Universitários ensinam comunidade a fazer fio dental sustentável e acessível

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Nas visitas à comunidade, crianças e adultos aprendem a importância do uso do fio dental e da escovação diária

Aprendemos desde criança a importância dos hábitos de higiene, dentre eles os relacionados à saúde bucal: usar fio dental, escovar os dentes após as refeições, visitar regularmente o dentista. Mas apesar do acesso a essa informação a realidade segue um caminho bem diferente. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que as doenças bucais afetam cerca de 3,5 bilhões de pessoas no mundo – ou seja, quase metade da população mundial.

Um dos fatores que comprometem a qualidade da saúde bucal é o custo médio dos produtos para a higiene. De acordo com um estudo realizado em 2014 por pesquisadores da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), o custo médio de aquisição de produtos de higiene bucal na região Nordeste do país era de R$ 9,60 ou 2% de um salário mínimo. O maior custo foi verificado para o fio dental (R$ 5,10), seguido do dentifrício fluoretado (R$ 2,80) e escova de dente simples (R$ 1,70).

Atentos a esse cenário, estudantes do curso de odontologia da faculdade Unime, de Lauro de Freitas, criaram o projeto “Fio a Fio”, proposta sustentável que tem como objetivo tornar o fio dental mais acessível às comunidades.

“O fio dental representa o maior custo entre os itens de higiene bucal, ainda mais se considerarmos a sua baixa durabilidade em comparação às escovas de dente. Foi então que pensamos em uma solução alternativa, que permitisse que famílias de baixa renda conseguissem manter o hábito, que é importante para a limpeza profunda dos dentes e ajuda na prevenção da gengivite e doença periodontal, que pode resultar na perda dos dentes”, afirma a odontopediatra e professora de odontologia, Ingra Medeiros, que coordena o projeto.

A odontopediatra e professora, Ingra Medeiros, coordena o projeto da Unime

A identificação da necessidade do fio dental surgiu através dos atendimentos realizados pelos estudantes na Clínica Escola da faculdade e nas visitas do estágio extramuros, proposta pedagógica da instituição que leva a faculdade até às comunidades. Durante o atendimento e entrega de kit com escova de dente e creme dental, muitas famílias relatavam que não tinham o fio dental para realizar a sua higiene bucal, e o principal motivo era a falta de dinheiro.

“Após entender o problema começamos a buscar a solução. Identificamos que a ráfia, uma fibra da palmeira normalmente usada para fabricação de sacos, possui características similares ao do fio dental, e seria uma matéria prima viável pelo baixo custo. Mas à medida que avançamos no estudo, percebemos que não era necessário partir da matéria prima, sendo possível reutilizar os sacos, que conseguimos através de parcerias com empresas da região, para a fabricação do fio dental”, acrescenta Igra.

Fio dental sustentável

O projeto incluiu a fabricação e distribuição do fio dental, mas também oficinas com a comunidade, onde pessoas de qualquer idade, inclusive crianças, podem aprender a fabricar o seu próprio fio dental.

“O processo é bem simples: primeiro passo é desfiar o saco, puxando os fios pelas pontas, que sairão facilmente. Com os fios soltos, são desinfetados com uma solução contendo água e hipoclorito (água sanitária) por um período de 30 a 60 minutos. O processo pode ser repetido duas ou três vezes, de acordo com a necessidade. Depois, é feito o enxágue abundante, que remove toda a substância desinfetante. A secagem deve ocorrer em ambiente fresco e protegido. Por fim, o material é separado e empacotado para distribuição”, detalha a odontóloga.

O processo de fabricação é simples e leva poucos materiais; até as crianças podem aprender

Os estudantes são envolvidos em todo o processo, sendo que oito fazem parte de forma fixa e ativa, e os demais participam das oficinas de capacitação para a comunidade. Cerca de 200 pessoas já receberam o fio dental e participaram das oficinas.

“A ideia não é comercializar o material. Nosso foco inicial é atender pessoas mais carentes e levamos toda matéria prima para a produção do fio, junto com o material de apoio explicativo sobre todo o processo. A cárie dentária representa o problema de saúde bucal mais importante e prevalente no Brasil, sendo considerado um problema de saúde pública. A comunidade assistida possui altos índices de cárie e o acesso aos itens de saúde é limitado. Nosso objetivo com o projeto é ajudar a mudar essa realidade, tornando o acesso ao fio dental possível para as comunidades”, concluiu.

Triste estatística

É importante acrescentar ainda que as doenças bucais representam um grande ponto de atenção pois afetam as pessoas ao longo de toda vida, causando dor, desconforto, desfiguração e até morte. No Brasil, o último levantamento feito pelo IBGE (Pesquisa Nacional de Saúde, 2019), concluiu que 93,6% da população, acima de 18 anos, afirma possuir o hábito de escovar os dentes duas vezes ao dia, observando-se que quanto maior a idade, menor a quantidade de pessoas que mantém tal hábito.

Quanto ao uso de escova de dentes, pasta de dente e fio dental, o percentual cai para 63%. Aqui o que chama a atenção é a análise a partir dos níveis de instrução: entre as pessoas com nível superior completo, o percentual foi de 88,6%, mas entre as apedeutas (pessoas sem instrução) ou com Fundamental incompleto, apenas 38,5% tinham esse hábito.

A pesquisa aponta ainda que como uma das consequências da pouca ou nenhuma higiene bucal, cerca de 14,1 milhões de pessoas sofreram com a perda total dos dentes. A faixa etária mais afetada é a população acima de 60 anos, aproximadamente 31,7%.

Apesar da rede de saúde pública do Brasil oferecer programas e ações relacionadas à saúde bucal, a pesquisa apontou que o atendimento odontológico no país, em 2019, ocorreu preponderantemente em consultórios particulares ou clínicas privadas (75%). As Unidades Básicas de Saúde foram responsáveis por apenas 19,1% dos atendimentos.

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