IGREJA DO DIVINO ESPÍRITO SANTO: 4 séculos de história em Abrantes

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A Igreja do Divino Espírito Santo, em Abrantes, Camaçari, é uma das mais antigas do Brasil. Sua primeira edificação é datada de 1558, quando da fundação da Aldeia do Divino Espírito Santo pelos jesuítas. A arquitetura chama atenção pela simplicidade e a história ganha destaque pela riqueza e relevância no contexto do século 16.
 
Apesar dos poucos documentos que registram sua fundação, a igreja está entre as 10 mais antigas do país, ficando atrás apenas da Igreja Nossa Senhora da Graça, em Olinda-PE (1551), Paróquia da Nossa Senhora da Luz, em São Lourenço da Mata-PE (1540), Igreja Nossa Senhora Santana, em Ilhéus-BA (1537), Igreja Nossa Senhora do Monte, em Olinda-PE (1537), Igreja dos Santos Cosme e Damião, em Igarassu-PE (1536), Igreja do Rosário, em Vila Velha-ES (1535), Igreja da Graça, em Salvador-BA (1535) e Igreja da Misericórdia, em Porto Seguro-BA (1526).
 
Quem nos ajuda a contar parte dessa história é o sr. João Bosco Ramalho, 81 anos, morador de Abrantes
desde 1995. Ele é natural de Senhor do Bonfim (centro norte da Bahia, a 375 quilômetros de Salvador), mas a trabalho já morou em diversas cidades baianas e desde que se aposentou veio morar em Vila de Abrantes para ajudar a filha Solange, com os negócios.
 
Em Abrantes, como em todas as cidade onde morou, João Ramalho sempre gostou de estudar a história e participar ativamente da vida em comunidade, assim, foi diretor de associação comercial, membro da Maçonaria, um dos fundadores do Rotary Clube Itapagipe, além de realizar atividades junto a Igreja Católica.
 
“Está na minha índole, eu gosto de saber sobre os lugares onde estou. Sempre li muitos livros, mas gosto mesmo é de conversar com as pessoas, e muitas das coisas que sei de Abrantes, é fruto da história oral que os moradores mais antigos e naturais do local me contaram”, frisa.
 
Apesar dos mais de quatro séculos, a história da Igreja ainda é pouco conhecida, principalmente pela nova geração.
 
VILA NOVA DO ESPÍRITO SANTO DE ABRANTES
João Ramalho conta que a história começa em 1558, quando Tomé de Souza, primeiro Governador Geral do Brasil, encaminhou para as terras às margens do rio Joanes, um grupo de jesuítas comandados pelo padre João Gonçalves e o irmão Antonio Rodrigues. O primeiro local escolhido para instalação, junto ao rio, foi descartado, após uma epidemia que matou 700 índios e um padre que cuidava deles. Depois de um tempo se descobriu que era impaludismo (malária).
 
Sem querer abandonar o local, eles avançaram mata adentro e encontraram uma área que ficava a sete léguas da corte (hoje Praça Municipal Tomé de Sousa, em Salvador), mais elevada e com ventos fortes, que eles acreditavam ser capazes de levar os transmissores de novas epidemias para longe da comunidade. Nascia então a Aldeia do Divino Espírito Santo, habitada por índios Tupinambás e onde foi construída uma igreja, inicialmente de palha e barro, com um alpendre e algumas janelas, além do cemitério.
 
Em maio 1624, a aldeia serviu de asilo para o bispo dom Marcos Teixeira, o clero da Diocese de Salvador e os jesuítas, durante a invasão holandesa, demonstrando ser um local seguro e resistente. Essa invasão, em Salvador, durou apenas um ano, mas foi o suficiente para que em 1758 a aldeia fosse elevada à categoria de vila, por provisão do Conselho Ultramarino, passando a se denominar Vila Nova do Espírito Santo de Abrantes, e no mesmo ano sendo inaugurada a Casa da Câmara e cadeia municipal.
 
“Existem muitos mitos de que Marquês de Abrantes teria passado um tempo aqui. Não se tem registro disso. O nome Abrantes foi dado apenas como uma homenagem”, frisa João Ramalho.
 
Uma gravura de 1792, feita por Domingos Alves Branco Moniz Barreto, escriturário da contadoria geral da Junta da Real Fazenda da Capitania da Bahia, com original disponível no Arquivo Histórico Ultramarino, em Lisboa, demonstra o perfil retangular de Vila de Abrantes, muito comum das aldeias dos jesuítas. João Ramalho destaca que era neste espaço que os índios faziam suas cerimônias, e que depois se transformou em um campo para jogar futebol.
 
