Mais de 50 casos de violência foram registrados apenas nos três primeiros meses do ano, na Bahia; o problema precisa ser debatido e envolver toda a sociedade

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como combater a violencia nas escolas
Foto: STOCK IMAGEM / DEPOSITPHOTOS

Por que nas escolas? Por que com as crianças? Por que os professores? Por que esse cenário, que nos remete aos filmes de terror de uma longa madrugada de insônia? Por que não conseguimos perceber os sinais?

Essas perguntas pairam sobre nossas cabeças intensamente desde o final de março, quando dois atos de violência chocaram o país. O primeiro, em uma escola estadual de educação básica, em São Paulo, onde um adolescente de 13 anos matou uma professora e feriu outras pessoas. Menos de 10 dias depois, um homem, de 25 anos, invadiu uma escola de educação infantil, em Blumenau, Santa Catarina, matando quatro crianças e ferindo outras quatro.

Quisera pudéssemos dizer que se tratam de fatos isolados, pontas soltas que precisam ser estudadas para serem evitadas. Mas não é verdade. Segundo dados levantados pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado da Bahia, apenas nos três primeiros meses deste ano, já foram registradas 53 ocorrências de atos de violência em escolas públicas da capital e do interior. Os dados se referem a situações de arrombamentos, invasões, intimidações e ameaças.

No meio disso tudo, ainda lidamos com falsas notícias de ataques, que servem unicamente para amplificar a sensação de pânico, como os de possíveis ataques às escolas estaduais Bartolomeu de Gusmão e Américo Simas, em Lauro de Freitas, em abril.

Quanto aos atentados violentos, já são 23 instituições atacadas no Brasil em duas décadas. O primeiro que se tem registro aconteceu em outubro de 2002, em Salvador, quando um adolescente de 17 anos matou duas colegas, dentro de uma escola particular, com uma arma de fogo, levada de casa, do pai adotivo, perito da polícia técnica.

De acordo com mapeamento realizado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), sobre ataques em escolas realizados de forma planejada por alunos ou ex-alunos, nos 22 ataques (um desses casos envolveu duas escolas), em três episódios o crime foi cometido em dupla, e em cinco, os atiradores se suicidaram na sequência. Ao todo, 30 pessoas morreram, sendo 23 estudantes, cinco professores e dois funcionários das escolas.

São números alarmantes que chamam atenção, sobretudo, pelo recrudescimento dos últimos anos. Do total de 13 casos, mais da metade, estão concentrados apenas nos últimos dois anos. Essa velocidade tem chamado atenção das autoridades e gerado preocupação entre pesquisadores. Fatos antes considerados incomuns no Brasil, ‘coisa de filme’, entraram no radar da sociedade.

Bullying, internet, extremismo, entre outros ‘por quês’

Ainda no estudo realizado pela Unicamp, quanto ao entendimento dos ataques realizados por alunos ou ex-alunos, os pesquisadores observam que há um perfil mais frequente entre os autores: jovens brancos, do sexo masculino, geralmente com baixa autoestima e sem popularidade na escola.

A pesquisa aponta também a existência de transtornos mentais não diagnosticados ou sem o devido acompanhamento, quadro que pode se desenvolver ou se agravar pela dificuldade de relacionamento nas escolas, por exemplo, em jovens vítimas de bullying. Não estão descartadas as relações familiares, com casos de agressividade, negligência, abuso e autoritarismo.

Talvez o ponto de maior reflexão seja o fato desses fatores tornarem os jovens ainda mais vulneráveis à sedução presente na Internet. Em um universo onde o mundo real se apresenta com tantas barreiras, as crianças e adolescentes encontram na Internet o acolhimento que tanto buscam. Entram em cena grupos extremistas, gerando a sensação de pertencimento ao estimular violência através de discursos misóginos e racistas.

Vale destacar que não se trata de um fenômeno exclusivo do Brasil: casos com características muito similares também estão sendo registrados em outros países, a exemplo dos Estados Unidos, que entre 2021 e 2022, registrou 88 ataques.

Estudo realizado pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) aponta para a necessidade de estarmos atentos a grupos extremistas, que disseminam discursos valorizando o preconceito, a discriminação, o uso de força e que encorajam, direta e indiretamente, atos agressivos e violentos.

A presença de símbolos associados a ideologias de extrema-direita têm sido recorrentes, como braçadeiras com a suástica nazista ou uma máscara de esqueleto, conhecida como siege mask, também entendida como aparato de identificação de simpatizantes neonazistas em todo o mundo. O uso dessa máscara foi identificada em atentados, tanto nos Estados Unidos, como aqui no Brasil.

Estamos vendo os sinais? 

Não foram poucos os avisos da importância de olhar a saúde mental após toda a intensidade de emoções que fomos expostos no período pandêmico. A questão é: o que de fato foi feito neste sentido?

Não é certo olhar para a situação de violência nas escolas de forma isolada, buscando como culpados os pais, por vezes negligenciando a educação dos filhos e dando pouca atenção à relação que eles estabelecem com a Internet. Também não é certo culpar as escolas, sobretudo os professores. Estes, em sua maioria mulheres, voltaram às salas de aula, em alguns casos mais lotadas que antes da pandemia, com pouca ou nenhuma instrução de como lidar com questões tão sensíveis.

Não se entenda que devamos fechar os olhos e fingir que o ambiente escolar no Brasil – e aqui tratando obviamente do ensino público –, seja o mais adequado. Tanto não é, que ainda em abril, o Tribunal de Contas entrou em campo, realizando fiscalizações de surpresa em mais de mil escolas públicas pelo país, selecionadas a partir de dados do Censo Escolar 2022. De tudo um pouco foi identificado nas blitz: de falta de condições básicas de higiene, alimentos vencidos e infestação de insetos, à goteiras, infiltrações e até uma espécie de cachoeira em cascata.

Não se trata de um fenômeno isolado, que afeta exclusivamente o Brasil. Também não se trata apenas de violência, mas o que se busca alcançar com esse discurso. Não se trata de olhar apenas para dentro das instituições de ensino, reconhecendo o papel e as fragilidades de cada indivíduo. Tão pouco, olhar para a falta de segurança e de estrutura das escolas públicas.

O debate é maior

É preciso reconhecer os problemas sociais, incluir as minorias, tratar os temas sem enviesar em particularidades de crenças pessoais ou até religiosas. Mas no país que há anos se mantém no ranking dos que mais mata pessoas por seu gênero, cor ou religião, esse parece ser um longo caminho a ser percorrido.

Por que nas escolas? Por que com as crianças? Por que os professores? Por que tanta violência? A pauta está em evidência e a sociedade espera respostas rápidas e efetivas, sobretudo das autoridades, mas a questão é complexa, possui diferentes nuances, numa crescente de ‘por quês’ que se acumulam, sem respostas, há anos.

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