“Do ponto de vista da evolução, tentar moldar conscientemente como seus filhos ficarão quando adultos é tanto fútil quanto autoimplosivo”, escreve a pesquisadora, sem meias palavras, em “The Gardener e the Carpenter” (“O Jardineiro e o Carpinteiro”, ainda sem versão para o português).
O título da obra é, ao mesmo tempo, sua metáfora central. Carpinteiros, diz a pesquisadora, são os sujeitos que desbastam e serram a madeira bruta até que ela fique exatamente com o formato desejado (o de uma cadeira, por exemplo).
Jardineiros, por outro lado, podem até fazer alguns truques ornamentais com sua tesoura de jardim, mas simplesmente não têm como controlar o crescimento das plantas: o máximo que podem fazer é escolher um bom pedaço de solo, adubar e regar os brotos adequadamente.
A postura de Alison é, em parte, uma reação à mania do “parenting” (algo como “a arte de ser pai/mãe”), um termo cada vez mais usado nos Estados Unidos, em especial em livros de autoajuda sobre, é óbvio, a criação dos filhos. Para ela, pensar segundo as diretrizes do “parenting” (as quais, aliás, podem variar brutalmente de best-seller para best-seller) equivale a transformar o ato de cuidar de crianças numa espécie de emprego não remunerado em tempo integral, enquanto ele deve ser encarado como um relacionamento, que inclui tanto amor quanto aprendizado constante.
Dito dessa maneira, parece uma visão clichê, mas a pesquisadora americana, mãe de três filhos e avó de três netos, faz questão de construí-la a partir do que estamos descobrindo sobre a evolução da natureza humana e de experimentos dos principais laboratórios de psicologia do planeta.
Ela argumenta que boa parte das delícias e dificuldades peculiares que enfrentamos ao cuidar de crianças são resultado do ciclo de vida bastante esquisito da espécie humana (quando comparado à maioria dos demais mamíferos): cooperação entre macho e fêmea para cuidar dos bebês (e também entre parentes e vizinhos, além dos pais biológicos), infância e adolescência incrivelmente longas, fêmeas que continuam vivas por décadas após a última ovulação.
GÊNIOS BRINCANDO
A infância aparentemente interminável dos filhotes humanos explica, segundo Alison, a importância do ato de brincar e de fazer bagunça. Para pais que estão ficando doidos tentando deixar a casa arrumada, as brincadeiras podem virar fonte de irritação e cansaço, mas elas são as principais ferramentas usadas pelos pequenos para investigar como funcionam os mundos físico e social, além de comprovadamente melhorar a criatividade e o aprendizado. A psicóloga, portanto, é inimiga declarada da tendência moderna de entupir as crianças com atividades de todo tipo, do balé à aula de informática. Tempo para brincar sem script definido é essencial, segundo ela.
Aliás, quando o assunto é aprendizado, Alison afirma que é preciso desconfiar do excesso de atividades formais e curriculares não apenas porque elas cansam e fazem atrofiar a criatividade, mas também porque as crianças pequenas possuem capacidades aguçadas de decifrar o mundo à sua volta que independem da sala de aula.
“As crianças aprendem mais, na verdade, a partir dos detalhes inconscientes do que seus cuidadores fazem do que com qualquer manipulação consciente ligada ao ‘parenting’”, escreve. Isso vale tanto para regras morais e sociais – com crianças, a máxima “faça o que eu digo, não faça o que eu faço” quase nunca funciona – quanto para o raciocínio.
A falta de conselhos mais claros e específicos no livro pode parecer frustrante para quem está arrancando os cabelos com a cria complicada (“Meu Deus, como eu faço para ele parar de assistir cenas de videogame no YouTube?”), mas pelo menos é mais realista do que 99% da baboseira que lemos por aí. Não tem atalho. Não tem milagre. Muita coisa pode dar errado – ou “dar certo” de jeitos que ninguém poderia imaginar a princípio. Como genitor de dois pequenos seres humanos, este escriba se sente tentado a concordar.