Sistema cicloviário de Lauro de Freitas pode enfim sair do papel

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A primeira etapa do Sistema Cicloviário de Lauro de Freitas, projetado em 2014 pela Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder), pode finalmente sair do papel. A prefeita Moema Gramacho (PT) vem prometendo a implantação de pelo menos 20 Km de ciclofaixas e ciclovias com recursos da própria prefeitura.
 
De acordo com a prefeita, essa primeira etapa já estará integrada à estação Aeroporto do metrô – implicando na modificação do projeto de três anos atrás. Os primeiros 22,14 Km do “Cidade Bicicleta” não foram pensados para incluir a estação que começa a funcionar em dezembro. A segunda etapa, com 12,61 Km, já inclui toda a Estrada do Coco, a avenida Jaime Vieira Lima e a rua Dejanira Maria Bastos – em direção a Vida Nova – e a Amarílio Thiago dos Santos até Ipitanga.
 
De acordo com a arquiteta e urbanista Adriana Trinchão, diretora de Planejamento e Projetos da secretaria de Planejamento de Lauro de Freitas, o sistema ainda será revisto para levar em conta a nova realidade do metrô. Trinchão, que era responsável pelo “Cidade Bicicleta” na própria Conder, trouxe para Lauro de Freitas todo o know-how do projeto.
FOTO: Ciclofaixa segregada por tachão é o modelo projetado para as avenidas Praia de Copacabana e Praia de Itapoã
 
Ainda não há prazos conhecidos – nem a prefeitura revelou o volume de recursos envolvido na empreitada – mas Trinchão garante que, se dependesse só da vontade da prefeita, as obras já teriam sido iniciadas. Em julho, Moema Gramacho disse que havia “solicitado também o apoio do governador para a implantação de uma ciclovia” – projeto que faz parte do Plano Plurianual da prefeitura.
 
A obra deverá beneficiar majoritariamente os trabalhadores de baixa renda que têm na bicicleta o seu principal meio de locomoção – e às vezes o único. Ainda há setores da cidade que não são servidos por transporte público. De acordo com pesquisa da Conder realizada há três anos, 28% dos ciclistas em Lauro de Freitas são empregados do comércio, 24% são operários, da construção civil e de outros setores e 10% são estudantes.
 
Como a quantidade de ciclistas não foi aferida, a pesquisa, feita por amostragem, vale mais como enquete. Já o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) constatou, em 2008, que no Nordeste quase 44% das pessoas vão trabalhar a pé ou de bicicleta – percentual bem superior ao do Sudeste (27%). Os dados do IBGE são relativos à mobilidade física e fatores de proteção à saúde. No Brasil, quanto menor a renda familiar, maior o uso da bicicleta.
 
De fato, a estratificação por faixa de renda revela que 60% dos ciclistas da cidade ganham até um salário mínimo por mês. Outros 36% ganham entre um e três salários mínimos (R$ 2.811). Acima disso, passa a vigorar a lógica da motorização. Apenas 3% deles ganham entre três e cinco salários mínimos. Só 1% dos ciclistas está na faixa acima de cinco salários (R$ 4.685).
 
Ciclofaixa compartilhada, no Rio de Janeiro: solução pensada para as avenidas Fortaleza e São Cristóvão
 
Em função de uma infraestrutura cicloviária rudimentar, a bicicleta é vista “como um bem inferior, especialmente a de menor valor agregado, tradicional”, diz um estudo da Rosenberg Associados para uma associação do setor. No Brasil, que “a qualquer mínimo ganho de renda o consumidor busca uma alternativa” motorizada, o que levaria a menos investimentos na estrutura cicloviária – o que perpetua o círculo.
 
Nem tudo a faixa de renda explica. Na região Sul, por exemplo, onde 35% iam trabalhar a pé ou de bicicleta, a lógica econômica é menos relevante do que no Norte e Nordeste. Na faixa de renda superior a um salário mínimo, é no Sul que as pessoas mais optam por esse modal para ir trabalhar. Ali, a ascensão social também implica uma migração para os veículos motorizados, mas em menor grau. Na faixa entre três e cinco salários mínimos, por exemplo, os sulistas que continuam a andar a pé ou de bicicleta são quase 22%, contra 15% no Nordeste, 14% no Norte e no Sudeste e 13% no Centro-Oeste.
 
A frota brasileira é hoje estimada em cerca de 60 milhões de bicicletas para uma população calculada em 206 milhões no ano passado: apenas 30% da população brasileira usa o modal, numa participação equivalente à dos Estados Unidos, país muito mais motorizado. Se extrapolarmos o número para a população projetada para Lauro de Freitas em 2017 (197 mil habitantes) a cidade teria uma frota de 60 mil bicicletas.
 
Boa parte dessa frota poderá ganhar as ruas a partir do momento em que a infraestrutura estiver presente. Mas o percurso diariamente cumprido pelos ciclistas em Lauro de Freitas ainda tem que melhorar muito para ser considerado rudimentar. A Conder o caracterizou principalmente como perigoso (80%) e de pavimento inadequado (9%) nos estudos do Cidade Bicicleta.
 
