhas. Mais: inclui duas piscinas naturais.
A Casa de Pedra, a Gruta da Lagoa Azul e a cachoeira da Martinha (apelido de uma antiga moradora das redondezas), com um conjunto de três quedas, assim como o mirante da Geodésia, são outros atrativos do parque, criado em 1989. Na área de conservação fica a maior gruta de arenito do Brasil.
A porta de entrada do parque é o município de mesmo nome. Recentemente, a cidade ganhou um parque de ecoturismo, mas o barato ali é mesmo a chapada.
Mesas: água mole esculpe pedras duras no Maranhão
Carolina é uma cidadezinha simples do interior do Nordeste, no extremo sul do Maranhão, na divisa com o Estado do Tocantins.
Encanto Azul, na Chapada das Mesas
Um corredor de árvores separa as faixas de sua avenida principal, escondendo um cenário que só aos poucos o visitante vai desvelando.
Um extenso paredão de pedras surge diante dos olhos. Estamos perto do Parque Nacional Chapada das Mesas, criado em 2005. É um destino certeiro para quem se amarra em cachoeiras – das grandes.
Uma das mais visitadas é a de São Romão. No fim da tarde, um bando de andorinhas desenha uma coreografia no céu avermelhado, antes de “perfurar” 26 metros de queda-d’água. Por incrível que pareça, é atrás de um volume torrencial de água que elas dormem. Antes de o sol raiar, as aves fazem o caminho inverso: saem de trás do véu da cachoeira em debandada para buscar comida na vegetação quase intacta do cerrado.
Esse é um dos muitos cenários dessa chapada. A melhor forma de chegar até lá é voar até Imperatriz e, depois, seguir por mais cerca de 250 km em estrada.
Uma dica para explorar bem o lugar é contratar agências que oferecem roteiros com duração de um dia.
Dona de curiosas formações rochosas, a chapada das Mesas tem ar de ruínas.
A ação do tempo formou esculturas de diferentes tamanhos e formatos que de fato lembram mesas, como o morro do Chapéu, com 378 m de altitude. Nessa chapada, “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”.
Estrada que dá acesso ao Parque Nacional da Chapada dos Guimarães (MT)