“Quando cheguei aqui, em 1995, essa área onde hoje se encontra a praça, em frente à Igreja, era o campo de futebol. Aqui da Igreja, como é mais elevado e a porta é bem grande, dava para ver perfeitamente o campo, e algumas vezes, eu estava ajudando a fazer alguma celebração, precisava me segurar para não gritar gol (rsrs)”.
 
Em 1846 a vila é extinta, por resolução provincial, sendo integrada às terras do município de Mata de São João, e só em 1920, Vila de Abrantes passa a compor o recém criado distrito de Camaçari, do qual pertence até hoje.
 
A IGREJA
“Pensa que acabou? Como diz meu amigo sr. Sales: senta que ainda tem muito dendê para catar”, diz João Ramalho ao entramos na Igreja do Divino Espírito Santo. É possível que o atual prédio seja do século 17, por sua característica de paredes de pedras, parte delas ainda conservadas.
 
Durante o início do século 20 apenas uma missa por ano era celebrada, na festa do Divino Espírito Santo, mas por falta de manutenção a igreja foi se deteriorando. É a partir de 1968, com a chegada da missão dos padres alemães, coordenados por padre João Wust, que a igreja é revitalizada, ganhando importante papel junto à comunidade.
 
“O padre João Wust tanto fez o trabalho de reforma do prédio, como também um importante trabalho social, fortalecendo o senso de comunidade entre os moradores. Isso porque eles encontraram a igreja abandonada, muitas peças foram até roubadas, e para a restauração o padre envolveu toda a comunidade”, frisa.
 
Em 1971 foi montada uma comissão, que atuou na arrecadação de fundos, visitar as casas da comunidade e organizar os voluntários; em 1974 foram feitos os primeiros trabalhos de reboco na parte interna e externa; em 1975 foi comprado o piso de pedra, em Jacobina, que só chegaria para ser instalado um ano depois; e em 3 de junho de 1976 foi realizada a primeira lavagem da Igreja.
 
“Junto à comunidade, a proposta de padre João Wust era que as pessoas se ajudassem. As mulheres aprenderam com irmã Laurencia, religiosa que veio na missão, o ofício de parteira. As casas que estivessem precisando de reparos, a igreja ajudava com o material, cobrindo parte do valor, e o morador ficava responsável em juntar os voluntários para pôr a mão massa”, conta.
 
Desde então a igreja não passou por novas restaurações, conservando as características propostas em sua construção. Seu estilo arquitetônico chama atenção pela simplicidade: o chão com piso de pedra, sem vitrais ou janelas, sem colunas. O mezanino, onde o coral se apresentava, caiu com o tempo e padre João Wust optou por não refazer, substituindo por uma coluna para dar sustentação. Conserva, ainda hoje, o púlpito onde os padres ficavam para rezar a missa (hoje sem a escada, não sendo possível acessar, utilizada então com altar para a imagem de Nossa Senhora).
 
As imagens sacras também ficaram abandonadas. Hoje a igreja possui imagens novas, uma imagem restaurada e duas bem antigas, que não se sabe ao certo quantos anos tem, nem tão pouco suas origens, mas acredita-se que tenham vindo de Portugal.
 
O altar original não tinha mais como ser restaurado e se perdeu. O novo, padre João Wust conseguiu junto à capela do 19º Batalhão de Caçadores, no Cabula, em Salvador, por isso destoa do estilo missionário de toda a igreja. Mas o degrau do altar é original, pode-se perceber por pequenas conchas que aparecem nas partes mais desgastadas, demonstrando sua origem marítima.
 
Durante a reforma foram encontradas ossadas humanas, já que naquela época era comum que as autoridades do lugar fossem enterradas dentro das igrejas. Não sendo possível identificar cada ossada, todos foram reunidos em uma única cova e ganharam uma carneira diante do altar.
 
Padre João Wust voltou para Alemanha, mas João Ramalho teve a oportunidade de lhe conhecer durante uma de suas visitas à comunidade. Desde 1757 a igreja foi elevada a paróquia, hoje compõe a Diocese de Camaçari, sob a coordenação do padre Luiz Orlando Ferreira.
 
FOTO 1: Igreja do Divino Espírito Santo está entre as 10 mais antigas do Brasil.
FOTO 2: Novo altar
FOTO 3: Gravura de 1792 com disposição geométrica de Vila de Abrantes
FOTO 4: João Ramalho

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