ROTAS SEGURAS
As rotas cicloviárias previstas pelo projeto da Conder tendem a mudar essa realidade, mas será necessário fazer mais que construir a infraestrutura. Trinchão prevê a necessidade de educar a população de motoristas para o respeito ao ciclista, por exemplo.
 
Há décadas vítima do crescimento acelerado e desordenado, Lauro de Freitas é uma cidade que nem para os carros foi pensada, quanto mais para a bicicleta. Ruas exíguas passaram a ser ocupadas por cada vez mais veículos em trânsito para os condomínios que surgiram no boom imobiliário da década passada. Quem anda a pé não tem sorte melhor: são raras as calçadas em condições de trânsito para pedestres.
 
Ciclovia completa, segregada, está prevista para trecho de 200m na av. Luiz Tarquínio
 
Nesse cenário, a Conder projetou como pode as ciclofaixas e ciclovias da cidade. Mesmo em Vilas do Atlântico, um loteamento projetado com ruas mais largas, não há espaço para ciclovias, mas será possível implantar uma ciclofaixa ao longo das avenidas Praia de Copacabana e Praia de Itapoã, deixando um dos lados da via para o estacionamento de veículos.
 
Já na avenida Luiz Tarquínio, apenas um trecho de 200 metros poderá receber uma ciclovia segregada, no canteiro lateral da via. Nas avenidas Fortaleza e São Cristóvão, em Itinga, onde até as calçadas são diminutas, haverá ciclofaixas nos dois lados da via, compartilhadas com o trânsito motorizado. Não é o melhor dos mundos, mas a esta altura é o mundo possível.
 
Propiciar algum nível de segurança aos ciclistas que diariamente percorrem a cidade é o maior benefício que a infraestrutura cicloviária vai trazer. Convencer mais gente a deixar o carro em casa para ir de bicicleta até o seu destino é um ganho adicional. Para isso, Adriana Trinchão prevê instalar também para-ciclos – estruturas em que as bicicletas podem ser acorrentadas.
 
A economia de tempo, escapando dos crônicos congestionamentos de Lauro de Freitas, é outro fator importante para atrair novos ciclistas. Se a primeira etapa do projeto for implantada como está projetado, será possível pedalar com alguma segurança da península de Vilas do Atlântico, na esquina da Praia de Tambaú com Copacabana, até o Parque Santa Rita, em Itinga – um percurso de 10,2 Km – em menos tempo que levaria o transporte público.
 
Se pelo menos uma parte da segunda etapa for executada imediatamente, para ligar a cidade ao metrô, pedalar do Parque Santa Rita à estação Aeroporto levará oito minutos ao longo de 2,3 Km. Do Centro ao metrô de bicicleta seriam 19 minutos ao longo de 3,1 Km.
 
RECURSOS DE MULTAS
Os recursos para a obra devem vir da arrecadação de multas de trânsito. Em pouco mais de um mês, no final do ano passado, a prefeitura autuou motoristas em mais de R$ 1,2 milhão – ou mais de R$ 30 mil por dia, em média. Ao final de um ano, mantido o mesmo ritmo, a arrecadação com multas de trânsito poderia representar mais de R$ 14 milhões de receita para o município – quase 10% do total da arrecadação tributária prevista para 2017.
 
Agora que o incentivo ao uso de bicicletas pode até virar lei, por meio do Programa Bicicleta Brasil, verba para a infraestrutura cicloviária é que não vai faltar. A ideia foi aprovada na Câmara dos Deputados em junho e seguiu para o Senado: 15% do valor arrecadado com multas de trânsito no país serão destinados à integração de bicicletas ao transporte público coletivo, instalação de bicicletários públicos e construção de ciclovias e ciclofaixas, além da promoção de campanhas de divulgação dos benefícios do uso da bicicleta. Uma parcela dos recursos da Cide-Combustíveis, contribuição arrecadada pelo governo federal para a infraestrutura de transportes, também poderá ser destinada à bicicleta.
 
De acordo com o Registro Nacional de Infrações de Trânsito (Renainf), dados relativos a 19,3 milhões de multas aplicadas revelam que os órgãos federais arrecadaram quase R$ 900 milhões no ano passado. A arrecadação federal sozinha poderia garantir R$ 135 milhões para apoiar o uso de bicicletas no país. A isso ainda seria somada a arrecadação de multas dos estados e municípios.
 
O custo de ciclovias e ciclofaixas varia muito entre cidades e de acordo com o porte da insfraestrutura. Em São Paulo elas custavam um mínimo de R$ 200 mil por quilômetro em 2015, de acordo com a prefeitura. Em Rio Branco, capital do Acre, o governo estima que o custo por quilômetro ficaria em R$ 100 mil. Já no Rio de Janeiro, segundo a Associação Transporte Ativo, os valores variam de R$ 50 mil a R$ 1,1 milhão por quilômetro. Os dados foram coletados pelo relatório da Rosenberg Associados.
 
Ao custo de R$ 200 mil por quilômetro, só os 15% da arrecadação federal com multas de trânsito em 2016 seriam suficientes para implantar 675 Km de ciclovias no país. Em Lauro de Freitas, R$ 14 milhões poderiam construir 70 quilômetros.

 

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